Uma das mais importantes músicas da MPB, ela contou com a interpretação de Elis Regina e composição de João Bosco e Aldir Blanc
Uma morte que aconteceu na Suíça causou um rebuliço dentro de um homem que estava em Minas Gerais em 25 de dezembro de 1977. O falecido era ninguém mais ninguém menos que a lenda do cinema Charlie Chaplin e, no Brasil, o cantor e compositor João Bosco foi quem sentiu o impacto do óbito de um dos artistas mais importantes da história.
Entre o Natal e o Ano Novo, com a cabeça já no Carnaval, João queria criar uma música que prestasse homenagem ao cineasta que tinha falecido aos 88 anos de idade. Como conta reportagem do O Globo, seus rascunhos contavam principalmente com referências a Carlitos, a conhecida figura interpretada por Chaplin.
No começo, a canção tinha como intuito homenagear o ídolo de João Bosco, o que está expresso no verso “E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos”. Mas ela não ficou restrita a isso: quando o compositor Aldir Blanc foi convocado para fazer parte do projeto, a música acabou trilhando novos caminhos.
“O João me chamou na casa dele e disse que havia feito um samba, cuja harmonia tinha passagens melódicas parecidas com ‘Smile’ [trilha sonora do filme 'Tempos modernos'], propositalmente construídas para que homenageássemos o cineasta”, disse Blanc à Associação Brasileira de Imprensa (ABI), tempos depois, conforme repercutido pelo O Globo.
No entanto, a ideia original acabou mudando: "Só que, casualmente, encontrei o Henfil [cartunista] e o Chico Mário [violonista e compositor], que só falavam do mano que estava no exílio. Cheguei em casa, liguei para o João e sugeri que criássemos um personagem chapliniano, que, no fundo, deplorasse a condição dos exilados. Não era a ideia original, mas ele não criou caso e disse: 'Manda bala, o problema é seu’”.
Além da referência a Charlie Chaplin, a música também narra — sutilmente, afinal, ainda estávamos em uma ditadura — alguns episódios que aconteceram no Brasil na época. A primeira linha, "Caía a tarde feito um viaduto”, já é uma alusão ao Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, que caiu em 1971.
“Meu Brasil / Que sonha com a volta do irmão do Henfil / Com tanta gente que partiu” é uma poesia que relata as pessoas que foram exiladas durante o período conturbado do país. O “irmão do Henfil” é o “mano” mencionado por Blanc na entrevista: o sociólogo Herbert José de Sousa, irmão do cartunista Henfil, que passou anos em exílio.
Outra referência marcante à ditadura militar é o trecho “Chora / A nossa Pátria mãe gentil / Choram Marias e Clarisses / No solo do Brasil”. São mencionadas Maria, esposa do operário Manoel Fiel Filho e Clarisse Herzog, viúva do jornalista Vladimir Herzog.
Não foi à toa que a música se tornou o “hino da Anistia”, como ficou popularmente conhecido, além de um clássico da MPB. “Liguei para Betinho [Herbert José de Sousa] e disse: agora temos um hino, e quem tem um hino faz uma revolução”, disse Henfil por telefone ao irmão, como repercutiu o portal da EBC (Empresa Brasil de Comunicação).
A escolhida para cantar a importante canção foi Elis Regina, que conquistava cada vez mais o Brasil com seu talento incontestável e lançou a música no EP “Essa mulher”, de 1979. “O bêbado e a equilibrista” foi tocada em inúmeras recepções de aeroportos, na espera de pessoas que estavam em exílio.
Ainda segundo a EBC, Henfil disse: “Todas as pessoas levaram um gravador com a fita da música. Era uma tocação de ‘O bêbado e a equilibrista’. Até os policiais ficaram tocados. No mesmo dia levei meu irmão ao Anhembi para o show da Elis”.
A cantora também já sabia da importância da canção. “De repente pode ser um empurrãozinho a mais na questão. A gente não pode perder as chances, as brechas têm de ser ocupadas”, afirmou em entrevista à Rádio Nacional do Rio de Janeiro naquele ano. “Grande parcela da população anseia encontrar um Carlitos desses e sonha não ver mais nem Marias nem Clarices chorando”, concluiu.
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