Com 4 mil anos, os corpos mumificados de aparência ‘ocidental’ descobertos na China intrigavam pesquisadores
Na década de 1980, múmias impressionantemente conservadas foram encontradas na Bacia do rio Tarim, na Região Autônoma Uigur de Xinjiang, na China. Hoje, a área abriga o deserto de Taklamakan, que se espalha por grande parte do oeste chinês.
A descoberta surpreendeu pesquisadores pelo excelente estado de conservação dos corpos. Mas as características físicas desses indivíduos, bem como suas vestimentas e adereços, fez com que uma série de teorias a respeito da origem do povo surgisse.
“Eram pessoas altas, com o cabelo castanho, às vezes claro, e alguns homens tinham grandes barbas”, descreveu a antropóloga Christina Warinner, pesquisadora da Universidade de Harvard.
Quando o historiador norte-americano Victor Mair, observou as Múmias de Tarim, como ficaram conhecidas, pela primeira vez, em 1988, se perguntou: “o mais surpreendente é que praticamente todos são caucasianos. De onde vieram e como terminaram no coração da Ásia?”
Como ressalta o El País, os especialistas ficaram surpresos porque os aspectos analisados na cultura não condiziam com a região em que foram encontrados. A aparência “ocidental”, as roupas de lã e o fato de sua atividade principal ser a pastoril, envolvendo criação de gado, ovelhas e cabras, confundiu os cientistas.
Mair, então, propôs a primeira teoria envolvendo os corpos mumificados, que seria seguida por outras, desenvolvidas por estudos ao longo dos anos. Para ele, aquelas pessoas teriam sido imigrantes indo-europeus, que vieram da Eurásia por meio de cavalos.
O povo teria se deslocado de lugares remotos, tendo sido descendentes de pastores Yamnaya, que viveram nas estepes da região do Mar Negro, no sul da Rússia, formando um grupo humano da Idade do bronze altamente móvel, segundo o portal g1.
Uma hipótese de pesquisadores envolvidos na análise das múmias envolvia origens relacionadas à área da Ásia Central do Complexo Arqueológico Bactria-Margiana, onde a cultura de oásis era bastante forte. Lá, a genética estava ligada à agricultores do planalto iraniano.
No entanto, um estudo recente colocou fim a essas dúvidas e finalmente resolveu o mistério da origem das múmias. Um time internacional de pesquisadores da China, Coreia do Sul, Estados Unidos e Alemanha foi responsável por desmistificar todas essas teorias.
Os cientistas realizaram uma análise genética em 13 das primeiras múmias descobertas no local, que datam de cerca de 2.100 a 1.700 a.C., comparada a cinco indivíduos encontrados em uma bacia vizinha, a de Dzungarian, que remontam ao período entre 3.000 a 2.800.
O novo estudo, com resultados divulgados na última quinta-feira, 28, apontaram uma origem local das múmias de Tarim: elas teriam sido descendentes diretos de uma população local que quase desapareceu durante o fim da última Idade do Gelo.
O povo era conhecido como Antigos Eurasianos do Norte (ANE, na sigla em inglês), sendo nativos da região, ao contrário do que muitas teorias sugeriam. Hoje, o DNA dos ANE está apenas em pequena parcela da população, concentrando-se nas populações indígenas da Sibéria e das Américas.
“Os arqueogeneticistas há muito procuram por populações de ANE do Holoceno para compreender melhor a história genética da Eurásia interior. Encontramos no lugar mais inesperado”, disse Choongwon Jeong, um dos autores do estudo, professor da Universidade Nacional de Seul.
De acordo com o estudo, o povo ainda não havia se misturado geneticamente com outras populações de sua época na mesma região. Eles formavam um grupo isolado, ainda desconhecido pela ciência. No entanto, os especialistas destacam que os indivíduos não eram isolados culturalmente.
“Ficamos surpresos com o chamativo contraste entre seu isolamento genético e suas conexões culturais. Não está claro como e por que mantiveram um isolamento genético tão rígido, mas sua abertura à adoção de novas tecnologias é o que provavelmente fez com que fossem bem-sucedidos na colonização dos oásis do deserto da bacia do Tarim”, explicou a antropóloga Christina Warinner.
“Reconstruir as origens das múmias da Bacia do Tarim teve um efeito transformador em nossa compreensão da região, e continuaremos o estudo de genomas humanos antigos em outras eras para obter uma compreensão mais profunda da história da migração humana nas estepes da Eurásia”, concluiu Yinquiu Cui, cientista da Universidade de Jilin envolvido no estudo.
A pesquisa sobre as origens das múmias de Tarim pode ser lida por completo na revista Nature.