Pela primeira vez, o governo belga declara mea culpa pelo sequestro de milhares de crianças africanas durante regime colonial
André Nogueira Publicado em 04/04/2019, às 09h20
No dia de hoje foi lançado um pronunciamento direto de Bruxelas em referência a um pedido de desculpas internacional dirigido ao Congo, Burundi e Ruanda, antigas colônias do pequeno país europeu, por todo o passado colonial no que se refere aos sequestros, estupros, métodos de segregação e deportação de milhares de crianças que passaram pelo processo de adoção coercitiva.
A iniciativa provem de uma associação de autores, historiadores e ativistas políticos para a criação de uma resolução parlamentar que incita o Estado Belga a reconhecer e se desculpar pelos erros cometidos na África, assumindo também a responsabilidade da cumplicidade da Igreja Católica.
O fenômeno ocorria com filhos de casais inter-raciais nascidos nas colônias, dentro do compromisso europeu de "melhoramento racial" e "europeização" de grupos internos ao território colonial no XIX. Isso porque os filhos mestiços eram considerados pelo governo colonial uma ameaça a seu empreendimento de ocupação militar e empresarial e, portanto, à seu lucro, a dominação racial e ao prestígio internacional das potências.
A colonização belga foi uma das mais violentas do continente africano. O Congo, por exemplo, antes de ser uma colônia de Bruxelas propriamente dito, foi propriedade direta do rei Leopoldo II, respondendo diretamente à sua vontade. Métodos de tortura sistemática, exploração do trabalho e dos corpos das populações nativas, mutilações, sequestros, execuções primárias e formas de escravidão eram comuns nessa colônia.
O pedido de desculpas belga é o primeiro na história do país. Antes, a Bélgica assumia uma clara posição de resistir aos indiciamentos dos historiadores em relação ao trágico legado socioeconômico deixado pelo país na África Central.
A resolução indica também a necessidade de abertura dos arquivos nacionais belgas sobre a colonização e administração, possibilitando que muitos filhos de congoleses e ruandeses acessem suas certidões de nascimento e se informem em relação a identidade e procedência de seus pais, favorecendo a reconstrução da memória familiar das crianças sequestradas.
A decisão vai de encontro com a iniciativa belga, em 2018, de reaver a narrativa e as relações do país com o Congo. Ano passado, a Bélgica oficialmente homenageou o antigo líder revolucionário, ativista e primeiro-ministro congolês Patrice Lumumba, mesmo governante do país africano que foi derrubado por um golpe militar fomentado pelo governo belga e que resultou no assassinato de Lumumba, em 1961.
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