Evidências relatam que Cabral teria sido responsável apenas por oficializar a posse
Laurentino Gomes - Arquivo Aventuras na História Publicado em 22/04/2019, às 08h00 - Atualizado em 25/08/2021, às 16h41
Ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas na história do Brasil. As circunstâncias do descobrimento são um bom exemplo. Pela história oficial, Pedro Álvares Cabral avistou em alto-mar "um grande monte, muito alto e redondo", no sul da Bahia.
Como era 22 de abril de 1500, véspera de Páscoa, batizou-o de monte Pascoal, segundo o escrivão da frota, Pero Vaz de Caminha. Seu relato é minucioso e poético, mas não resolve as incógnitas que os historidores tentam decifrar.
Uma delas refere-se ao local exato da chegada. No Rio Grande do Norte, pesquisadores defendem que o acidente geográfico avistado seria o monte Cabugi, uma elevação igualmente cônica que, situada entre Natal e Mossoró, também pode ser observada do mar. Em Pernambuco, estudiosos dizem que o local era o cabo de Santo Agostinho, no litoral sul do estado.
O maior mistério, porém, diz respeito à própria data do descobrimento. Há inúmeras evidências de que os portugueses já teriam chegado ao Brasil antes de 1500.
E, talvez, também navegadores de outros países. Um deles seria o francês Jean Cousin, que, segundo um texto do fim do século 18, alcançara o litoral brasileiro em 1492.
Estudos do almirante brasileiro Max Justus Guedes indicam que os espanhóis Vicente Pinzón e Diogo de Lepe percorreram a costa entre o Ceará e o Amapá em 1499. É possível que tais viagens tenham acontecido, mas o que dá aos portugueses a primazia foi o fato de a terem anunciado ao mundo e tomado posse da nova terra. Mesmo nesse caso, há suspeita de que a data seria anterior a 1500.
Para entender as circunstâncias da descoberta do Brasil, é preciso levar em conta os esforços que, nessa época, os portugueses faziam para chegar às Índias - nome genérico dado às terras do Oriente onde se localizavam, além do próprio subcontinente indiano, as ilhas das especiarias asiáticas.
Durante quase um século Portugal perseguiu o domínio das técnicas que levariam Vasco da Gama (1469-1524) à Índia contornando o extremo sul do continente africano, em 1497.
Um grande enigma encobre os nove anos entre o feito de Bartolomeu Dias, primeiro navegador a cruzar o cabo da Boa Esperança, em 1488, e a viagem de Vasco da Gama. Nesse intervalo, não há registro de uma única viagem ao Atlântico Sul. É como se os portugueses tivessem entrado em um período sabático. Mas há indícios de que, pelo contrário, eles navegaram mais do que nunca.
O historiador Armando Cortesão encontrou registros de encomenda de uma padaria do bairro do Restelo, próxima ao local de onde partiam os navios portugueses. Na fase de suposta inatividade, o estabelecimento forneceu biscoitos para mais de 100 viagens longas.
Por que tanto mistério? Uma razão é que, nessa época, Lisboa estava infestada de espiões de outros países europeus. O maior segredo era justamente a travessia do Atlântico Sul.
Até a viagem de Vasco da Gama, acreditava- se que a rota natural era contornar a África até encontrar o oceano Índico. Porém, os ventos e as correntes contrárias impediam o avanço das embarcações.
Coube aos portugueses criar uma rota alternativa, pela qual os navios se distanciavam da costa africana até a altura do cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, e daí embicavam rumo ao cabo da Boa Esperança. Era um desvio tão acentuado que seria quase impossível não avistar o litoral brasileiro. Havia um segundo motivo para tomar cuidado.
Até o Tratado de Tordesilhas, de 1494, Portugal não tinha autorização papal para ocupar as novas terras, igualmente reivindicadas pela Espanha e pela França. Desse modo, ainda que tivessem chegado ao Brasil, os portugueses não poderiam fincar os marcos de pedra que indicavam a posse.
Essa dificuldade explicaria a presença, por essa época, de um personagem misterioso no litoral paulista, o bacharel de Cananéia. Proprietário de terra e com numerosa familia, ele já estaria na região quando Cabral chegou.
Sua origem e identidade, porém, permanecem até hoje incertas. Quem seria o tal bacharel? Uma hipótese é de que teria sido um marco humano, deixado no litoral paulista para marcar a presença portuguesa. Essa é a tese defendida pelo historiador João Carlos Borges.
A própria discussão do Tratado de Tordesilhas indica que os portugueses tinham informações sobre a localização do Brasil antes de Cabral. Os negociadores insistiram que se estendesse de 100 para 370 léguas o meridiano traçado a oeste de Cabo Verde. Sem a mudança, o Brasil seria da Espanha.
Anos mais tarde, um desses negociadores, Duarte Pacheco Pereira, relatou ter sido enviado pela coroa portuguesa ao Atlântico Sul em 1488, com o objetivo de descobrir a parte ocidental, passando além da grandeza do Mar Oceano, onde é achada a navegada uma tão grande terra firme com muitas e grandes ilhas adjacentes. Ou seja, o Brasil.
De qualquer modo, só depois do tratado é que os portugueses se sentiram seguros de anunciar sua grande descoberta. Ainda assim, com cautela. Dom Manuel I demorou um ano para comunicar seu sogro, o rei da Espanha.
A carta de Caminha e outros documentos sobre as navegações ficaram escondidos na Torre do Tombo, em Lisboa, até 1773. As navegações portuguesas, portanto, eram segredo de estado, tanto quanto seriam, quatro séculos depois, os planos para chegar à Lua.
The First Global Village: How Portugal Changed the World , Martin Page, Casa das Letras, 2002
O antropólogo britânico defende a grandeza de Portugal.
O Império Marítimo Português (1415-1825), Charles R. Boxer, Edições 70, 1969
Obra clássica que explica a formação do império lusitano.
Brasil 5 Séculos, Hernâni Donato, Academia Lusíada de Ciências, Letras e Artes, 2000
Um passeio pela história do Brasil até os dias atuais.
Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808),Ronaldo Vainfas, Objetiva, 2000
Descreve os hábitos públicos e privados do Brasil Colônia.