Em depoimento, a secretária conhecida como "Capitã Cloroquina" falou sobre o "tratamento precoce" contra a doença, a crise sanitária em Manaus e algumas atitudes do Ministério da Saúde
Desde o início da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, os senadores responsáveis pela investigação já escutaram dezenas de depoimentos e, na última terça-feira, 25, foi a vez da secretária do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro.
Mais conhecida como “Capitã Cloroquina” por seu constante apoio ao uso do fármaco no chamado “tratamento precoce” do Coronavírus, a secretária, que ainda é médica, fez diversas declarações polêmicas sobre os medicamentos e sobre sua própria pasta.
Muitos de suas afirmações, então, foram verificadas por agências especializadas em checagem de fatos. Durante a CPI, contudo, Mayra também contradisse o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, além de contrariar algumas de suas próprias atitudes.
Inicialmente, Mayra Pinheiro solicitou um habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que pudesse silenciar na comissão. Tal exigência foi questionada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), segundo a BBC.
Em resposta, a secretária afirmou que havia assistido a outros depoimentos e, frente às filmagens da CPI, sentiu que as outras testemunhas convocadas foram destratadas pelos senadores. Em seguida, Mayra discutiu com o senador Rogério Carvalho (PT-SE) — que teria sugerido que “todos” os depoentes foram treinados para mentir na CPI.
Em outro momento, a secretária foi questionada sobre sua alcunha como “Capitã Cloroquina” e, ainda em depoimento, Mayra demonstrou que sua frustração reside apenas no fato de que ela "não tem nenhum cargo ou patente militar".
Responsável pela secretaria do ministério durante grande parte do Governo Bolsonaro, Mayra afirmou que a pasta "nunca indicou tratamentos [com medicamentos como a cloroquina] para a Covid”. Segundo a verificação do Fato ou Fake, equipe de checagem de informações do G1, contudo, essa declaração não é verdadeira.
Isso porque, em nota oficial publicada no dia 20 de maio de 2020, o Ministério da Saúde publicou as “diretrizes para tratamento medicamentoso de pacientes” da doença, cujas “recomendações são para o tratamento precoce, com cloroquina e hidroxicloroquina, de pacientes com Covid-19, no Sistema Único de Saúde (SUS)”.
Nesse sentido, ainda durante a CPI, Mayra afirmou que o Ministério não "recomendou" os fármacos, mas apenas "orientou" seu uso. Em resposta, os senadores questionaram a diferença entre os termos usados pela secretária, que não explicou as classificações.
Em seguida, Mayra foi amplamente questionada sobre a crise sanitária em Manaus e sobre a falta de leitos e de oxigênio nos hospitais da região, já que foi escolhida para uma comitiva que visava investigar a situação da cidade, segundo narrou ela própria.
Foi nesse momento que a secretária contradisse as informações fornecidas por Pazuello durante a CPI. De acordo com a BBC, o ex-ministro afirmou, em seu depoimento, que descobriu sobre a falta de oxigênio no dia 10 de janeiro, enquanto Mayra declarou que a informação foi dada pela empresa White Martins, responsável pelos insumos, no dia 08.
Logo depois de retornar de Manaus, inclusive, Mayra anunciou o lançamento do aplicativo TrateCov, que também foi um assunto explorado na CPI — já que a plataforma trazia o “tratamento precoce” como uma opção na luta contra a Covid-19.
Sempre afirmando que já existem dados que comprovam a eficácia da Cloroquina, o que foi desmentido por agências de checagem de fatos e pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a secretária chegou a afirmar que o TrateCov “não foi colocado no ar”.
Acontece que, segundo a verificação do Fato ou Fake, do G1, o aplicativo não foi apenas divulgado nas redes sociais do Ministério da Saúde, como ainda teve seu lançamento noticiado na TV Brasil. Ainda mais, ao menos 342 profissionais da saúde foram habilitados para usar a plataforma, de acordo com dados do próprio ministério.
Durante seu depoimento, Mayra ainda afirmou que “foi feita uma extração indevida [de dados do TrateCOV] na madrugada do dia 20 por um jornalista”. O problema é que, segundo o G1, isso nunca aconteceu, já que o aplicativo nunca foi invadido, além de que todas as informações sobre a plataforma estavam disponíveis, bastava inspecionar sua página — um recurso oferecido abertamente por navegadores como o Chrome.
Por fim, Mayra ainda questionou o trabalho da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em seu depoimento aos senadores, a secretária do Ministério da Saúde afirmou que “ao longo da sua existência, a OMS já fez recomendações que são condenáveis”.
Nesse sentido, ela pontuou a suposta ocasião em que a entidade internacional recomendou “que mulheres portadoras de HIV amamentem seus filhos, sabendo do risco de transmissão”. Segundo o G1, contudo, a situação “não é bem assim”.
Em 2010, de fato, a OMS sugeriu que, frente a situações de risco, como de extrema fome ou pobreza, mulheres portadoras de HIV alimentem as crianças, mas sempre fazendo uso de medicamentos antirretrovirais para prevenir a transmissão do vírus.
Em seu depoimento, todavia, Mayra deixou de comentar que as recomendações da OMS foram alteradas com o tempo e, em 2016, a organização indicou uma série de cuidados que as entidades dos países deveriam tomar caso decidissem seguir a recomendação — que o Ministério da Saúde brasileiro, por exemplo, nunca adotou.
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