Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História

Colombo pré-colombiano

Conheça a enigmática e turbulenta vida do navegador genovês Cristóvão Colombo muito antes de ele ir para a Espanha e se tornar o descobridor da América

Renato Modernell Publicado em 01/10/2006, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

Todos conhecem o Cristóvão Colombo descobridor da América: o genovês heróico e destemido que descobriu o “novo mundo” em 1492 ao ousar chegar às Índias pelo rumo do pôr-do-sol, enfrentando as ondas do Atlântico, conhecido então como mar Tenebroso.

Mas há outra face da vida de Colombo mais enigmática, que pode ser chamada de “pré-colombiana”: a do mercador errante que negociava especiarias e escravos antes de entrar no rol dos grandes navegadores da história.

E, segundo os pesquisadores, é bem provável que Colombo terminasse a sua vida como um simples comerciante, não fosse um ataque marítimo. Tudo aconteceu em 1476, quando ele tinha 24 anos e viajava a Lisboa para negociar vinho e lã como agente do comerciante genovês Ludovico Centurione. A flotilha onde ele estava navegava pelo estreito de Gibraltar quando foi atacada pelo corsário gascão Guillaume de Casanove, conhecido por Coullon (a semelhança com o nome Colón, versão espanhola do nome de Colombo, fez com que alguns pesquisadores aventassem a hipótese de que o próprio navegador tenha se envolvido com pirataria).

Após ter o navio incendiado, Colombo escapou a nado e conseguiu chegar à cidade de Lagos, no Algarve, sul de Portugal. Ele permaneceria no país de 1476 a 1485, do fim do reinado de Afonso V ao início do de dom João II – ou seja, dos 25 aos 33 anos. Foi assim, como náufrago, que Colombo chegou à nação que detinha, desde os tempos do infante dom Henrique, príncipe morto em 1460, a elite dos navegadores ocidentais. Afinal, os pilotos portugueses eram formados na Escola de Sagres, uma espécie de Nasa da marinha do século 15.

Acolhido num mosteiro de Lagos, Colombo depois se transferiu para Lisboa, provavelmente atraído pela famosa escola naval – onde não conseguiria entrar. Na capital portuguesa também vivia seu irmão mais jovem, Bartolomeo, que era cartógrafo. Cristóvão Colombo acabou por se envolver com a produção de mapas e cartas de navegação, em paralelo ao seu trabalho como agente comercial.

Nessa fase “portuguesa” de Colombo, é difícil saber com certeza os caminhos trilhados pelo navegador. Alguns historiadores dizem que ele morou o tempo inteiro em Lisboa, fazendo da cidade a base de suas viagens. Outros, entretanto, asseguram que ele transferiu-se para a ilha de Porto Santo, no arquipélago da Madeira, 1370 quilômetros a sudoeste de Portugal. No local viviam numerosos genoveses que negociavam açúcar – e lá Colombo ficou por vários anos. Mas não há dúvida de que ele, ao menos, era familiarizado com essas ilhas espalhadas no mar aberto.

A hipótese de Colombo ter vivido em Porto Santo (que hoje reivindica essa honra) apóia-se no fato de que, em fins de 1479, ele se casou com Filipa Moniz Perestrelo. Essa moça era filha do já então falecido donatário da ilha, o italiano Bartolomeo Perestrelo, e de sua nobre mas decadente viúva Isabel, herdeira das possessões. O sogro, que havia convivido com lendários navegadores e com o infante Henrique (patrocinador de várias viagens marítimas), deixara à mulher uma coleção de livros, mapas e documentos da Escola de Sagres. Esse precioso material, dado a Colombo pela sogra, foi o fundamento da formação náutica e cosmográfica do genovês. Nesse momento, o comerciante começava a se tornar um capitão.

Entre esses documentos, supõe-se, haveria uma peça essencial: a carta confidencial de Paolo Dal Pozzo Toscanelli à corte portuguesa. Ali, o geógrafo florentino assegurava ser possível chegar a Cipango (Japão) e Catai (China) na contramão de Marco Polo, isto é, navegando para oeste, tendo as Antilhas como apoio no meio do caminho. Era um texto com enorme carga de convicção. Toscanelli era como um Colombo terrestre. Nunca saíra de Florença e falava do mundo com a naturalidade de quem fala sobre uma laranja na palma da mão. Dava até as medidas das distâncias no mar. Ora, isso era tudo o que Colombo queria: um sábio a seu lado, avalizando seus sonhos.

No período em que morou em Portugal, Colombo teve oportunidade de aprimorar seus conhecimentos práticos de navegação. E o fez diretamente no oceano Atlântico, ambiente mais complexo e perigoso que o já bem conhecido mar Mediterrâneo. Como agente comercial, esteve nos lugares de onde os portugueses traziam escravos – os guanchos de cabelos vermelhos, das Ilhas Canárias, e os negros africanos da Guiné e da Mina, já próximas da chamada Zona Tórrida. Ele foi também à Zona Frígida, ao norte da Europa, onde estavam os países produtores de estanho e âmbar. Na baía de Galway, na Irlanda, ficou sabendo de canoas surgidas no porto, vindas do oeste, trazendo cadáveres de um casal com feições estranhas. Na Groenlândia, ouviu de um homem chamado Gelik, sobrinho-neto de um chefe viking, o relato de uma viagem marítima a uma terra distante feita por esse seu ancestral.

Outros indícios da possível existência de terras desconhecidas, para o lado do poente, chegaram a Colombo em suas andanças pelas ilhas portuguesas, que marcavam os confins do mundo conhecido. No Funchal, capital da Madeira, tomou contato com náufragos que lhe confiaram documentos e cartas náuticas. Falavam também de manchas que surgiam no horizonte ao amanhecer e ao anoitecer, e que podiam ser ilhas. Do piloto português Martim Vicente, soube de peças de madeira esculpidas pela mão humana, recolhidas no mar a 2250 quilômetros do Cabo de São Vicente.

Na ilha de Faial, nos Açores, Colombo ouviu falar de plantas, canas e troncos pertencentes a espécies vegetais desconhecidas na Europa, trazidos pelas correntezas marítimas. E na ilha do Corvo, no mesmo arquipélago, ouviu relatos sobre a existência de uma estátua – ou talvez de um promontório – cuja forma sugeria a figura de um homem que aponta para o lado oposto ao das Colunas de Hércules, os rochedos que constituem o portal do Mediterrâneo. Isso tudo hoje nos parece fantasioso, claro. Mas no fim do século 15 esses relatos eram tão comuns quanto as narrativas da existência de seres alienígenas durante a corrida espacial no século 20. A própria narrativa do veneziano Marco Polo, o mais confiável guia de viagem do tempo de Colombo, falava em cidades espetaculares e objetos voadores.

É difícil separar fantasias e fatos nesses misteriosos oito ou nove anos passados por Colombo em Portugal. No entanto, tudo indica que as circunstâncias conspiravam para que ele mantivesse os olhos fixos na rota do poente. Ele e muitos outros. Lisboa era, afinal, o ponto de encontro de navegadores, cosmógrafos, exploradores e de toda uma comunidade mercantil interessada na exploração ultramarina.

Dois homens que Colombo deve ter conhecido pessoalmente foram fundamentais para consolidar suas convicções. Um deles foi o já citado Toscanelli. O outro foi o famoso cosmógrafo Martin Behaim, autor de um dos primeiros globos terrestres de que se tem notícia, ao qual chamou de “maçã do mundo” (erdapfel), e cujo original está até hoje no Museu Nacional de Nuremberg, na Alemanha. Também conhecido como “Martin da Boêmia”, Behaim viveu vários anos em Portugal e destacou-se na comissão encarregada pelo rei de aperfeiçoar o astrolábio.

Quando dom João II subiu ao trono, em 1481, Colombo teve a impressão de que, afinal, poderia convencê-lo a financiar sua viagem. O chamado “Príncipe Perfeito” mostrava-se determinado a dar aos empreendimentos marítimos portugueses a mesma relevância da época de seu tio, o infante Henrique. Era de vital importância encontrar um caminho marítimo para a terra das especiarias. A questão era saber se o novo monarca iria investir suas fichas na rota pelo sul da África, turbulenta mas confirmada, ou em um possível caminho pelo oeste, cuja extensão era um ponto de interrogação. Isso para não falar nas crendices de que os navios podiam despencar num abismo, ser destroçados por monstros marinhos ou envolvidos por gigantescas algas.

O obstinado Colombo, é claro, defendia com unhas e dentes a rota pelo oeste. Como era um joão-ninguém aos olhos da corte portuguesa, Colombo teve que defender sua tese usando o argumento de Toscanelli e de estudiosos de outras épocas. Citava, por exemplo, o filósofo francês Pierre d’Ailly, que em sua obra Imago Mundi afirmava o seguinte: “Segundo Aristóteles, o fim das terras habitadas para o leste e o fim das terras habitadas para o oeste são muito próximos e entre eles há um pequeno mar, navegável em poucos dias”. Colombo fazia seus próprios cálculos, apoiado em manuscritos árabes, para tentar convencer os portugueses. Mas cometeu pelo menos dois erros.

O primeiro foi de interpretação: tomou a milha árabe como equivalente à italiana, quando na verdade era menor. Feitas as contas, isso tornava o mundo menor do que de fato é – e sua viagem às Índias aparentemente mais fácil.

O outro erro foi político. Sendo um sonhador, Colombo era ingênuo demais para se preocupar com as querelas do jogo de poder da corte portuguesa. Enquanto isso, capitães concorrentes atuavam junto à corte para levar avante o projeto de circunavegação da África, cuja costa ocidental vinha sendo mapeada havia décadas.

O rei oscilava. Tudo indica que chegou a ordenar uma expedição exploratória no Atlântico que voltou sem encontrar nada. Foi um balde de água fria nos planos de Colombo. A partir daí, dom João II não botaria mais fé naquele genovês com fama de arrogante que se julgava dono dos ventos e dos mares e que lhe acenava com as riquezas que seria capaz de trazer das Índias.

Em 1484, após ser recebido pelo rei ao voltar de Lisboa para a Madeira, Colombo sofreu um duro golpe. Sua mulher, Filipa, havia morrido. Depois de um casamento que durara menos de seis anos, ele se encontrava só, num país estrangeiro, com o encargo de criar o filho Diogo, de 5 anos. Viúvo, afastou-se da família Perestrelo, que lhe permitira certa ascensão social. Sem perspectivas de levar adiante seu projeto, resolveu abandonar Portugal. Pouco depois de passar a fronteira espanhola, entregou o menino aos cuidados de frades franciscanos do Mosteiro de La Rabida e tomou o rumo de Sevilha, na época a maior cidade da Espanha, com cerca de 120 mil habitantes, o dobro de Lisboa.

Mesmo depois de radicado na Espanha, Colombo ainda voltou a Portugal em 1488 para tentar, uma vez mais, convencer o rei a apoiar seu projeto de chegar às Índias pela rota oeste. O momento não podia ser menos favorável. Bartolomeu Dias acabava de voltar do sul da África. Os portugueses o glorificavam pela façanha de ter conseguido passar das águas do Atlântico para as do Índico ao dobrar o cabo das Tormentas, que dom João II rebatizaria como cabo da Boa Esperança. Era o fim das esperanças de Colombo em Portugal.

Na Espanha, o navegador encontrou finalmente um ambiente favorável aos seus projetos. Após pelo menos duas rejeições, os reis católicos Fernando e Isabel deram o aval para a viagem. É que, além das vantagens comerciais, a conquista de novas terras era crucial para que a Espanha consolidasse seu poder na Europa.

E foi o que de fato ocorreu após o dia 3 de agosto de 1492, quando Colombo partiu do porto de Palos para mudar o mapa do mundo.

O ovo que não é de Colombo

Quem o pôs em pé foi o florentino Filippo Brunelleschi

A expressão “ovo de Colombo” indica algo que parece fácil depois de feito. Está associada a Colombo, em uma suposta explicação do seu projeto de chegar às Índias. Na realidade, o episódio tem como protagonista o arquiteto florentino Filippo Brunelleschi (1377-1446), autor da cúpula da catedral de Florença. Ele achatou o canto de um ovo e o colocou de pé para explicar como faria a cúpula, inspirada no Panteão romano. “Isso aí, qualquer um faz”, irritou-se um de seus concorrentes na licitação. “Mostre-nos o projeto.” Brunelleschi retrucou: “Se eu mostrar, aí sim é que qualquer um faz”.

A era de ouro das caravelas

Potentes e maleáveis, elas revolucionaram a navegação mundial

Na época em que Colombo viveu em Portugal, as caravelas atingiram um alto grau de excelência. Já existiam havia algumas décadas, porém em versões bem mais simples, usadas para pesca ao longo da costa. Com dom João II – que já administrava a política naval no reinado de Afonso V, antes de ele próprio assumir o trono –, esse modelo de navio foi adaptado para viagens de exploração. Sua artilharia potente e bem distribuída e sua grande velocidade fizeram dela uma excelente máquina de combate. Podia levar vantagem até sobre naus bem maiores. Mais estável que os outros navios, a caravela tinha também um casco estreito e fundo, com um depósito de mantimentos sob o convés. No castelo de popa, localizado na parte traseira elevada, ficavam os aposentos do capitão e do escrivão. Os outros tripulantes dormiam ao relento, estendidos no convés, e só podiam se proteger da chuva com panos impregnados de óleo. O número de homens a bordo variava de 25 a 100, dependendo da capacidade do barco, que ia de 30 a 160 toneladas. Resistente, rápida, maleável, a caravela podia avançar com qualquer tipo de vento, mesmo contrário. O uso de velas latinas, triangulares, permitia navegar à bolina em mar aberto, isto é, em ziguezague na direção pretendida. Superava em muito a tradicional barca, que se valia de velas quadrangulares. A construção das caravelas era feita na Ribeira das Naus, à beira do rio Tejo, em Lisboa. Madeiras como pinho, carvalho, castanheiro e sobreiro eram usadas na confecção do casco, e as velas eram de linho ou de lona. No mar, os barcos ostentavam a grande cruz vermelha da Ordem de Cristo, sucessora dos templários em Portugal.

O Código Colombo

Mistérios e curiosidades sobre a vida do navegador genovês

Perfume, mulheres e comida

Entre todas as polêmicas e imprecisões que envolvem a figura de Colombo, pelo menos em um ponto seus biógrafos parecem concordar: ele era extremamente preocupado com a aparência física. Com seu porte alto, robusto e de pele rosada, o navegador tinha fama de cativar as mulheres. Colombo não dispensava perfumes e gostava de vestir roupas com cheiro de rosas ou cassis. Para cuidar do corpo, alimentava-se à base de frutas e legumes e tinha o hábito de beber água com açúcar e flor de laranjeira.

Assinatura misteriosa

Ninguém foi tão extravagante ao assinar o próprio nome quanto Cristóvão Colombo. Durante séculos, pesquisadores tentaram decifrar o significado das letras abaixo.

Em 1867, o historiador francês Pierre Margry interpretou a assinatura como iniciais das palavras latinas Supplex Servus Altissimi Servatoris Christus Maria Joseph Christoferens, que o identificariam como “devoto e portador de Cristo”. Mais tarde, pesquisadores defenderam algo mais simples: “Subscreveu-o o Almirante Cristóvão Colombo”.

De traficante a pirata

Como a maioria das pessoas que trabalhavam no comércio marítimo do seu tempo, é provável que Cristóvão Colombo tenha se envolvido com o tráfico de escravos. Segundo alguns pesquisadores, ele próprio teria sido traficante na Guiné, de onde partiam cativos para Portugal. Outros estudiosos aventam a hipótese de ele ter se envolvido até mesmo com pirataria durante a juventude. Segundo os defensores dessa tese, seu nome seria oriundo de um famoso pirata da época conhecido como “Colombo, o Velho”.

A marca do navegador: iniciais da assinatura ainda intrigam pesquisadores

Saiba mais

Livro

Retrato Histórico de Cristóvão Colombo, Marianne Mahn-Lot, Jorge Zahar Editora, 1992

Mais que um tratado sobre as viagens de Colombo, o livro traz um perfil psicológico do navegador genovês tratando de seus valores e ambições pessoais.