Primeiros registros indígenas têm mais de 50 mil anos e mostram a origem da humanidade na América
Falar sobre a Pré-História do Brasil é escrever a história do indígena brasileiro antes da colonização portuguesa. É narrar o processo de ocupação das terras amazônicas, do litoral, das grandes extensões semiáridas, do cerrado e das regiões temperadas do sul.
Em 1500, em seu estágio mais avançado de desenvolvimento, o indígena vivia em moradias multifamiliares para até 50 indivíduos, organizadas em aldeias. Não chegou a construir cidades ou grandes santuários, como em outras regiões das Américas.
No entanto, é completamente errado chamar essas populações de primitivas, desde uma visão eurocêntrica de falsa superioridade: elas souberam se adaptar e sobreviver em meios hostis como o semiárido nordestino ou a floresta amazônica.
O indígena brasileiro foi capaz de criar uma arte única, a exemplo das pinturas rupestres sobre os paredões de rocha que se espalham por todo o país, especialmente nos sertões nordestinos.
O Parque Nacional Serra da Capivara (PI), declarado Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco, reúne mais de 800 sítios com pinturas rupestres. São cenas de grande expressividade onde se retratam diversas atividades da vida pré-histórica. Há também pinturas e gravuras de grande beleza na região do Seridó (RN), na Bahia, na Paraíba e no Pará, entre outros.
No sítio do Boqueirão da Pedra Furada (PI), Niède Guidon e outros arqueólogos acharam vestígios dos primeiros caçadores que povoaram o Brasil desde antes de 50000 a.C. Os achados demonstraram que esses antigos habitantes conheciam o fogo e talhavam a pedra para obter armas e vários tipos de ferramentas.
Há 10 mil anos, grande parte das terras que hoje formam o Brasil já tinham sido ocupadas por grupos humanos que viviam da caça e da coleta de frutos diversificados.
Nesse contexto, uma pergunta se faz obrigatória: de onde vieram esses primeiros habitantes?
Os indígenas brasileiros modernos e os que entraram em contato com os portugueses são e eram de origem asiática. A constatação desse fato levou à teoria, nunca bem demonstrada, de que todos os nativos do Novo Mundo seriam descendentes de levas chegadas às Américas através do estreito de Bering, principalmente na época em que a glaciação Wisconsin fez descer o nível dos mares, criando-se um istmo entre a Sibéria e o Alasca.
Esse istmo teria permitido a passagem por terra de animais e dos caçadores que os perseguiram. Pesquisadores também defenderam que aportaram nas Américas, a partir de 3000 a.C., levas originárias das ilhas do Pacífico Sul. Grupos teriam navegado de ilha em ilha até as costas da América do Sul e seriam já portadores de conhecimentos, além da navegação, de agricultura e de cerâmica.
Na década de 1970, o estudo de um crânio escavado pela arqueóloga Annette Laming Emperaire mudou o panorama sobre os primeiros colonizadores. As pesquisas indicaram que se tratava de uma mulher cujas características apontavam uma origem africana em vez de asiática.
Esse crânio de 11 mil anos foi chamado Luzia. O achado levantou, de novo, a teoria já antiga, embora adormecida por falta de provas sólidas, da chegada às costas brasileiras de grupos vindos através do Atlântico navegando desde a África.
Essas levas africanas seriam pouco numerosas e podem ter-se extinguido antes da chegada dos grupos asiáticos, maiores, os quais vieram por caminhos múltiplos durante milênios.
A agricultura nas Américas é muito antiga. No nordeste do Brasil e na Amazônia, pequenas roças de subsistência podem ter começado em 3000 a.C. Acompanhando o desenvolvimento da agricultura, os indígenas fabricaram, também, cerâmica utilitária e cerimonial de grande beleza e apurada técnica.
A arqueologia pré-histórica está revelando, cada vez com maiores detalhes, que a História nacional não começou em 1500 com a chegada de Cabral e que as raízes indígenas são, sem dúvida, um dos pilares da nacionalidade brasileira.
Por Gabriela Martin Ávila, professora do curso de pós-graduação em Arqueologia da UFPE e autora de Pré-História do Nordeste do Brasil