Grupos peronistas divididos entre esquerda e direita abriram fogo em meio a uma multidão, resultando no “O Massacre de Ezeiza"
Tomás Rodríguez, com tradução de Pablo de La Fuente, adaptado por Isabelly de Lima Publicado em 20/06/2023, às 17h14 - Atualizado em 07/12/2023, às 14h28
No ano de 1955, um golpe militar derrubou o então presidente da Argentina, generalJuan Domingo Perón, cria dor do chamado movimento peronista. Odiado por alguns, que o consideravam (e ainda o consideram) um tirano demagogo; adorado por outros, que viam nele a possibilidade de acesso a benefícios sociais, esse personagem chave da história argentina foi obrigado a viver um exílio de 18 anos, durante o qual ele e seu movimento foram banidos do país (nem mesmo o nome de Perón poderia ser mencionado).
Até que, em 1973, ele finalmente foi autorizado a retornar à Argentina. Mas o que seria um grande reencontro entre as massas e seu líder terminou em um tiroteio que deixou mortos e feridos, conhecido como “O Massacre de Ezeiza”. Por que o que seria um feliz ato popular se transformou em pandemônio?
A Argentina estava submersa na violência. O contexto repressivo da ditadura de Alejandro Lanusse (no poder de março de 1971 a maio de1973), a impossibilidade do povo de se manifestar politicamente, e menos ainda de votar em Perón para canalizar suas reivindicações, levaram lentamente ao nascimento de diferentes grupos guerrilheiros, sendo o mais importante o Exército Revolucionário Popular (ERP), de tendência mais marxista, e o Montoneros, de origem peronista. Essas organizações guerrilheiras, somadas a grupos estudantis e de bairro, compunham o amplo espectro do que foi chamado de “Tendência Revolucionária”.
“Durante os anos da proscrição, foram incorporados setores que, em geral, não estavam associados ao peronismo clássico, como as classes médias urbanas e profissionais, e a grande mudança ocorreu quando setores da juventude abraçaram o peronismo e o reinterpretaram incorporando ideias ligadas à Revolução Cuba na, agregando o método da guerrilha e a luta armada”, explica o historiador Esteban Pontoriero.
É que, durante os anos de exílio, muitos atores da chamada “Resistência Peronista” lutaram contra a abolição do movimento e a favor de seu líder retornar ao país. No entanto, entre os novos atores que aderiram ao peronismo neste período, havia grupos em séria oposição a outros, classificados por historiadores como “a direita peronista”, incluindo a burocracia sindical. Vale destacar que também surgiram grupos guerrilheiros de direita, como a Concentração Universitária Nacional (CNU).
O governo de fato atravessava uma profunda crise econômica e social, em que as notícias de ataques, sequestros e bombas nas mãos da guerrilha estavam na ordem do dia. O país sangrava até a morte em protestos reprimidos com fogo e revoltas populares em várias províncias. Por volta de 1973, o sentimento geral era de que o único que poderia conter tal situação era Perón, que, desde o exílio ao longo da década de1960, havia incentivado a radicalização da juventude socialista que lhe respondia.
Era uma estratégia do general para enxugar o regime que ele mesmo encorajava com o lema da “juventude maravilhosa” e a premissa de que a “violência do governo justificava a violência do povo”: ou seja, a da guerrilha.
Finalmente, em 25 de maio de 1973, o então governo Lanusse permitiu novamente eleições democráticas. Embora Perón ainda não tivesse permissão para retornar, o antigo líder nomeou como seu representante o peronistaHéctor J. Cámpora, eleito naquela ocasião com 49,5% dos votos sob o lema “Cámpora no governo, Perón no poder”. O plano era que, uma vez nomeado presidente, Cámpora canalizasse o retorno do antigo líder.
Mas a história seguiu seu próprio curso e se radicalizou. Contra a vontade do próprio Perón, Cámpora libertou todos os presos políticos das organizações guerrilheiras no mesmo dia em que assumiu o cargo. Era o início das tensões entre delegado e dirigente, que teriam um desfecho rápido. Neste ínterim, confirmou- se que o caudilho seria autorizado a retornar. Porém as coisas não eram como antes.
“Enquanto Perón estava no exílio, e era favorável aos seus interesses, deu sinais de apoio ao maior número possível de setores dentro do movimento peronista. Foi um sucesso do ponto de vista político e tático, mas continha contradições e conflitos que estavam latentes, mas em estado de repouso, até explodirem em Ezeiza”, explica Pontoriero.
Em 15 de junho, Cámpora deixa o cargo nas mãos de seu vice-presidente, Vicente Solano Lima, para viajar à Espanha com o objetivo de acompanhar Perón em seu retorno triunfal e definitivo (o líder exilado já havia retornado uma vez, em novembro de 1972, para designar Cámpora como seu representante nas eleições).
No entanto, o novo presidente argentino se deparou com uma recepção nada esperada. Perón estava furioso com ele, culpando o pela “infiltração de marxistas no governo”. A indignação de Perón foi tanta, a ponto de não recepcionar Cámpora no aeroporto, nem comparecer ao jantar de gala que o então ditador da Espanha, Francisco Franco, havia preparado para recebê-lo, alegando “motivos de saúde”. Para o historiador Hernán Confino, a instabilidade política que reinava na Argentina não só não acabou quando Cámpora assumiu a presidência, como se agravou.
“Assim que Cámpora tomou posse, muitas organizações juvenis da esquerda do peronismo começaram a se apoderar de instituições e estabelecimentos, fazendo valer o programa dos que lutaram pela volta de Perón ao poder. Isso obviamente gerou um conflito social e político que Cámpora não conseguiu neutralizar, apesar do bom relacionamento que tinha com a ala esquerda do movimento. Em algum momento, o que poderíamos pensar é quem poderia ter impedido”, reflete.
Apesar da convicção daquela juventude de que seu líder os conduziria à “Pátria Socialista”, os fatos pareciam apontar para outra direção. Perón delegou a organização de suas boas vindas à Argentina a uma comissão de cinco pessoas, das quais, o único representante da esquerda do peronismo era Juan Manuel Abal Medina, político e jornalista, irmão do mítico fundador dos Montoneros, Fernando.
Os outros eram Lorenzo Miguel, sindicalista da Unión Obrera Metalúrgica (UOM); Norma Kennedy, representante do braço feminino do movimento peronista; o ex- coronel e secretário de Esportes Jorge Osinde; e José Ignacio Rucci, sindicalista peronista, também da UOM, secretário da Confederação Geral dos Trabalha dores (CGT) e um dos homens de maior confiança de Perón. Um fato importante: Osinde era próximo de José López Rega, secretário pessoal de Perón e de sua esposa, a futura presidente María Estela Martinez – mais conhecida como Isabel –, e exerceu uma poderosa influência sobre o casal presidencial. Posteriormente, López Rega seria o criador da organização paramilitar Alianza Anticomunista Argentina, a chamada “La Triplo A”.
A comissão determinou que a cerimônia de recepção fosse realizada a poucos quilômetros do Aeroporto de Ezeiza, na ponte El Trébol, perto do hotel e do hospital de Ezeiza. Perón deveria descer do avião ali e, de seu palanque, falaria com aqueles ansiosos jovens que desejavam vê-lo. E foi Osinde que ordenou que a segurança do tal evento não fosse realizada pela Polícia Federal ou Provincial, mas por sua ordem, substituindo os policiais por militantes de diferentes organizações do peronismo ortodoxo que lhe respondiam.
O argumento pela escolha da comissão era de que o peronismo “não podia ser custodiado por aqueles que o perseguiram até dois meses atrás”. Enquanto isso, cresciam os rumores (muitos encorajados pela direita peronista) de que os Montoneros e a organização guerrilheira Fuerzas Armadas Revolucionárias (FAR) estavam tentando se apropriar do ato e até mesmo assassinar Perón.
Naquele 20 de junho de 1973, os homens de Osinde, portando armas longas que guardavam nos estojos dos instrumentos da orquestra – a Filarmônica de Buenos Aires iria tocar a Marcha Peronista no evento –, ocuparam o palanque de onde finalmente o líder Perón falaria. Osinde posicionou estrategicamente seus homens na casa escola de Santa Teresa, no hospital e no hotel Ezeiza. Somado a isso, segundo reconstrói o jornalista e ex-montonero Horacio Verbitsky em seu livro Ezeiza, outros homens armados escalaram as árvores próximas do local, além da chegada de várias ambulâncias, carregadas com armas oriundas do Ministério do Bem Estar Social, então supervisionadas por José López Rega.
"O que ‘a tendência’ avaliou foi que era necessário fazer uma demonstração de força e convocação diante de Perón, para que ele fosse convencido a se alinhar com aquele setor do peronismo, e não com a ortodoxia ou a direita do movimento”, explica Pontoriero. Assim, começaram a chegar a Ezeiza as longas colunas de gente. Desde simples auxiliares até militantes e montoneros, felizes e ansiosos por reencontrar o líder.
Desde velhos peronistas que viveram os governos de Perón e se consideravam beneficiados por suas políticas sociais, até jovens que, embora não tivessem vivido naqueles tempos, eram fascinados e inflamados pelas histórias e lendas de outrora. Não há um volume exato de quantas pessoas se reuniram naquele dia, mas os números mais conservadores falam em cerca de 1 milhão de pessoas, chegando até o mais dito entre eles: 3 milhões e meio. Todos supunham que haveria uma alegre festa popular.
Em certo momento do evento, uma coluna de montoneros chegou do sul da província de Buenos Aires, carregando armas curtas – principal mente calibres 22 e 32 — e alguns fuzis. Procuraram aproximar se o mais possível atrás do palanque onde o general falaria, em frente ao Hogar Escuela. Foi então que começou uma disputa com os homens de Osinde. A princípio, o confronto ocorreu com gritos e insultos.
Depois com golpes e, mais tarde, por volta das 14h e 14h30, com tiros tanto de trás do palanque quanto do Hogar Escuela. A batalha entre as duas facções do peronismo foi caótica. Houve corre-corre, tiros e confusão. Enquanto alguns da multidão se jogavam ao chão tentando fugir das balas, outros, desesperados, começavam a correr. Nesse momento, os homens de Osinde capturavam várias pessoas, levando as ao Hotel Ezeiza para torturá-las.
Diferentes fontes e investigações, como a realizada por Verbitsky, revelam 13 mortos e 365 feridos como resultado daquele dia desastroso. Importante lembrar que uma investigação oficial sobre o incidente nunca foi realizada. Assim que Perón soube do que estava acontecendo em terra, seu avião desviou e acabou pousando na base militar de Morón, província de Buenos Aires. O encontro entre a juventude e o velho líder foi frustrado.
No dia seguinte, as palavras de Perón sobre o ocorrido desconcertaram ainda mais os jovens revolucionários: “Equivocam se aqueles que pensam ingenuamente que podem tomar o nos so movimento ou tomar o poder reconquistado pelo povo. É por isso que quero alertar aqueles que tentam se infiltrar nas classes populares ou estatais, que estão indo mal por aí. Aconselho aos inimigos encapuzados ou ocultos a cessarem suas tentativas porque, quando os povos esgotam a paciência, tendem a trovejar a lição”, lançou o dirigente com veemência. A partir desse momento, as organizações radicalizadas tentaram interpretar aquele curto circuito entre elas e Perón, com a esperança de poder remediá-lo.
“Por um lado, surge a ideia de ‘condução pendular’: Perón dá um pouco a cada parte do movimento para se estabelecer como uma espécie de árbitro condutor. Por outro lado, vem a ‘teoria do cerco’: Perón realmente não quer fazer o que está fazendo, mas está cercado por pessoas da direita de seu movimento que o aconselham mal, López Rega no primeiro ponto. Entre essas duas questões orbitará a dificuldade que a juventude peronista de esquerda terá para, de um lado, criticar a liderança de Perón, mas, de outro, ser uma intérprete dela. Se nos referimos aos acontecimentos frios, Perón finalmente escolhe em qual tendência política deve se apoiar”, diz Confino.
O desastre culminou em uma discussão acirrada entre Osinde e o ministro do Interior, Esteban Righi, que culpou o ex coronel pela má administração do ato. Mas, a essa altura, Perón já havia se manifestado contra os Montoneros, responsabilizando os por terem motivado o início dos tiros. Por sua vez, militantes de esquerda denunciaram uma “emboscada” da direita do governo.
Na sexta feira, 13 de julho, Cámpora, de quem Perón já havia se distanciado, apresentou sua renúncia. Novas eleições foram organizadas, até que o general venceria com 63% dos votos, em 23 de setembro. No entanto, a violência entre Perón e os guerrilheiros continuou a crescer, tendo um de seus momentos decisivos quando, dois dias após a vitória de Perón nas urnas, os montoneros mataram Rucci com mais de 20 tiros.
O acontecimento foi, segundo Perón, “a palha que quebrou o lombo do camelo”, pois, para ele, foi como se “matassem um filho”, aquele que nunca teve. Embora suas reuniões com os Montoneros continuassem – sempre sem sucesso –, em janeiro de 1974, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei para alterar o Código Penal, na tentativa de deter os guerrilheiros do ERP e dos Montoneros (a organização, aproveitando a revogação das leis repressivas do último governo, realizou 185 ataques, uma média de um por dia, de julho a dezembro de 1973).
Vários deputados que respondiam a Montoneros se opuseram a essas mudanças e, posteriormente, por ordem do líder Mario Firmenich, oito renunciaram aos cargos. Quem resistiu à saída foi o historiador e jornalista Rodolfo Ortega Peña, que seria assassinado pouco tempo depois. Sua morte, pelas mãos de “La Triple A”, em 31 de julho de 1974, é considerada o primeiro grande ato criminoso daquela organização paramilitar.
Em seu funeral, os militantes pendurariam uma bandeira onde se lia um presságio dos tempos vindouros: “O sangue derramado não será esquecido”. Perón continuou com a frente interna aberta. Num grandioso ato em 1º de maio, em comemoração ao Dia do Trabalho, o general expulsou os montoneros da Plaza de Mayo, depois de chama-los de “estúpidos” e “imberbes”. “Hoje, verifica se que alguns imberbes afirmam termais méritos do que aqueles que lutaram durante vinte anos”, disse o dirigente.
Em 1ºde julho de 1974, morriaJuan Domingo Perón. Ele sabia que estava morrendo já antes de sua decisão de retornar para a Argentina. “Não tenho outra solução senão voltar lá e colocar as coisas em ordem. Cámpora abriu as prisões e infiltrou os comunistas em todos os lugares”, disse o então exilado a Antonio Puigvert, seu urologista, segundo contou o médico espanhol mais tarde.
“A intervenção de Perón na cena política é disciplinar. Podemos pensar que talvez Perón tenha sido um tipo profundamente epocal: o Perón dos anos 60 é um Perón mais terceiro mundista e o dos anos 70 é um Perón mais mi litar que tenta comandar as tropas”, avalia. Enquanto isso, Pontoriero concorda que o político que volta de Madri é “um Perón de ordem”, que, longe de fazer a revolução, quis pacificar o país, colocar suas instituições em ordem e gerar uma economia estável com a ajuda do setor empresarial e sindicatos relacionados.
“O massacre de Ezeiza pode ser visto como um indicador de um salto nas formas de luta política para o uso de meios cada vez mais violentos que incluíam a possibilidade de assassinar o adversário político. E é também um indicador de como se processa a Guerra Fria dentro do peronismo, a ideia de ‘infiltrados’ e de ‘purificação’, apresentando a esquerda peronista como infiltrados marxistas dentro do peronismo”, analisa.
Ao longo dos anos, muitos jornalistas e historiadores relataram e repensaram o que aconteceu em Ezeiza. Segundo o jornalista Ceferino Reato autor do livro ‘Os 70's, a Década Que Sempre Volta’, esse acontecimento marcou “a primeira vez que Perón dividiu as águas definindo que sua doutrina continuava peronista e que, portanto, não tinha nada a ver com a Pátria Socialista que os Montoneros idolatravam”. Por sua vez, Verbitsky subscreve a tese da emboscada premedi tada contra a juventude dessa vanguarda revolucionária em mãos da direita do peronismo.
Seja como for, o episódio continua a ser discutido e reinterpretado. O jornalista, escritor e ex-montonero Aldo Duzdevich, autor do livro ‘Lealdade: os Montoneros Que Ficaram com Perón’, esteve em Ezeiza no dia 20 de junho. Para Duzdevich, a visão que costuma existir sobre o que aconteceu naquele dia é uma “deturpação” e é “simplificada”. Ele até questiona se o termo “massacre” é o mais adequado.
Se lermos os jornais da época, mesmo os de centro esquerda como o La Opinión, a palavra ‘massacre’ não aparece em nenhum deles. Fala se de ‘incidentes’ atrás do palanque ou ‘setores de luta’ e, na realidade, foi isso. Não houve tiros do palanque para a multidão à frente, pois, nesse caso, o número de mortos seria incalculável, e nada disso aconteceu na frente do palanque. Descobrimos, de fato, o que havia acontecido depois do ato. Escutamos os tiros porque as balas assobiaram e ouvimos, pelo salto falantes, a narração do que estava acontecendo. Mas não houve tiroteio ou caos geral. Foi uma confusão, e não uma emboscada. Se somos duas forças opostas e você me mata quatro e eu três, foi uma batalha em que você me venceu por um, mas não um massacre. O mais grave é que o tal ato foi frustrado”, pontua o ex-montonero, que lembra ter voltado do evento “com absoluta tristeza porque a possibilidade de ver Perón havia sido frustrada”.
Duzdevich afirma também que nenhum dos torturados no Hotel Ezeiza pertencia à juventude peronista, o que sustentaria a hipótese de que o ocorrido foi uma confusão, em parte devido à inexperiência e improvisação dos homens de Osinde, e não a um plano deliberado de assassinato. “Entre os torturados estava um policial de Mendoza que vinha com o grupo CNU. E teria sido espancado por ser integrante dos Montoneros”, afirma ele, que acrescenta que os montoneros também carregavam ambulâncias com armas entre suas colunas, assim como as enviadas pela Previdência Social do lado oposto.
Para o jornalista, a história de “um terceiro Perón fascista que traiu os Montoneros” foi uma invenção desses últimos para justificar a posterior escalada de violência que protagonizaram, incluindo o assassinato de Rucci. Aponta como sinal dessa “vitimização”, como ele diz, o fato de que, em vários relatos, ex-militantes se referem que os 5 mil quadros armados que se dirigiram a Ezeiza portavam “apenas armas curtas”, enquanto do palanque disparavam “com armas longas”.
Fui com uma pistola 7,65, e não com uma bandeira na mão. As armas curtas não são um anel ou uma pulseira. Elas são para matar”, diz Duzdevich, que, embora reconheça que houve uma luta entre as diferentes facções para capitalizar o ato, não houve a intenção de iniciar um tiroteio antecipadamente. Ainda que não tenha havido investigação oficial sobre o ocorrido, Duzdevich não acredita que as mortes em Ezeiza tenham sido mais do que as 13 confirmadas, e afirma que depois do ocorrido, em revistas como El Descamisado, que funcionava como órgão de imprensa dos Montoneros e a juventude peronista, registram se apenas “dois ou três velórios”.
Ele também menciona uma foto famosa daquele dia que costuma ser usada para ilustrar a repressão, em que um jovem de suéter leve é puxado pelos cabelos até o palanque pelos homens de Osinde. No entanto, ele diz que, em 2010, o pesquisador e escritor Enrique Arrosagaray descobriu que esse jovem era um militante da ortodoxia peronista, Juan José Rincón, o que corrobora a tese da grande confusão vivida durante o episódio.
Para o ex-guerrilheiro, os Montoneros provavelmente sabiam desde o início que, quando Perón voltasse à Argentina, haveria um confronto para disputar o poder.
“Os Montoneros saíram do controle de Perón. Ele não sabia oque estava acontecendo na Argentina, viveu no exílio por 18 anos, não tinha a percepção de quem estava no país e não havia os meios de comunicação que temos agora”, descreve, e acrescenta: “Perón não conseguiu captar exatamente qual era o perfil desses grupos que se aproximavam do peronismo como as FAR e os Montoneros. E dizia: ‘ bem, eles são bons, estão confusos, vou sentar e conversar com eles e convencê-los a parar de se enrolar’”.
Após a morte de Juan Domingo Perón, as sumiu a presidência a viúva María Estela Martínez, que, após um governo marcado pela ineficácia e repressão ilegal, tendo o apoio da ala peronista da direita, foi derrubada em 24 de março de 1976. E assim começou a última e a mais sangrenta ditadura militar da Argentina, a chamada Reorganização Nacional Processo. Somente em 1983, o país conseguiu recuperar a democracia.