Conversamos com especialistas para entender o que pode estar por trás do piso com cores da bandeira nazista
No mês passado, um piso com uma pintura que remeteu visitantes do Parque da Redenção (Farroupilha), em Porto Alegre, a uma suástica nazista causou polêmica.
O professor universitário Felipe Kirst Adami foi responsável por publicar imagens da inscrição nas redes sociais, comparando-a com o símbolo usado pela Alemanha do ditador Adolf Hitler.
"Eu cheguei com a minha família, a gente subiu e foi ver o lago. Eu olhei para o piso, vi as linhas pretas e vermelhas. Quando me afastei um pouco, saltou aos meus olhos a suástica", escreveu Adami, que se perguntou se o que via estava em um parque da Alemanha nos anos 1930 ou na capital gaúcha no século 21.
De acordo com a prefeitura de Porto Alegre, “em documentos antigos, há registros da existência destes detalhes no piso já em 1943”.
No entanto, a nota divulgada, com base nos dados da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), informa ainda que os mesmos detalhes “fazem parte do projeto original” do parque, inaugurado em 1935.
O diretor do Departamento de Patrimônio e Memória da Secretaria Municipal da Cultura, Nelson Boeira, disse ao portal local Zero Hora que o caso requer estudos e ainda existem controvérsias. Por isso, uma investigação está em andamento e deve concluir se há ou não alusão nazista na imagem no parque.
“Ficou bem evidente que se trata de uma relação lógica e simbólica com a bandeira nazista pelos seguintes aspectos: pelas cores e pelas formas. Vemos o vermelho retangular, o branco, circular e o preto representando a suástica, que é 95% do emblema nazista, em forma dinâmica e estilizada”, explica Édison Hüttner, professor do Programa de Pós-Graduação em História (PUCRS) e pós-doutor em História pela PUCRS.
Para o pesquisador, que conversou com o site Aventuras na História, “a pintura é fruto de uma simbologia nazista praticada na época no Rio Grande do Sul”, pois esta era amplamente utilizada em locais como clubes, escolas e locais de recreação no geral, que transformaram a bandeira nazista em uma espécie de “figurinha”, vista por toda a região.
No próprio Parque da Redenção, por exemplo, foi hasteada uma bandeira com a suástica por ocasião da Grande Exposição Farroupilha, durante a inauguração do Parque Farroupilha, nome original do espaço, em 1935.
É possível que o projeto tenha sido feito no mesmo período e que a pintura remonte à essa data.
Como apontam tanto Hüttner quanto René Gertz, historiador especialista em nazismo no Brasil, autor de “O neonazismo no Rio Grande do Sul” (2012), se a pintura data do período entre 1934 e 1935, é possível que ela tenha tido inspirações nazistas quando foi reproduzida no piso do parque.
“Em 1935, há alguma possibilidade ou haveria, em tese, possibilidade de uma influência, porque o nazismo estava em evidência. O Brasil estava numa relação ótima com a Alemanha por razões econômicas, o prefeito da cidade, Alberto Bins, costumava dizer que Hitler estava fazendo um bom governo na Alemanha, e, ainda, o governador Flores da Cunha era bastante amigo do consulado alemão em Porto Alegre”, diz Gertz à Aventuras na História.
“Só que daí fica em primeiro lugar a pergunta: por que não é explícito? Porque aquilo não é uma suástica explícita. Poderia ser uma alegoria, mas porque fazer uma alegoria já que no parque havia, por exemplo, a bandeira nazista hasteada naquele mesmo período?”, questiona.
O pesquisador ressalta que mesmo a presença da bandeira no parque pode ser relativizada. Segundo ele, "em 1935, havia bandeiras de muitos países no parque e, entre elas, a bandeira da Alemanha, que, naquele momento, era a nazista". Como um país de partido único naquele período, a bandeira do Partido Nazista era a bandeira da própria Alemanha.
Dentre as hipóteses, ainda é possível que a pintura tenha sido feita a partir de 1943, data indicada pelos documentos consultados pelas autoridades gaúchas, que divulgaram a nota durante a polêmica. O especialista descarta inspirações na Alemanha nazista se esse for o caso.
“Se o piso foi construído em 1943 é absolutamente improvável que tenha conotação nazista, porque justamente foram os anos 1942 e 1943 em que o governo do Rio Grande do Sul começa a rebentar com tudo que denotava a Alemanha nazista e qualquer coisa do tipo. O Brasil entrou em guerra com a Alemanha naquele período”, explica.
Se os detalhes do piso realmente fizessem alusão a elementos nazistas, provavelmente teriam sido retirados pelo governo ou seriam depredados pela população, que chegou a arrancar placas de rua só por terem nomes alemães ou até mesmo pelo nome da capital, Berlim.
Segundo a prefeitura de Porto Alegre, a última reforma feita no parque, que é tombado como patrimônio histórico, cultural, natural e paisagístico da capital desde 1997, fez com que o piso colorido se “destacasse”. A mais recente restauração foi feita em fevereiro de 2020.
“Pode ser que eles tenham tirado, agora, o que tinha por cima e, limpando o piso, apareceu o desenho. Então alguém pode ter feito uma pintura antes, em um processo de tentar esconder essa imagem. Teria que ver se alguém fez uma reforma no parque antes dessa de 2020 e pintou esse piso”, sugere Hüttner.
Com a repercussão da suposta suástica no parque, a pintura acabou sendo vandalizada, com parte do piso sendo coberta por pichações de tintas de cor verde e branca no final do mês de outubro. Para Gertz, a ação consiste em uma enorme “irracionalidade e insensatez” ao depredar um patrimônio público simplesmente “porque alguém disse que aquilo é nazismo”.
“Eu acho que soma negativamente, até porque está em discussão ainda”, afirma Hüttner. “Por outro lado, — não estou dizendo que é positivo —, mas é um sinal de que existe a vontade de fazer uma intervenção. Eu acredito que a pichação talvez seja uma manifestação de tudo isso que está acontecendo”, completa.
Perguntados se as semelhanças apontadas pelo público do piso com a bandeira nazista e a polêmica por si só poderiam ser motivos suficientes para a alteração ou remoção do piso, mesmo que se comprove que ele não tenha inspirações com a Alemanha de Hitler, os dois especialistas têm opiniões diferentes.
“Isso comprova que tem que ser alterado ou retirado. Eu não vejo nenhum problema em alterar ou retirar a pintura. É uma coisa que liga a algo negativamente, ainda mais no Parque Farroupilha. O símbolo falou por si próprio”, opina Hüttner. “Mas no meu ponto de vista, a prefeitura de Porto Alegre deveria se aproximar da comunidade israelita local formalmente em nível de estudos, porque envolve a sensibilidade de um povo”.
“A minha opinião é que se a gente fizesse isso, estaríamos incorrendo em um erro gravíssimo”, julga Gertz. “Se nós cedermos, daqui a pouco alguém vai sair na rua com blusa vermelha, saia preta e meias brancas e será vandalizado e atacado, em via pública porque algum intérprete disse que são as cores da suástica. Precisamos ter bom senso”.
A prefeitura e Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre foram procuradas para se posicionarem sobre o caso, mas não retornaram o contato até o fechamento desta reportagem.
“Eu espero que logo tudo isso se resolva, porque ficar assim como está vai somar negativamente para o município de Porto Alegre. Ficar parado e não deixar falar mais é uma solução impensável. Alguma coisa tem que ser feita”, finaliza Hüttner.