O historiador grego estava certo — e estudiosos só chegaram a essa conclusão em 2019
Um estranho barco egípcio é descrito pelo historiador gregoHeródoto em 23 versos de sua grande coletânea de obras nomeada “Histórias”. O longo texto narra a construção de um “baris”, um navio à vela que o estudioso nunca tinha visto antes, mesmo que tenha feito uma série de viagens ao redor do mundo.
A descrição data do século 5 a.C., mas, desde então, pesquisadores vêm questionando o relato de Heródoto porque nada parecido com o navio que tanto o intrigou foi encontrado no Egito.
Como ressalta o jornal The Guardian, não existiam evidências arqueológicas de embarcações daquele tipo, colocando a descrição do historiador em xeque.
As dúvidas permaneceram por 2.469 anos. Mas, em março de 2019, o mundo se surpreendeu com a descoberta do primeiro barris identificado na história.
O naufrágio do barco descrito pelo grego estava no fundo do Nilo, revelado durante escavações na cidade submersa de Thonis-Heracleion, a cerca de 30 km de Alexandria, no Egito.
“Não foi até que descobrimos este naufrágio que percebemos que Heródoto estava certo”, confessou Damian Robinson, da Universidade de Oxford. “O que Heródoto descreveu era o que estávamos olhando.”
Os arqueólogos encontraram o navio com 70% do casco conservado. O mais impressionante, porém, é que a embarcação era ainda maior do que a descrita pelo historiador grego nos 23 versos: o naufrágio sugere que o original tinha mais ou menos 28 metros de comprimento.
O casco tinha formato de meia-lua e pranchas grossas desenvolvidas por meio de “espigas”, que serviam para encaixar as peças para formar o grande navio. Esses detalhes foram importantes para que os pesquisadores pudessem comparar o texto de “Histórias” com as novas evidências arqueológicas encontradas.
“Heródoto descreve os barcos como tendo grandes ‘costelas’ internas. Ninguém sabia de fato o que aquilo significava”, disse Robinson. “Essa estrutura nunca havia sido vista em algum achado arqueológico antes. Então descobrimos essa forma de construção no tal barco, e era exatamente como Heródoto disse que era”.
Ele destaca ainda a formação do Navio 17, como foi nomeado: “Onde as pranchas são unidas para formar o casco, elas geralmente são unidas por encaixes e encaixes que prendem uma prancha à outra. Aqui temos uma forma de construção totalmente única, que não se encontra em mais lado nenhum”.
Talvez seja por isso que Heródoto tenha ficado tão impressionado com o estranho navio a velas, que teve sua construção minuciosamente narrada pelo historiador grego.
Os trabalhadores egípcios, segundo o sua descrição, “cortam tábuas de dois côvados [ equivalente a cerca de 100 centímetros] e as organizam como tijolos. Depois, inserem as tábuas em dois pedaços de madeira longos e resistentes, e colocam vigas sobre eles.”
Depois disso, como seguiu o estudioso em seu relato, “eles remendam o interior com papiros. Há um leme passando por um buraco na quilha [peça de madeira que se estende da popa à proa]. O mastro é de acácia, e as velas, de papiro.”.
A descrição de Heródoto é tão detalhada que os arqueólogos conseguiram apontar que a arquitetura náutica do barco descrito por ele é extremamente parecida com a do naufrágio descoberto em 2019.
Alexander Belov, autor do livro ‘Navio 17: um Baris de Thonis-Heracleion’ (2019), fez uma análise que o surpreendeu.
Para o especialista, é possível que os navios tenham sido feitos no mesmo estaleiro porque o estudo realizado palavra a palavra no texto do grego indica que os detalhes descritos em “Histórias” correspondem “exatamente à evidência” no Navio 17.