Para exibir suas descobertas no campo do controle da mente, pioneiro neurocientista espanhol deu um show na arena, com tecnologia testada antes em humanos
De um lado, a besta - um novilho de 250 quilos da raça miúra, criada especificamente por sua disposição de atacar implacavelmente humanos vestidos de forma espalhafatosa que balançam panos. Do outro, não um toureiro, mas um senhor meio pançudo, beirando os 50, vestindo terno e pulôver. O touro, já atiçado por toureiros profissionais, que haviam dado o fora, avança contra o cientista. Que tem em sua mão direita uma misteriosa caixa com um botão.
Prestes a ser empalado, quando a criatura está a quase 1 metro de distância, ele estende sua mão esquerda, num gesto de hipnotizador, e clica no dispositivo. E o touro parece simplesmente desistir.
Não ficar paralisado, em dor, ou choque, mas simplesmente perder o interesse. O animal dá meia-volta. Desligando a máquina, agora o cientista puxa uma capa de toureador. É o sinal, e a fera investe ainda mais decisivamente. Para nem chegar a encostar no pano.
Era 1963 e José Delgado mostrava a um atônito mundo o poder de seu stimoceiver, um implante de estimulação elétrica no cérebro ativado por rádio, criado por ele na Universidade de Yale (EUA). O touro podia ficar tranquilo, pois o aparelho já havia sido testado em macacos, chipanzés e... humanos. Pacientes de hospitais psiquiátricos, nos quais era implantado no crânio, usado para controlar o movimento e partes do cérebro ligadas a estados emocionais, como agressão, ou sensações.
Segundo Delgado, o stimoceiver foi capaz de produzir "uma variedade de efeitos, incluindo sensações agradáveis, exaltação, concentração profunda e pensativa, sentimentos estranhos, super-relaxamento, visões coloridas e outras respostas".
Após vencer o touro, em 1969 o cientista escreveria o polêmico Physical Control of the Mind: Toward a Psychocivilised Society ("Controle Físico da Mente: Em Direção a uma Sociedade Psicocivilizada"), argumentando que a estimulação elétrica do cérebro poderia resolver todos os problemas sociais.
Os experimentos de Delgado não serviram apenas como inspiração para candidatos a supervilão. Sua contribuição científica é sólida. Os chamados marcapassos cerebrais, que estimulam eletricamente o córtex, hoje são usados para tratar casos graves de depressão, mal de Parkinson e dor crônica. O marcapasso comum também teve um de seus primeiros protótipos por suas mãos.
Nascido em 1915, Delgado havia acabado de tirar seu diploma médico quando estourou a Guerra Civil Espanhola. Lutou do lado republicano e passou cinco meses preso após a derrota, mas acabou liberado para fazer seus exames novamente e ser reconhecido. Mudou-se logo após isso para os EUA e voltou definitivamente para a terra natal só em 1974, no fim do regime Franco. Viveria até quase os 100 anos, morrendo em 2011 - a tempo de ver o vídeo de sua tourada ser colocado no YouTube. Assista abaixo.