A praia mais famosa do Brasil já viu uma revolta militar, atentado político e o nascimento da bossa nova
Duas baleias foram responsáveis pela primeira manifestação de amor do povo do Rio de Janeiro pelo bairro de Copacabana. Em 1858, surgiu o boato de que os mamíferos iam aparecer numa região próxima à praia. Um grupo de curiosos, incluindo o imperador dom Pedro II e a imperatriz dona Theresa, se deslocou nos dias 22 e 23 de agosto para vê-los. O caminho até o areal foi tortuoso. A turma teve que subir morros e cruzar uma vegetação densa, só interrompida por hortas de pescadores e cabanas de índios tamoios, os primeiros habitantes do lugar. O esforço foi quase em vão: as baleias não deram o ar da graça. Para não perder a viagem, o grupo acampou e fez um piquenique, que durou nada menos que três dias e três noites.
O povoado já havia abandonado seu primeiro nome, Sacopenapan (“o barulho dos socós” – nome tupi para pássaros que viviam ali). Tinha sido batizada de Copacabana (“mirante do azul”, em quíchua), assim chamada por causa de Nossa Senhora de Copacabana, uma santa andina adorada na fronteira entre Bolívia e Peru, cuja imagem foi trazida ao Rio por mercadores de prata. Ela era guardada em uma igrejinha que levava seu nome, na antiga praia das Pescarias. Copacabana foi por muito tempo uma igreja. Embora nunca tenha sido santa.
A data de nascimento oficial do bairro é 6 de julho de 1892, quando o túnel de Real Grandeza, hoje túnel Alaor Prata (conhecido como túnel Velho), foi inaugurado, na presença do presidente Floriano Peixoto. Construída pelo engenheiro Coelho Cintra, a obra marcou a primeira ligação entre o novo distrito e o centro da cidade, até então bastante complicada pela presença dos morros íngremes. Com o acesso facilitado, a ocupação do lugar começou. Copacabana tornou-se o palco de diversos acontecimentos que determinaram a trajetória política e cultural do país.
Em 1908, depois que o prefeito Francisco Pereira Passos já havia inaugurado o túnel do Leme, que liga Botafogo à atual avenida Princesa Isabel, abrindo mais um caminho para o bairro, Copacabana ganhou sua maior marca registrada: o calçamento preto-e-branco da orla da avenida Atlântica. O famoso mosaico em preto-e-branco foi inspirado no rio Tejo (que banha Lisboa) e cuidadosamente colocado por uma equipe de 35 artesãos vindos de Portugal – assim como as pedras que formam o desenho. Em 1919 a avenida Atlântica, até então constantemente destruída por ressacas, foi duplicada. No ano seguinte, o cronista João do Rio descreveu, em Crônicas e Frases de Godofredo de Alencar, a vista da praia de Copacabana: “Em certos pontos, cavalheiros e damas abancados em torno de mesas a bebericar; em outros, grupos de observadores; e em toda a sua extensão, a movimentação quase nua da multidão de banhistas, multidão que entrava um pouco pelo verde líquido do mar e se envolvia nos borbotões de renda dos vagalhões”.
Os estrangeiros tinham descoberto o bairro antes dos brasileiros. Em 1824, a escritora inglesa Maria Graham já tinha narrado em seu Diário de uma Viagem ao Brasil um alegre passeio a cavalo em Copacabana. Dez anos depois, o francês Jean Baptiste Debret, em Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, também escreveu sobre uma “pequena igreja de Copacabana, isolada num pequeno platô”. Em 1886, a atriz francesa Sarah Bernhardt foi a protagonista do primeiro banho de mar registrado no local. Mas o lugar ganhou mesmo notoriedade mundial nos anos 40. “Durante a Segunda Guerra, ela era a única praia segura para a elite internacional”, avalia o historiador Milton Teixeira. “Nessa época, Hollywood descobriu o Rio. Foi o auge de Copacabana e Urca, bairros marcados pela presença dos cassinos, que atraíam artistas estrangeiros que lá se apresentavam”, explica Paul Knauss, professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. Daí para virar tema de música foi um passo.
A pedido do produtor de cinema norte-americano Wallace Downey, em 1944, João de Barro, o Braguinha, e o médico Alberto Ribeiro escreveram Copacabana, aquela que fala da “princesinha do mar”. A canção não ficou pronta a tempo de atender a encomenda – ela serviria para marcar musicalmente a inauguração da boate homônima do bairro em Nova York. Só foi lançada em agosto de 1946, na gravação de Dick Farney. Mas não era a primeira homenagem que um músico fazia ao bairro. Em 1927, o violinista e maestro argentino Julio de Caro já havia escrito o tango Copacabana. Entre as duas ainda há o registro de mais uma Copacabana, do regente e compositor paulista Assis Pacheco. Carmen Miranda gravou Let’s Go to Copacabana, canção do filme que levava o nome do bairro, de 1947, dirigido por Alfred E. Green. Outra homenagem marcante foi a parceria entre Dorival Caymmi e Carlos Guinle, Sábado em Copacabana, de 1951. Três anos mais tarde, Lucio Alves compôs com Haroldo Barbosa o Baião de Copacabana. “Copacabana era o retrato da modernidade e a face bonita que queríamos mostrar ao mundo”, afirma Milton Teixeira.
Um bairro, um forte
Em 1914, o forte de Copacabana foi inaugurado no promontório (cabo formado por rochas elevadas) da antiga igreja de Nossa Senhora de Copacabana, demolida quatro anos depois para a expansão da fortaleza. Lá, uma página sangrenta da história do bairro, que começava a se urbanizar, foi escrita. No dia 5 de julho de 1922, 301 soldados amotinados saíram do forte para fazer um desagravo à prisão do marechal e ex-presidente Hermes da Fonseca, que teria interferido indevidamente nos rumos da eleição daquele ano.
Na madrugada do dia 5 de julho, um grupo de oficiais, sob o comando do capitão Euclides da Fonseca, filho de Hermes, tomou o forte de Copacabana, enquanto outras unidades também se rebelavam. No mesmo dia, o Congresso aprovou o Estado de Sítio. Depois de várias desistências, um grupo saiu do forte disposto a resistir até a morte. E marchou pela avenida Atlântica contra o governo do presidente Epitácio Pessoa. Há controvérsia quanto ao número de militares revoltosos. Algumas fontes dizem que eles eram, inicialmente, 301 – que viraram 29, que viraram 19. E, destes, 18 eram militares, o que fez com que o episódio ficasse conhecido como “Dezoito do Forte”.
Tenentes vão de encontro às forças legalistas, durante a "Revolta dos 18 do Forte de Copacabana" / Wikimedia Commons
Conforme o protesto seguia, sobraram dez manifestantes: quatro oficiais, quatro soldados, um civil que havia se juntado ao grupo durante a marcha e um soldado eletricista que havia ajudado, ainda no forte, a cortar a bandeira nacional com a qual o grupo se enrolou durante a caminhada. No combate final, apenas dois oficiais sobreviveram, Eduardo Gomes e Siqueira Campos, que hoje está representado numa estátua em frente à rua onde ocorreu o tiroteio, batizada com seu nome. O episódio foi o grande marco do Tenentismo, movimento decisivo para a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder.
Os restos da bandeira que os revoltosos carregavam estão no forte, aberto à visitação pública. Lá, onde prestaram serviço militar o prefeito César Maia e o empresário Roberto Marinho, ainda há o Museu do Exército e uma filial da confeitaria Colombo. A tradicionalíssima Colombo (filial da matriz do centro) havia passado cinco décadas em outro endereço do bairro, na avenida Nossa Senhora de Copacabana, mas fechara suas portas em 1992.
Um crime: Rua Tonelero
A revolta do forte não foi o único evento político que saiu das ruas de Copacabana para abalar o país. Após governar o Brasil de 1937 a 1945, Getúlio Vargas voltou eleito à presidência em 1951, baseado numa plataforma política de industrialização sob a bandeira nacionalista. Quando suas diretrizes econômicas entraram em crise e o custo de vida aumentou, por volta de 1953, um de seus mais ferozes opositores era o jornalista Carlos Lacerda, que, à frente do jornal Tribuna da Imprensa, atacava o governo incessantemente (credita-se a ele o nascimento da expressão “mar de lama”, originalmente destinada a classificar uma operação de financiamento do jornal governista Última Hora feita pelo Banco do Brasil). Em um ato desesperado, grupos ligados ao presidente, aparentemente sem seu conhecimento, agravaram em definitivo a crise do governo.
O crime aconteceu na madrugada de 5 de julho de 1954, na rua Tonelero. Lacerda já havia sofrido ameaças e era escoltado por oficiais da Aeronáutica em eventos noturnos. Assim tinha acontecido na noite do dia 4, em comício no Externato São José, na Tijuca. O jornalista, de olho em uma vaga de deputado federal nas eleições de outubro, proferiu mais uma leva de denúncias de corrupção contra Vargas. Na madrugada do dia 5, Lacerda chegou ao edifício Albervania, no número 180 da rua. Acompanhavam-no seu filho Sérgio, então com 15 anos, e o segurança, o major-aviador Rubem Florentino Vaz.
O grupo já entrava no edifício quando Alcino João do Nascimento, que no comício havia estado ao lado de Climério Euribes de Almeida, membro da Guarda Pessoal de Getúlio Vargas, surgiu, atirou, matou Vaz e acertou Lacerda no pé. A partir daí, o que se pode afirmar com certeza é que Nascimento foi acusado de ser o executor do crime. O chefe da guarda de Getúlio, Gregório Fortunato, foi denunciado como mandante e Almeida, como cúmplice. Todas as versões que se seguiram – de Alcino, de jornalistas que presenciaram o crime e do próprio Lacerda – dão detalhes diferentes sobre o que teria acontecido naquela madrugada. Certo mesmo é que foi na rua Tonelero, em Copacabana, que o governo Vargas deu seu suspiro final. Dezenove dias depois do atentado, afogado no “mar de lama”, Getúlio Vargas se matou no Palácio do Catete.
As estrelas no beco
Na mesma década de 50, a pouco mais de seis quarteirões do crime, outra história se desenrolava. O trecho da rua Duvivier, entre os números 27 e 31, batizado por Stanislaw Ponte Preta (codinome do cronista Sérgio Porto) de Beco das Garrafadas, inaugurava uma nova safra de talentos da MPB. O apogeu do lugar aconteceu somente nos anos 60, quando já era chamado de Beco das Garrafas (reza a lenda que, irritados com o barulho, vizinhos jogavam garrafas pelas janelas e os músicos gritavam de volta que as beberiam). Naquela época, quatro boates dominavam a área.
A Ma Grife era dedicada ao trabalho das gentis senhoritas que batalhavam na noite, ao lado da Baccará, da Bottle’s e da Little Club, essas duas dos irmãos italianos Alberico e Giovanni Campana. Aquele pedaço de rua foi palco de uma sucessão de encontros musicais e amorosos, com personagens unidos pela dedicação à boemia. No fim dos anos 1950, Alberico alimentava uma paixão silenciosa por Dolores Duran, que cantava quase diariamente na Little Club. Lá a cantora foi aplaudida pelo colega francês Charles Aznavour. Na Baccará, Dolores contou com a reverência da diva americana Ella Fitzgerald. Jorge Ben debutou no Beco, em 1961, época em que a cantora Leny Andrade reinava. Quando a dupla Luis Carlos Miele e Ronaldo Bôscoli começou a fazer história dirigindo shows no Beco, Sérgio Mendes (um jovem pianista de 20 anos que começou a se apresentar nas matinês de domingo, em 1960), Luiz Carlos Vinhas e Luiz Eça tinham que pagar pela bebida antes de usar o piano da Bottle’s, imposição de Alberico.
Wilson Simonal começou a ganhar as plateias das boates da vizinhança em 1963. No ano seguinte, uma cantora gaúcha recém-chegada à cidade também passaria por ali. Elis Regina começou participando do show de Íris Lettieri, e depois ganhou um só seu, dirigido por Miele e Bôscoli, primeiro na Little Club, depois na Bottle’s. Conforme Elis ganhava fama, tinha de se apresentar em São Paulo e começou a faltar às performances do Beco. Contratada pela TV Record, em 1965 ela venceu o Primeiro Festival da Música Popular Brasileira, com Arrastão e abandonou a rua Duvivier de vez. Era o começo do fim.
Pelo menos, até o recomeço.Em 2006, o professor aposentado Carlos Alberto Afonso, dono da Toca do Vinícius, em Ipanema, abriu a livraria musical Bossa Nova & Cia, na Duvivier, ao lado de onde era a Ma Grife. Afonso não viveu a glória do Beco, mas tem seu momento preferido: “De todos os episódios que não testemunhei, o de que mais gostei é o que conta quando Leny Andrade escondeu-se atrás de um piano, esperando o pessoal do Juizado de Menores sair, para então, na flor dos 17 anos, poder cantar”. Afonso tem projetos para o futuro. “Em breve instalaremos, ao lado, uma réplica da Baccará, que servirá de museu e receberá concertos especiais.” Foi na Baccará que Edith Piaf pediu uma cerveja, mas o bar só vendia uísque e cuba-libre. Mandaram buscar uma no boteco mais próximo e, reza a lenda, a cantora francesa andou espalhando que a boate tinha a melhor cerveja da cidade. Uma malandragem digna de Copacabana.
Copa é o Copa
Uma ilha de glamour para os ricos e famosos
A esquerda, a rainha Elizabeth 2ª, na sacada do luxuoso Copacabana Palace em 1968 / Domínio publico
Obra do arquiteto francês Joseph Gire, que se inspirou nos hotéis Negresco, de Nice, e Carlton, de Cannes, o Copacabana Palace nasceu de uma ideia do presidente Epitácio Pessoa. O político queria receber os convidados do centenário da Independência, em 1922, com o luxo europeu. A ideia foi logo encampada pelo empresário Octávio Guinle, mas a obra não ficou pronta a tempo dos festejos. A inauguração só aconteceu em 1923. Já em 1925, Albert Einstein foi a primeira personalidade mundial a se hospedar ali. Aos 10 anos de vida, uma réplica do hotel já aparecia no filme Voando para o Rio, fato que abriu as portas do Copa para o povo do showbizz. Foi lá que, em 1942, o cineasta americano Orson Welles – um dos primeiros a rodar um filme no Brasil – brigou pelo telefone com a namorada, a atriz mexicana Dolores Del Rio. Num ataque de fúria, jogou a mobília pela janela. Ava Gardner fez um escândalo, em setembro de 1954, quando descobriu que a haviam hospedado no Hotel Glória. Exigiu que fosse levada, às 2 da manhã, para o Copa. Dizem que a diva chorava toda vez que a boate Meia Noite, dentro do hotel, tocava Frank Sinatra, seu ex-marido. Em janeiro de 1964, Brigitte Bardot parou o bairro quando posava para a imprensa na fachada do Copa. Por ali também passaram Edith Piaf, Nat King Cole, Tony Bennett e Louis Armstrong. Marlene Dietrich se apresentou em 1959 com o jovem pianista Burt Bacharah. Nos anos 70, a estrutura do hotel começou a se mostrar deficitária. Nesse período, alguns hóspedes deram trabalho. Em 1970, Janis Joplin foi expulsa por ter nadado nua na piscina. Alice Cooper, depois de um show no Maracanãzinho, em 1974, destruiu quatro suítes e deixou a piscina inativa por dois dias, tempo que os funcionários precisaram para retirar pratos e talheres do fundo da água. Outro que não deixou boa impressão foi Rod Stewart, que promoveu uma partida de futebol na suíte presidencial do Copa, em 1977, e de lá foi devidamente expulso. Tombado em 1986, em princípio para dificultar os planos de venda e demolição que chegaram a passar pela cabeça de alguns dos Guinle, o hotel foi vendido em 1989 para o inglês James Sherwood, dono da Orient-Express Hotels, por 23 milhões de dólares. Algumas mudanças foram consequência da modernização. A proibição de animais, por exemplo, teve de ser revista para que Marco, um dutch shepherd, pudesse farejar explosivos antes da estada de Hillary e Bill Clinton no hotel, em 1997. Em uma madrugada de 1991, a piscina do hotel ficou às escuras: a princesa Diana queria nadar e não ser vista. Tudo pelo bem dos hóspedes. Anos se passaram e o hotel continua recebendo grandes nomes de Hollywood.”O Copacabana Palace não é simplesmente uma relíquia do passado. Ele é um hotel moderníssimo”, diz Philip Carruthers, gerente-geral do hotel.
Saiba mais
Copacabana Cidade Eterna: 100 Anos de um Mito, Wilson Coutinho, 2001
Copacabana Palace: um Hotel e sua História, Ricardo Boechat, 1996
O Brasil de Marc Ferrez, vários autores, 2005