A construção da ferrovia Madeira-Mamoré tinha tudo para dar errado. E deu
Uma estrada de ferro de 366 km no meio da Floresta Amazônica, passando sobre rios que triplicam de volume na época da chuva (o que pode durar quase metade do ano) e ligando coisa nenhuma a lugar algum parece uma péssima ideia.
Se seria ruim hoje, imagine há 100 anos. Parte do acordo que colocou fim às hostilidades entre Brasil e Bolívia pela posse do Acre, caiu em desgraça.
Sem saída
Desde que perdeu sua faixa litorânea no Pacífico para o Chile, durante a Guerra do Guano, em 1883, a Bolívia ficou sem saída para o mar, fundamental para uma economia
baseada na exportação.
Por isso, os bolivianos optaram trocar o Acre por uma ferrovia que fosse da fronteira com o Brasil ao rio Mamoré. Daí, de barco pelos rios Madeira e Amazonas, os produtos bolivianos chegariam ao Atlântico.
Em maio de 1905, o governo brasileiro abriu concorrência para a obra. Tomando por base o custo das ferrovias construídas em Minas, São Paulo e Rio, não conseguiu muitos pretendentes: apenas dois.
Venceu Joaquim Catrambi, testa de ferro de um poderoso empresário americano, Percival Farquhar, que achou que poderia ganhar dinheiro explorando as riquezas naturais da região.
Insalubridade
Pelo contrato, madeira e outras coisas retiradas da floresta seriam de quem achasse. A obra começou em 1907. Em plena estação das chuvas, 14 sujeitos abriram a mata e construíram casas para trabalhadores, oficinas e escritórios que, mais tarde, viraria a cidade de Porto Velho.
Os empreiteiros americanos descobriram logo que o ambiente insalubre e as doenças tropicais incapacitavam os trabalhadores num ritmo mais rápido do que eles podiam avançar com os trilhos.
Criaram então um processo de rodízio, no qual cerca de 500 novos empregados chegavam todos os meses para substituir os doentes. Cerca de 22 mil operários chegaram e se foram.
Segundo registros do Hospital da Candelária, criado para tratar os funcionários da ferrovia, 1.593 pessoas morreram lá dentro. Somados aos que nem chegaram ao hospital, estima-se que mais de 2 mil nunca voltaram para casa.
Em desgraça
Seis anos e milhares de dólares depois, a obra ficou pronta. No mesmo ano de 1913 a exportação de borracha da Ásia superou a da Amazônia e o preço do produto despencou.
Com o tempo, a tão desejada saída para o mar passou a ser cada vez menos frequentada e ficou praticamente abandonada por quase 20 anos, até que, em 1966, foi oficialmente dasativada.
“Impossível dizer quanto custou a ferrovia aos cofres públicos e quanto foi transportado nos seus anos de existência porque o Exército incinerou os documentos oficiais sobre ela”, disse Márcio de Souza, que procurou os arquivos da empresa para escrever o livro Mad Maria.
Parte dos equipamentos foi vendida ou jogada no Rio Madeira.