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Desventuras / Maçonaria

De Hitler a Mussolini: maçons se tornaram alvo de ditadores

Perseguição contra a maçonaria começou na Idade Média, contudo, foi além

Eduardo Szklarz, arquivo Aventuras na História Publicado em 28/08/2022, às 07h00 - Atualizado em 13/09/2022, às 15h50

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Emblema maçônico sobreposto em encontro de Hitler e Mussolini no ano de 1940 - Wikimedia Commons / Domínio Público
Emblema maçônico sobreposto em encontro de Hitler e Mussolini no ano de 1940 - Wikimedia Commons / Domínio Público

Muita gente pensa na maçonaria como uma das sociedades secretas mais poderosas da história. Poucos sabem, contudo, que ela também tem sido uma das mais perseguidas. Não é para menos: na Idade Média, quando o mundo era controlado a ferro e fogo por reis absolutistas e papas inquisidores, os maçons apoiavam a liberdade, a ciência, o laicismo e a tolerância religiosa.

Questionavam qualquer dogma. Pregavam que cada indivíduo tinha livre-arbítrio em suas escolhas. E ainda mantinham suas reuniões em absoluto segredo. Natural, portanto, que esses homens de avental representassem uma ameaça para ditadores, fanáticos e defensores do pensamento único.

“Os mais férreos perseguidores da maçonaria estavam — e ainda estão — na Igreja Católica”, diz o pesquisador argentino Guillaume Freinet, autor do livro 'Masones
y Rosacruces '(“Maçons e Rosa-Cruzes”, sem tradução no Brasil).

Segundo Freinet, a relação com a Santa Sé até que começou bem: reunidos em sindicatos de pedreiros, os maçons eram contratados pelo alto clero para construir catedrais Europa afora. Mas, à medida que a fraternidade deixou os tijolos de lado e se assumiu como uma sociedade secreta filosófica — ou melhor, especulativa —, no século 17, os donos do poder se sentiram ameaçados.

Com a publicação da Constituição de Anderson (pilar da maçonaria moderna), em 1723, a Igreja rompeu definitivamente com os ex-protegidos. Em 1738, por exemplo, o papa Clemente XII emitiu uma bula proibindo os fiéis de integrar a ordem. E os tribunais da Inquisição ganharam carta branca para torturar “hereges”, acusados de satanismo.

 Foi assim com o suíço John Coustos, preso em Lisboa por ordem do governo português e levado à câmara de tortura do Santo Ofício. Forçado a jurar sobre os Evangelhos, teve de se despir e foi atado no potro, uma espécie de cama que estirava pernas e braços da vítima até arrebentá-los.

“Eu o informei de que, se morresse durante a operação, quebrasse algum membro ou perdesse os sentidos, a culpa seria dele, e não dos senhores ministros”, relata o inquisidor Felipe de Abranches nos autos do processo. O maçom foi libertado graças à intervenção do embaixador da Inglaterra.

Exilado em Londres, rompeu o silêncio imposto pelos bispos e contou tudo no livro 'Os Sofrimentos de John Coustos' (1745). Os papas seguintes também atacaram os maçons, entre eles Pio VII (cujo pontificado foi de 1800 a 1823), Leão XII (1823 a 1829) e Gregório XVI (1831 a 1846). Até mesmo em casos recentes, quando Bento XVI, o penúltimo papa, condenou a maçonaria.

O mais incisivo de todos, no entanto, talvez tenha sido Leão XIII (sumo pontífice de 1878 a 1903). Na encíclica Humanum Genus, de 1884, ele dizia que “os partidários do mal” haviam se juntado numa organização de alcance mundial: a sociedade dos franco-maçons. “[Eles] tratam de arruinar e derrubar a Santa Igreja para chegar, se possível, a despojar as nações cristãs dos bens espirituais que elas recebem do Nosso Salvador Jesus Cristo”, afirmou o papa.

Na mira de fascistas

Na virada do século 19 para o século 20, os maçons se tornaram alvo dos partidos de direita. Durante a revolta anarquista de 1909 contra o rei espanhol Afonso XIII, por exemplo, o governo prendeu Francisco Ferrer - um maçom   que tinha fundado escolas laicas e escrito livros criticando a Igreja. “Acusado de instigar a rebelião, Ferrer foi julgado poruma corte marcial e fuzilado”, escreve o historiador inglês Jasper Ridley no livro 'Le Freemasons'.

Durante a ditadura de Getúlio Vargas, as lojas maçônicas foram obrigadas a ter personalidade jurídica própria. Para muitos historiadores, essa foi a forma que o governo encontrou de identificar os seus membros facilmente. Os templos foram fechados, mas isso não significa que Vargas reprimiu a maçonaria como um todo. “Assim como na Revolução Francesa, havia maçons dos dois lados. A maioria se contrapôs a Vargas, mas alguns o apoiaram”, diz Marcos José da Silva, grão-mestre geral do Grande Oriente do Brasil.

Vargas em foto oficial da presidência / Crédito: Wikimedia Commons / Domínio Público

Os simpatizantes do governo não sofreram repressão. Já os opositores, quando identificados, acabaram presos. Eles foram perseguidos não por serem maçons, mas por sua ideologia política”, acrescentou.

Enquanto isso, os irmãos de fraternidade argentinos eram alvo do general Uriburu, que deu um golpe de Estado em 1930 e implantou um regime de inspiração fascista. A perseguição aumentou com o Congresso Eucarístico de 1934, presidido em Buenos Aires pelo cardeal conservador Eugenio Pacelli (futuro papa Pio XII).

“A maçonaria argentina foi encurralada e começoua se fechar nos templos para proteger os membros e seus familiares, que também eram presos”, diz Nicolas Orlando Breglia, pró-grão-mestre da Grande Loja da Argentina de Livres e Aceitos Maçons.

Àquela altura, a irmandade vivia seus piores dias na Europa. Os maçons apoiaram os republicanos durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), mas os fascistas triunfaram com o apoio dos ditadores Adolf Hitler e Benito Mussolini e instauraram um regime totalitário liderado pelo general Francisco Franco.

“Em 1940, Franco assinou um decreto que criava o Tribunal de Repressão à Maçonaria. Ser ou ter sido maçom configurava delito. Parentes de maçons também podiam ser castigados por permitir que seus familiares entrassem para as lojas”, escreve o historiador Jasper Ridley. “Milhares de maçons foram julgados e presos por esse tribunal.”

Campos de concentração

Mas foi durante o nazismo que a perseguição aos integrantes da ordem chegou ao ápice. Logo no início, cartazes elaborados por Joseph Goebbels, ministro da Propaganda
do Terceiro Reich, mostravam uma serpente enredada em três palavras: judaísmo, maçonaria e bolchevismo. Os maçons não eram alvos prioritários como judeus sem tradução para o português).

“O caso impressionou a opinião liberal na Europa”, completa Ridley. No Brasil, os mitos medievais contra os maçons ganharam nova roupagem graças ao escritor e político Gustavo Barroso. Líder da Ação Integralista Brasileira (um partido ultranacionalista e de extrema-direita, alinhado com o nazifascismo que vigorava na Europa), ele alertava sobre uma suposta conspiração judaico-maçônica para dominar o mundo.

Em 1936, Barroso editou 'Os Protocolos dos Sábios de Sião', espécie de bíblia do antissemitismo compilada na Rússia czarista. No ano seguinte, exercitou seus delírios conspiratórios nos livros 'A Maçonaria: Seita Judaica e Judaísmo', 'Maçonaria e Comunismo' e 'Gestapo, a polícia secreta de Hitler'. Quem não largava o avental não conseguia progredir na carreira.

Muitos templos foram destruídos e seus livros, confi scados. Heinrich Heydrich, líder da Gestapo, tinha tanta obsessão pelo suposto complô judaico-maçônico que criou uma seção especial no Serviço Secreto (SD) para lidar exclusivamente com a maçonaria. “Os relatórios alertavam sobre perigosas conferências feitas por filósofos e rosa-cruzes. Diziam que os maçons haviam se infiltrado no partido nazista e no Banco Central alemão”, conta o historiador britânico Michael Burleigh, autor do livro 'Third Reich: A New History' (“O Terceiro Reich: Uma Nova História”, inédito no Brasil).

Os documentos nazistas também apontavam “conexões sinistras” no exterior, inclusive com maçons do Brasil e do Uruguai. “Era um perigo que a maioria do governo francês fosse maçom, sem falar no presidente americano Franklin D. Roosevelt”, diz Burleigh. “A maçonaria foi esmagada por sua tradição de humanismo, tolerância e liberalismo, além
de ser apontada como um veículo das ideias judaicas”.

Em 1938, em meio aos preparativos para a Segunda Guerra Mundial, Hitler anistiou os maçons que renunciaram à ordem. Mas todo cuidado era pouco. O clima de medo prosseguiu com as exposições antimaçônicas, que seguiam o formato vexatório das mostras de arte judaica “degenerada”. Ao passear entre compassos, pirâmides e outros símbolos pilhados dos templos, o povo “aprendia” que judeus e maçons tinham provocado a guerra.

A partir de 1941, a situação da maçonaria piorou de vez. “Como muitos maçons presos eram judeus ou opositorespolíticos, não se sabe quantos foram enviados aos campos de concentração apenas por pertencerem à maçonaria”, explica o Museu do Holocausto de Washington em sua página na internet. “O número de vítimas pode ter
chegado a dezenas de milhares.”

Para saber mais sobre o tema, ouça agora o podcast abaixo 'Desventuras na História', apresentado pelo professor de História Vítor Soares, idealizador do podcast 'História Em Meia'.