Fazendo uso dos estereótipos coloniais, escritora disfarçou-se de blackface e barba - e tapeou a marinha britânica
A brincadeira hoje seria inaceitável. Mas não foi sem um quê de ironia contra os próprios estereótipos da época.
Em 7 de fevereiro de 1910, os oficiais encarregados de guardar a menina dos olhos da Marinha Real Britânica, o HMS Dreadnought, receberam uma visita inesperada: o imperador da Abissínia e sua corte. Os dignitários estrangeiros foram acolhidos com toda pompa e circunstância e convidados a inspecionar o navio, um dos mais novos, formidáveis e secretos da frota.
Os visitantes, porém, eram impostores. Entre eles, Virginia Woolf – na época ainda atendia como Virginia Stephen, uma aspirante a escritora de 28 anos. A peça foi ideia do poeta Horace de Vere Cole, embusteiro de renome. Ele convidou cinco amigos do grupo Bloomsbury, claque de intelectuais britânicos, entre os quais Virginia e o irmão dela, Adrian.
Espalharam tinta nas faces e vestiram robes e luvas, de modo a esconder o corpo. Virginia colocou uma barba postiça. Com anéis, colares e turbantes de cena colorida, condiziam com o estereótipo da realeza africana. Falavam um misto de latim – citações da Eneida, poema épico escrito pelo poeta romano Virgílio, do século 1 a.C. – e sons aleatórios.
Toda vez que viam algo impressionante, gritavam “bunga, bunga!” O disfarce funcionou tão bem que nem o primo de Virginia, um dos oficiais, os reconheceu. No dia seguinte, Cole enviou a foto dos “príncipes” para a imprensa, tornando a Marinha alvo de piadas.
O circo resultou em uma investigação no Parlamento e alterações das medidas de segurança. O Dreadnought foi enviado para manobras em alto-mar e os amigos de Bloomsbury, advertidos. Quem não viu graça no ocorrido foi o verdadeiro imperador, Menelik II, que em visita ao Reino Unido teve de aguentar gritos de “bunga bunga”.