Entre 11 e 20 de janeiro de 1985, a Cidade Maravilhosa tornou-se palco de um dos maiores festivais de música de todos os tempos: o Rock in Rio
Em janeiro de 1985, o Rio de Janeiro foi cenário um festival que entraria para a história como um dos maiores de todos os tempos: o Rock in Rio — que ocorreu entre os dias 11 e 20 de janeiro
Quando Matthias Jabs, guitarrista do Scorpions, soube que sua banda estava no line-up, decidiu surpreender Roberto Medina, idealizador do evento, com um presente inusitado. Ligou para a Gibson, em Nashville, e encomendou uma guitarra verde em formato do logotipo do festival, representando o mapa da América do Sul.
Mas o vocalista Klaus Meine queria mais. Na coletiva de imprensa, questionou os jornalistas sobre qual música poderia cantar em homenagem ao público brasileiro durante os shows dos dias 15 e 19 de janeiro. A escolhida foi a icônica marchinha de carnaval "Cidade Maravilhosa".
"Acredite em mim quando eu digo: aqueles dez dias foram inesquecíveis!", disse Meine, segundo matéria da BBC News Brasil. "Não é todo dia que dividimos o palco com AC/DC, Ozzy Osbourne e Whitesnake ou, então, que tocamos para uma multidão ensandecida de mais de 300 mil fãs! Foi simplesmente fantástico."
A montagem do line-up, entretanto, não foi fácil. Até então, o Brasil era um território pouco explorado por grandes turnês internacionais, com artistas relutantes devido a experiências prévias frustrantes.
"Em 1980, os instrumentos do Earth, Wind & Fire sumiram no porto do Rio", contou o jornalista Luiz Felipe Carneiro. Também o The Police, o Van Halen e o Kiss, que estiveram no país entre 1982 e 1983, não guardavam boas recordações.
Medina e sua equipe, Luiz Oscar Niemeyer e Oscar Ornstein, enfrentaram 70 recusas até consolidar as 16 atrações estrangeiras.
"Passamos um mês inteiro entre Nova Iorque, Los Angeles e Londres. Por vezes, pensamos em desistir, mas seguimos até o final", recorda Niemeyer. "No último dia, nos abraçamos, emocionados, no palco".
Em determinado momento, Medina teve a ideia de ligar para Lee Solters, o assessor de imprensa de Frank Sinatra, a quem conhecia desde 1980, quando o empresário levou o cantor ao Maracanã.
A única coisa que você tem que fazer é oferecer um coquetel para cerca de cinquenta pessoas", disse-lhe Solters, por telefone. "O resto pode deixar comigo".
O assessor de imprensa de Sinatra reuniu então alguns dos mais influentes críticos de música do planeta e, em questão de dias, o Rock in Rio virou notícia em jornais, como o The Guardian, e revistas, como a Billboard. Logo, Medina passou a ser procurado por agentes e empresários.
O primeiro a confirmar presença no festival foi Ozzy Osbourne, seguido do Queen, enquanto nomes como Men at Work e The Pretenders desistiram às vésperas, sendo substituídos por Rod Stewart e B-52's. Das atrações brasileiras, Rita Lee foi a primeira a aceitar.
Na opinião de Pepeu Gomes, guitarrista dos Novos Baianos, que se apresentou nos dias 11 e 19 de janeiro, algo parecido com Rock in Rio só aconteceu em Woodstock, festival nos EUA que reuniu, em 1969, lendas do rock como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Joe Cocker.
"O Rock in Rio mudou a minha vida e a minha carreira", afirma Pepeu. "Por recomendação do Erasmo, que estava assustado com a turma do heavy metal, mudei o repertório do show ainda no camarim. Dali por diante, ganhei confiança para fazer carreira internacional".
Além do aspecto musical, o festival foi profundamente impactado pelo contexto histórico. Em 15 de janeiro, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves presidente, marcando o fim da ditadura militar. O evento tornou-se palco de celebrações, com artistas como Cazuza e Eduardo Dussek usando suas performances para exaltar a democracia recém-restaurada.
Sem Tancredo, vale destacar, o Rock in Rio, nunca teria existido. Isto porque quatro meses antes da abertura dos portões, a construção da Cidade do Rock foi embargada pelo então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola. A questão só foi resolvida depois que Tancredo interveio a favor de Medina. "Ou você resolve isso hoje ou a sua briga será comigo", teria dito a Brizola.
Em questão de uma semana, a obra seria liberada. O presidente eleito, no entanto, não chegou a tomar posse do cargo, sendo internado na véspera da ocasião. Em 15 de março, seu vice, José Sarney, assumiu a presidência. No dia 21 de abril daquele ano, Tancredo morreu.
Como destacou a BBC, o Rock in Rio foi apenas o primeiro de muitos grandes festivais realizados no Brasil.
"Nunca tínhamos visto nada parecido", garante o jornalista Jamari França, que escreve sobre rock desde 1982. "O festival abriu as portas do Brasil para o mercado internacional. Artistas gringos que, até então não confiavam nos empresários brasileiros, começaram a incluir o país na rota de seus shows".
O também jornalista Ayrton Mugnaini Júnior, autor de Breve História do Rock Brasileiro, compartilha do mesmo pensamento. "Foi o primeiro grande festival de rock do Brasil a receber atenção da mídia. Seu elenco eclético atraiu os mais variados tipos de público, da jovem guarda ao heavy metal, com um pouco de MPB", declarou.
Quarenta anos depois, o Rock in Rio evoluiu, acumulando edições em cidades como Lisboa, Madri e Las Vegas. Mas, para muitos, a primeira edição continua insuperável. Com um único palco, um público recorde e apresentações inesquecíveis, ela simbolizou não apenas um avanço musical, mas também um marco político e social.
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