Um dos corpos armados mais respeitados do mundo, a Guarda Suíça cuida da segurança do papa há mais de 500 anos; entenda!
Querido leitor, na coluna do último mês falamos sobre como a história da Ferrari está intimamente ligada com a da Itália moderna e com as duas guerras mundiais. Pois bem, neste mês ficaremos na Itália, ou melhor, em um pequeno Estado situado dentro do território italiano — não, não estamos falando de San Marino —, e faremos uma viagem pela história, pois nossa saga começa em 1506.
Se você pensou no Vaticano e, pelo título, identificou que estamos falando da Guarda Suíça Pontifícia, o exército particular do Santo Padre e uma das tropas a mais tempo em atividade contínua no mundo, pensou certo — e a escolha não é aleatória. Apesar de fazer aniversário em 22 de janeiro — data de sua fundação, em 1506 —, é em 6 de maio que a guarda realiza um de seus maiores desfiles.
Porém, para entender esta história e a origem da Guarda é preciso, primeiro, compreender o significado da figura histórica do papa. Os papas são, além dos líderes religiosos do Catolicismo Romano, Chefes de Estado, afinal, governam um território autônomo: a Cidade do Vaticano. Contudo, ao contrário dos líderes pacíficos atuais, no passado, eram verdadeiros reis de Estados europeus em beligerância, que precisavam de exércitos — e é aqui que entram os suíços.
No século 16, o auge da Renascença, a Europa vivia mergulhada em guerras de todos os tipos. Neste momento, os exércitos profissionais (como conhecemos hoje em dia) não existiam. É fato que, lá atrás, no tempo de Cartago e Roma, existiam exércitos “formais”, mas, com o período medieval, as “forças contratadas” (mercenários) passaram a dominar a cena dos campos de batalha europeus. Dentre estes, os suíços se destacavam (de norte a sul do continente) por conta de sua bravura e disciplina em combate.
Durante as Guerras Italianas (1494-1559), mercenários suíços já haviam servido sob o estandarte do Santo Padre na defesa dos Estados Pontifícios — naquele tempo, as terras papais se estendiam muito além dos Portões de São Pedro, ocupando parte significativa da Península Itálica.
Quando o cardeal Giuliano della Rovere se tornou o papa Júlio II (1503), ciente dos bons serviços prestados pelos helvéticos, ele propôs formalmente à Dieta da Confederação Suíça (o parlamento suíço da época) que os diversos cantões provessem constantemente o Vaticano e seus domínios com um efetivo de 200 soldados.
Os primeiros 150 partiram da Suíça em setembro de 1505, marchando até Roma em 22 de janeiro de 1506. A entrada pelos portões da “Cidade Eterna” marca o início formal da Guarda — mas este era apenas o começo. Com os constantes conflitos, foi em 6 de maio de 1527, no infame “Saque de Roma”, que a Guarda ganhou notoriedade.
O referido episódio foi o evento mais marcante da Guerra da Liga de Cognac (1527-1530), que opôs os Estados Papais e seus Aliados de um lado, ao Reino da Espanha e o Sacro Império Romano-Germânico do outro.
Na historiografia militar diz-se que toda tropa tem uma grande batalha onde ela “faz seu nome”, e o Saque de Roma foi justamente a grande batalha da Guarda Suíça. Seus 189 homens protegeram o papa Clemente VII de uma força mercenária de mais de mil germânicos. Depois de quase uma noite inteira de combates, a Guarda Suíça saiu vitoriosa. Apesar de ter cedido terreno, conseguiram preservar a vida do Santo Padre. Perderam 147 guardas, mas infligiram mais de 900 baixas aos mercenários.
A Guarda ainda veria outros notáveis combates, como a Batalha de Lepanto (1571), conhecida por ter sido “a grande batalha que salvou a cristandade dos turcos”. Com o fim das Guerras Italianas e a calmaria que se instaurou na península, a Guarda voltou as atividades à escolta do papa e funções cerimoniais. Adiante, com Napoleão e Hitler, passou a rever certa ação.
Com o primeiro, a Guarda foi desfeita, pois o papa Pio VI foi derrubado e exilado. Sob seu sucessor, Pio VII, foi recriada em 1801; e veria ainda mais ação anos depois, em 1848, quando foi fundamental na defesa do Palácio Apostólico, no contexto da Primavera dos Povos.
Já na Segunda Guerra, quando os nazistas ocuparam Roma, seguindo a capitulação italiana, a Guarda foi fundamental em “evitar uma tentativa” de invasão do Vaticano. Foi uma das poucas vezes em que os guardas trocaram suas tradicionais alabardas (uma mistura de lança e machado) por fuzis e metralhadoras.
Hoje, além da segurança do Sumo Pontífice e das instalações do Vaticano, os soldados exercem tarefas cerimoniais, como a guarda de honra de autoridades estrangeiras em visita à Santa Sé.
A última grande ameaça foi o atentado sofrido pelo papa João Paulo II, em 13 de maio de 1981. Desde então, os guardas são treinados em defesa pessoal e segurança de autoridades. Para integrar a guarda “é preciso ser homem, solteiro, cidadão suíço e católico romano, além de ter ao menos 1,74 metro de altura, formação profissional, ter estudado e prestado o serviço militar na Suíça”, explicou, em 2018, o cabo Marco Radovinovic, em entrevista sobre os 512 anos da tropa.
A imagem mais característica dos guardas é a de seu uniforme histórico, nas cores azul, laranja e vermelho — que uma lenda (nunca confirmada) diz que foi desenhada pelo próprio Michelangelo, o mesmo da Capela Sistina. Para finalizar, como pode ser visto na foto que ilustra esta coluna, justamente por ser uma data simbólica, todo ano, em 6 de maio, novos recrutas prestam juramento e passam a integrar o grandioso e tradicional Exército do Papa.