"Princesa Vermelha da Rota da Seda" é o primeiro esqueleto encontrado com dentes manchados com substância tóxica, comum em rituais religiosos antigos
Publicado em 27/02/2025, às 10h30
No passado, diferentes civilizações utilizavam o cinábrio, um mineral de tonalidade vermelha, em pinturas, máscaras, joias e até mesmo rituais. E um exemplo desse uso foi identificado e documentado recentemente por arqueólogos chineses, em um estudo publicado na revista Archaeological and Anthropological Sciences.
Esse registro se trata de um antigo crânio encontrado em 2007, que foi o primeiro caso registrado de um esqueleto com dentes tingidos de vermelho. Ele foi encontrado durante escavações no cemitério Shengjindian, em Turpan, no noroeste da China, e data de entre 2.050 e 2.200 anos atrás.
Após a recuperação do esqueleto, os pesquisadores determinaram que ele pertencia a uma mulher, possivelmente de posição social elevada, devido à coloração vermelha nos dentes. E foi após análises recentes que os pesquisadores apontaram que a substância ali utilizada era o cinábrio.
Essa substância, conforme repercute a Revista Galileu, forma-se principalmente em áreas com atividade vulcânica, e era frequentemente triturada e transformada em um pó fino, que poderia ser diluído para a criação de tintas. Os registros mais antigos de uso de cinábrio são da China, há cerca de 8,5 mil anos, em pinturas de paredes e objetos.
"Este é o primeiro e único registro conhecido do uso de cinábrio como pigmento vermelho para tingimento de dentes na antiguidade e em todo o mundo", descrevem os pesquisadores no artigo. "Dada a relevância dessa descoberta e o possível alto status dessa jovem mulher, a nomeamos 'Princesa Vermelha da Rota da Seda'".
Esse nome, vale mencionar, é uma referência à famosa tumba da conhecida como "Rainha Vermelha de Palenque", do México. Lá, foram encontradas não só as paredes, como também os restos mortais de uma rainha maia cobertos com pó de cinábrio.
Porém, é importante destacar que, no passado, as civilizações não sabiam que o cinábrio era composto por sulfeto de mercúrio, uma substância altamente tóxica que, quando exposta a altas temperaturas, libera vapores de mercúrio que podem intoxicar apenas ao ser inalada.
A datação realizada do esqueleto da "Princesa Vermelha da Rota da Seda" apontou que ela viveu no início da dinastia Han (que durou entre 206 a.C. e 220 d.C.), um período em que a China exerceu grande influência nas rotas comerciais asiáticas — que, futuramente, ficariam conhecidas como Rota da Seda.
Um fato que reafirma o status social dessa mulher, além do uso do cinábrio, é que Turpan não possui o mineral em suas redondezas, portanto, ele foi adquirido como produto na Rota da Seda. Porém, o que motivou a pintura dos dentes do crânio segue um mistério para os arqueólogos, visto que, com a ausência de registros semelhantes, não há com o que se comparar.
Porém, alguns pesquisadores supõem, com base em registros históricos das tradições xamânicas da região, que o uso do cinábrio nesse caso pode se relacionar à crença chinesa de que a alma residia nos dentes e que, ao tingi-los com cinábrio, poderia estar sendo evocado ali um tipo de símbolo de imortalidade.
Ou então, caso os dentes não tenham sido propositalmente pintados de vermelho, há a hipótese de que um líquido contendo cinábrio tivesse sido consumido por aquela mulher, o que era uma prática comum da época, pois o mineral era utilizado em diferentes rituais de cura, e até como substância psicoativa nas crenças xamânicas, capaz de alterar a consciência e possibilitar a comunicação com entidades divinas.