Muitos acreditam que uma das principais diferenças entre humanos e animais é a noção de arte; porém, a arte pode ter surgido muito antes de nós
Desde os tempos antigos, quando se questionava o que diferencia os homens dos animais, ou mesmo quando se pergunta o que nos diferenciariam dos robôs e inteligências artificiais em futuros como 'Eu, Robô' (2004) ou 'Blade Runner' (1982), uma resposta ouvida é, além da nossa capacidade racional, nosso potencial de criar arte.
Mesmo antes do surgimento dos primeiros códigos de escrita, o que marca o verdadeiro início do que se considera História, o Homo sapiens já havia produzido artefatos. Entre eles, estavam estatuetas, ornamentos como pingentes de colares e as famosas pinturas rupestres, encontradas em cavernas de quase todo o planeta.
Em algum período há milhares de anos, inclusive, o Homo sapiens não era o único hominídeo que habitava o planeta. Existiam também o Homo erectus, o Homo habilis e o homem de neandertal (Homo neanderthalensis); e mais curioso: eles também poderiam já ter produzido suas próprias formas de arte, o que faria a arte não só mais antiga que a humanidade, como também não exclusiva. Entenda!
Durante séculos, uma caverna chamada Einhornhöhle (que seria "Caverna do Unicórnio", em português), localizada no centro da Alemanha, se tornou famosa por conter inúmeros ossos em seu interior. O nome, no caso, surgiu na Idade Média, quando as pessoas acreditavam que aqueles ossos eram de unicórnios.
No entanto, há alguns anos, arqueólogos encontraram na caverna um objeto que chamou atenção: um osso do dedo do pé de um cervo gigante. O item, em si, não chamaria tanta atenção, exceto pelo fato de que esses animais eram presas dos caçadores pré-históricos da Europa, que viviam mais ao norte; ou seja, o osso fora transportado de longe.
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Porém, não era só isso: na superfície superior do osso, havia também sulcos grandes esculpidos em ângulos, criando uma espécie de padrão geométrico. Uma datação por radiocarbono revelou que o cervo a quem aquele osso pertenceu teria vivido há cerca de 51 mil anos, quando aquela caverna era habitada por neandertais, ou seja, aquele osso esculpido provavelmente teria valor simbólico para algum membro daquele grupo.
O osso gravado de Einhornhöhle tem pelo menos 50 mil anos, portanto, está entre os objetos simbólicos mais antigos conhecidos", disse Dirk Leder, arqueólogo do governo do estado da Baixa Saxônia que publicou pesquisas sobre o objeto. No entanto, não se sabe significado.
O osso, no caso, é um dos vários candidatos ao título de "arte mais antiga do mundo". No entanto, a verdade é que, caso aceitem que os neandertais também produziam arte, podem existir artefatos ainda mais antigos.
Existem evidências de que neandertais teriam feito desenhos abstratos, ou seja, não representacionais, em paredes de cavernas muito antes do Homo sapiens surgir, além de um conhecido pingente com garras de águia que pode datar de até 130 mil anos atrás.
Cognitivamente, os Neandertais parecem ter sido tão capazes de se tornarem artistas quanto a nossa própria espécie, o Homo sapiens", pontua Leder.
No mundo da arqueologia, o termo "arte" é pouco debatido, de forma que, em vez de filosofarem sobre o que seria arte, associam o termo às várias formas de simbolismo já feitas. Por isso, alguns — incluindo Leder — preferem referir-se ao osso esculpido como um artefato de "pré-arte", que engloba outros exemplos de expressão dos neandertais.
Entre eles, vale mencionar uma série de desenhos rupestres de 75 mil anos encontrados na França, que mais parecem rabiscos indistintos, ou mesmo pinturas rupestres antigas de 64 mil anos encontradas na Espanha.
Sendo assim, existem possibilidades de usos de simbolismo mesmo antes do surgimento dos neandertais. Thomas Terberger, professor de arqueologia pré-histórica na Universidade de Göttingen, na Alemanha, disse ao WordsSideKick.com que existem "evidências crescentes de ornamentos e várias expressões de comportamento simbólico desde cerca de 120 mil anos atrás na África e na Europa."
Voltando no tempo com essa nova visão sobre a arte de outros hominídeos, pode-se chegar até algumas pequenas esferas de pedra, com poucos centímetros de diâmetro, encontradas em vários sítios arqueológicos onde havia ferramentas de pedra. O achado mais antigo do tipo data de cerca de 2 milhões de anos atrás, muito antes do surgimento dos Homo sapiens ou até dos neandertais.
Alguns arqueólogos argumentam que as esferas não podem ser consideradas arte, sugerindo que teriam sido apenas "pedras de martelo" ou o que restara de pedras lascadas que utilizavam como ferramentas.
No entanto, não está clara a função dessas esferas. Além disso, outra análise sugere que foram deliberadamente moldadas para serem o mais perfeitamente esféricas possíveis, possivelmente em busca de alguma "simetria" — o que também era presente em alguns machados paleolíticos.
Segundo Derek Hodgson, arqueólogo, psicólogo e especialista em arte rupestre pré-histórica que já trabalhou na Universidade de York, no Reino Unido, esse elemento da simetria chama atenção, pois mesmo alguns de nossos parentes vivos mais próximos não conseguem perceber padrões de simetria:
Pesquisas recentes sobre primatas não humanos, como os babuínos, descobriram que eles eram incapazes de identificar padrões simétricos... em contraste com os humanos modernos, que acharam esta tarefa fácil", disse ao WordsSideKick.com via e-mail.
Por sua vez, Terberger acredita que o simbolismo associado a objetos, em vez de exclusivo a uma única espécie, pode ter surgido em um momento em que as condições para criá-lo foram adequadas.
Um exemplo é o desenvolvimento e organização de sociedades pré-históricas, que levavam à formação de grupos maiores e à eventual necessidade de comunicação entre diferentes grupos. Ainda assim, muitos pesquisadores não consideram esses objetos como expressões artísticas, e se voltam às pinturas rupestres representacionais.
Um local que chama atenção, por vezes comparado a uma "Capela Sistina pré-histórica", segundo o Live Science, é a Caverna Chauvet, localizada na França. Em seu interior, existem centenas de desenhos de animais gravadas, incluindo rinocerontes peludos, mamutes, bisões, ursos das cavernas... Esboçadas há impressionantes 35 mil anos.
Porém, ao buscar o exemplo de pintura rupestre mais antiga já conhecida, em 2017 foi encontrada na ilha de Celebes, na Indonésia, a pintura de um porco verrucoso em uma caverna, cuja datação sugere ter cerca de 45.500 anos.
Vale lembrar que os humanos modernos (Homo sapiens) surgiram na Europa entre 40 mil e 50 mil anos atrás, aparentemente essa pintura foi feita também pela nossa própria espécie — o que pode derrubar a teoria de que as pinturas rupestres teriam surgido na Europa —, sendo esta a obra de arte representacional mais antiga conhecida atualmente.
"Pode haver indícios de que alguns Neandertais produziam marcas de vários tipos que se enquadrariam na rubrica de 'arte'", disse Adam Brumm, professor de arqueologia da Universidade Griffith, na Austrália, e responsável pela descoberta, via e-mail ao WordsSideKick.com. Porém, "até agora as evidências sugerem que apenas a nossa espécie é capaz de produzir arte representacional."