Nascido alemão, ele cultuou Hitler na infância, mas cresceu sendo alvo de perseguições e sobreviveu para começar uma nova vida nos EUA
Filho de uma alemã branca e de um liberiano negro, Hans-Jürgen Massaquoi não acreditava ser diferente das outras crianças alemãs. Até que, numa tarde de 1934, ouviu a professora anunciar aqueles que haviam sido aceitos na Hitlerjugend – a Juventude Hitlerista, organização à qual todas as crianças eram incentivadas a se filiar.
Todos da sua sala foram aprovados, exceto ele. Indignado, Massaquoi tentou argumentar: “Mas eu sou alemão!” Não adiantou, ouviu dizer que não era digno. Ele tinha apenas 8 anos.
Aquela foi a primeira vez que a cor da pele de Massaquoi foi notada por ele próprio. Na Alemanha nazista, havia cerca de 25 mil negros entre 65 milhões de habitantes. Eram um grupo pequeno demais para o Terceiro Reich se importar em exterminá-los sistematicamente como fazia com os judeus. Não eram vistos como uma real ameaça.
Mas isso não quer dizer que eram aceitos. E aquele dia, em 1934, era apenas o começo para Massaquoi.
Hans-Jürgen Massaquoi nasceu em 19 de janeiro de 1926 em Hamburgo, Alemanha, local em que seu avô atuava como cônsul-geral da Libéria. “Eu associei pele negra com superioridade, já que os nossos servos eram brancos”, escreveu em sua autobiografia Destined to Witness ("Destinado a testemunhar", sem tradução). “Meu avô era ‘o cara’.”
Em 1929, pai e avô retornaram para a Libéria, enquanto Massaquoi e a mãe permaneceram na Alemanha, mudando-se para um bairro simples da classe trabalhadora. Apesar da cor da sua pele atrair olhares, o garoto foi criado como qualquer outra criança alemã. E, assim como qualquer outra, começou a absorver as ideias da crescente propaganda nazista.
“Os nazistas faziam o melhor show de todos os partidos políticos. Havia desfiles, fogos de artifício e uniformes – eram esses os dispositivos com os quais Hitler conquistou os jovens para as suas ideias. Hitler sempre se vangloriava de que, apesar da persuasão política dos pais, a juventude alemã pertencia a ele.”
Em 1933, quando o Partido Nacional Socialista ascendia ao poder, Massaquoi, então com 7 anos, foi persuadido a costurar uma suástica em seu casaco para mostrar o bom alemão que era. A mãe dele retirou a insígnia naquele mesmo dia, mas o momento ficou eternizado pelas mãos dos professores de Massaquoi – único garoto negro em meio a crianças brancas, e único a usar o símbolo nazista. É a foto que abre a matéria.
A ascensão de Hitler ao poder também significou o aumento da xenofobia na Alemanha. Em 1935, com a aprovação das Leis de Nuremberg, conjunto de leis anti-semitas, Massaquoi passou a ser classificado como não-ariano. Em 1936, enquanto o atleta Jesse Owen e o boxeador Joe Louis se tornavam motivo de orgulho para a comunidade negra ao vencerem seus concorrentes "arianos" durante as Olimpíadas de Berlim, eram motivo de vergonha para Hitler e o seu partido.
Placas passaram a indicar locais em que adultos e crianças não-arianas estavam proibidas de frequentar, como parques infantis. Professores de origem judaica começaram a desaparecer sem explicações. Massaquoi só entendeu a visão que o nazismo tinha dele quando, ao ir ao zoológico de Hamburgo, viu uma jaula com uma família africana dentro.
“Eu era tanto um cidadão da Alemanha nazista quanto, paradoxalmente, um forasteiro ameaçado”, escreve Massaquoi.
Mas não era só da Juventude Hitleristas e de parques infantis que Massaquoi foi impedido de participar. Enquanto crescia, ele se viu obrigado a desistir da carreira militar e acadêmica – contra a sua vontade, tornou-se aprendiz na fábrica de Veículos Gottfried Lindner A.G.
Ao engatar um romance com uma garota branca, teve que esconder de todos. Relacionamentos interraciais eram, naturalmente para a Alemanha Nazista, proibidos – e, para piorar, o pai da moça era policial e membro da SS.
Em sua autobiografia, Massaquoi conta como estava caminhando com ela um dia e foi preso pela Sicherheitsdienst (SD) sob suspeita de “estar à espreita de mulheres indefesas ou procurar uma oportunidade para roubar”. Por sorte, um dos policiais o reconheceu como um dos colegas de trabalho de seu filho. Foi liberado após receber uma saudação nazista.
Barrado de entrar na Wehrmacht por sua condição não-ariana, Massaquoi foi poupado de atuar na Segunda Guerra. Com isso e com o fato de ter sido alvo de crescentes abusos racistas durante anos, a admiração que Massaquoi criou por Hitler e pelo nazismo se tornou desprezo.
Com o fim da Segunda Guerra, ele se mudou para os Estados Unidos – onde ainda havia estados que proibiam casamentos interraciais, é bom lembrar. Ali, iniciou uma nova vida: participou da Guerra da Coreia e formou-se em Jornalismo pela Universidade de Illinois – era o início de sua carreira como jornalista. Ficou conhecido como o editor-chefe da Ebony Magazine, um importante veículo voltado para a população afro-americana na era da luta pelos Direitos Civis, que segue até hoje.
“Estou satisfeito com a forma que a minha vida é agora. Sobrevivi para contar um pedaço da história que testemunhei. Ao mesmo tempo, queria que todos tivessem uma infância feliz dentro de uma sociedade justa. E esse, definitivamente, não foi o meu caso.”
Massaquoi morreu em 2013, aos 87 anos.