Uma lenda popular conta que a imperatriz estava grávida quando um aborto — fruto da violência do monarca — teria ocorrido. Mas, não foi exatamente isso que aconteceu
Dom Pedro I abertamente traía Dona Leopoldina com Domitila de Castro. Teve filhos com a amante e os assumiu publicamente. A imperatriz, por sua vez, se queixava contra o imperador em cartas que redigia à irmã, Maria Luiza da Áustria. Em uma delas, diz até que o marido tinha um "caráter extremamente exaltado".
Uma lenda popular diz também que Leopoldina teria sido chutada pelo monarca, ainda grávida, sendo empurrada escada abaixo. Há quem diga ainda que a morte da austríaca foi resultado dessa agressão de Dom Pedro I. Mas, será que isso realmente ocorreu?
A explicação para isso estava em São Paulo, na Cripta Imperial, do Ipiranga, onde jazem os restos mortais da imperatriz. A pesquisadora Valdirene Ambiel, em parceria com vários especialistas e instituições, foi quem estudou os despojos de Leopoldina, assim como os de Dom Pedro I, e a segunda esposa dele, Dona Amélia.
O estudo fez parte da dissertação de mestrado da pesquisadora, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP), e pode ser acessado aqui.
Entre muitas revelações surpreendentes, a pesquisa mostrou que Leopoldina não foi empurrada da escada. Nem tampouco morreu do resultado desse suposto episódio de brutalidade. Na realidade, o óbito dela foi causado pela evolução de um quadro infeccioso: não havia indício de fratura ou "trauma muito violento".
Curiosamente, o estudo comenta também que um procedimento obstétrico realizado pelo Circurgião-Mor do Império pode ter piorado a saúde da soberana, levando à uma possível infecção uterina ou puerperal.
Isso porque, na época, a higiene na obstetrícia ainda não havia sido estabelecida ou transformada pelo médico húngaro Ignaz Semmelweis — aquele que defendia o hábito de lavar as mãos, mas acabou sendo perseguido e internado em um manicômio.
Como fruto da colaboração do médico legista Luiz Roberto Fontes, a pesquisa incluiu o estudo de boletins médicos dos Arquivos do Museu Imperial, em Petrópolis; como também um artigo do médico Dr. Odorino Breda Filho, de 1972, da revista do Instituto Histórico Geográfico de São Paulo.
Filho, por sua vez, apurou que a imperatriz sofria de "dores de cadeiras" e "evacuações mucosa-sanguinea pela via anterior". Ou seja, podemos dizer que Leopoldina sofreu bastante nos seus últimos momentos. Tais sintomas eram os de um quadro de ameaça de aborto. Esse que, de fato ocorreu — porém de causas espontâneas.
Até porque as datas não batem para que o incidente fosse fruto de violência de Dom Pedro I. Segundo Ambiel, o aborto ocorreu em 2 de dezembro de 1826; alguns dias antes, porém, o monarca havia saído do Rio de Janeiro, com destino a Cisplatina, no Uruguai, em 23 de novembro de 1826. Ou seja, a perda do bebê ocorreu na ausência de Dom Pedro.
Além disso, Leopoldina estava no terceiro mês de gravidez. Nesse caso, segundo a pesquisa, se um empurrão tivesse realmente causado a perda do bebê, o golpe teria que ter sido aplicado com uma força muito violenta, que resultaria em trauma e até em hemorragia. Então, a imperatriz podia teria morrido até em uma questão de horas — o que de fato não aconteceu.
Desmistificando ainda mais a lenda do empurrão, em entrevista à Aventuras na História, a arqueóloga Valdirene Ambiel explicou que, no caso de agressão, a morte do neném também teria que ter ocorrido antes. "Se houvesse um ato de violência praticado por D. Pedro, o óbito do feto seria anterior ao abortamento", explicou.
Entretanto, ela abre um porém. O que foi estudado foi o episódio do empurrão: portanto, isso não descarta a possibilidade da dama ter sido maltratada pelo cônjuge em outros acontecimentos.
Como sempre falo, não posso afirmar que D. Pedro nunca praticou violência física contra a esposa, mas podemos dizer que esta violência não causou a morte de D. Leopoldina", ponderou a arqueóloga.