Retratado em novo longa, Napoleão Bonaparte foi uma das figuras políticas mais importantes — e controversas — da história mundial
Publicado em 26/11/2023, às 08h00 - Atualizado em 28/11/2023, às 14h04
Napoleão Bonaparte, personagem histórico retratado no novo longa de Ridley Scott — que teve estreia nos cinemas brasileiros na última quinta-feira, 23 — é reconhecido até hoje como um grande estrategista, sendo suas campanhas e batalhas estudadas em academias militares ao redor do mundo.
Sua notável vitória em Austerlitz, já como imperador, em 2 de dezembro de 1805, é considerada sua maior conquista, tanto por sua tática ousada quanto pelas consequências geopolíticas.
Na época, Napoleão surpreendeu seus adversários ao simular fragilidade em uma ala do exército, atraindo ataque inimigo para, logo em seguida, contra-atacar.
De acordo com Celso Ramos, historiador e professor da Universidade Estácio entrevistado pelo site Aventuras na História, foi a partir dessa vitória em Austerlitz que foi possível consolidar o domínio francês na Europa Central, resultando no fim do Império Austro-Húngaro.
"Parece ser unanimidade entre os historiadores do período e biógrafos de Napoleão, que sua maior vitória, que obviamente dependeu indiretamente das anteriores, foi a de Austerlitz (região da Morávia, república Tcheca), ocorrida em 02 de dezembro de 1805. E os méritos dessa vitória se devem não apenas à ousada tática utilizada por Napoleão, recebida com desconfiança até por seus auxiliares mais próximos, mas também pelas consequências geopolíticas", explica Celso Ramos.
"No primeiro aspecto, Napoleão simulou fragilidade em uma ala do seu exército para atrair o ataque inimigo. Contudo, o grosso do seu exército estava camuflado, aguardando o momento exato para contra-atacar. O combate foi intenso, mas ao final da tarde os exércitos da 3ª. Coalizão bateram em retirada", continua o historiador.
Como resultado, a França herdou um considerável arsenal de armamentos e, ao mesmo tempo, seu líder político teve o prestígio fortalecido, o que contribuiu para superar desafios econômicos internos e consolidar o espírito nacional francês.
No entanto, nem sempre o Exército de Napoleão saiu vitorioso. A campanha da Rússia em 1812, conhecida como Guerra Patriótica pelos russos, foi um verdadeiro desastre para os franceses, marcando o declínio da hegemonia napoleônica na Europa. Na época, Napoleão liderou a "Grande Armée" com 500 mil homens para forçar a Rússia a aderir ao Bloqueio Continental contra a Inglaterra.
Após vitórias iniciais, os russos mudaram de estratégia para táticas de guerrilha e "terra arrasada", forçando os franceses a penetrar no vasto território russo sem acesso a suprimentos. O inverno rigoroso agravou a falta de recursos, resultando em inúmeras mortes por fome e frio.
"Após uma série de vitórias iniciais dos franceses, os comandantes russos decidiram mudar de estratégia e evitar o enfrentamento direto. Passaram então a fustigar com táticas de guerrilha a vanguarda do exército francês, forçando-o a penetrar cada vez mais no imenso território russo. Ao mesmo tempo, os russos, conforme recuavam, praticavam a tática de 'terra arrasada', de maneira a impedir o acesso pelos franceses a qualquer tipo de suprimento", explica Celso. "Com a chegada do inverno, extremamente rigoroso no interior da Rússia, a já grave carência de suprimentos, se piorou ainda mais. E, as baixíssimas temperaturas levaram à morte milhares de soldados e animais de apoio".
A ocupação de Moscou em setembro foi um fiasco, levando à perda de cerca de 70 mil soldados. A retirada forçada marcou o início do declínio do Império Napoleônico, com o exército francês alcançando a Polônia com apenas 27 mil homens debilitados e maltrapilhos. Outro momento histórico que também chama atenção na trajetória de Napoleão é o Governo dos Cem Dias.
Em 16 de fevereiro de 1815, Napoleão escapou de seu exílio na ilha de Elba e chegou a Paris em 20 de março, desencadeando a formação da Sétima Coalizão pelas monarquias europeias reunidas no Congresso de Viena. A mobilização "tinha, dentre outros objetivos, o de restaurar a ordem política e territorial pré-revolução francesa", conforme explicou o historiador.
Durante o Governo dos Cem Dias (20 de março a 8 de julho de 1815), o líder francês mobilizou um exército de 72 mil homens para enfrentar a coalizão, culminando na derrota da França na Batalha de Waterloo em 18 de junho de 1815. Após a derrota, Napoleão tentou fugir para os Estados Unidos, mas foi capturado pelos britânicos em 15 de julho de 1815.
Como destacou Ramos, "este período assinalou não apenas a derrocada final império napoleônico do ponto de vista militar, mas a perda definitiva de prestígio do Imperador da França junto à população."
Mais relevante ainda, na perspectiva da história mundial, "foi o encerramento do ciclo revolucionário e o início do ciclo do nacionalismo, que marcaria todo o século XIX. Muito embora o ideal de um Estado Nacional tenha sido difundido no ciclo anterior, ele adquire, com a derrota de Napoleão, um caráter conservador, bem ao sabor dos interesses da reação nobiliárquica da Santa Aliança", considerou.
Exilado em dezembro de 1815 na remota ilha de Santa Helena, Napoleão Bonaparte morreu em 5 de maio de 1821 de câncer no estômago. Durante seu tempo na Longwood House, Napoleão enfrentou condições adversas, incluindo um clima hostil e um ambiente úmido e exposto aos ventos. Especulações sobre envenenamento foram descartadas em 2008 após estudos em seus restos mortais.
O historiador destaca que a imagem contemporânea de Bonaparte é controversa, sendo ele considerado ora como um ditador sanguinário, ora defensor dos ideais iluministas e revolucionários.
"Na historiografia acadêmica a situação não é diferente, havendo historiadores que o condenam por ter sido o responsável por instaurar o nacionalismo chauvinista que irá culminar na Primeira Guerra Mundial, e aqueles que enaltecem seus feitos, responsáveis difundir as noções basilares do Estado de Direito Moderno", aponta Ramos, que finaliza: "basta olhar para o volume de biografias e de filmes sobre ele, para se ter uma noção da grandiosa importância desse obstinado corso, de 1,57 de altura, para a história mundial."