Ela passou 38 anos tendo todos os aspectos de sua vida controlados pelos patrões: vivia em cárcere privado, sob vigilância, não ganhava salário — e ainda tinha sua pensão roubada
Em novembro de 2020, um caso chocante de escravidão moderna foi revelada no estado de Minas Gerais, quando uma investigação realizada pelo Ministério Público do Trabalho terminou com a Polícia Federal invadindo o cárcere privado onde era mantida Madalena Gordiano.
Então com 46 anos de idade, a empregada doméstica negra havia passado a maior parte de sua vida presa em uma situação análoga à escravidão: foram 38 anos sendo explorada por uma família rica tradicional do estado, os Milagres Rigueira.
A gravidade do caso
Madalena foi adotada ainda criança por Maria das Graças Milagres Rigueira, e viveu desde então em residências da família da mulher, reclusa e sob vigilância dos patrões, uma violação grave do direito humano de ir e vir.
A doméstica também não recebia salário pelos seus serviços de limpeza, e tampouco tinha controle do próprio dinheiro.
No ponto de sua vida em que foi libertada, por exemplo, ganhava pensão — todavia não tinha qualquer controle do que era feito com ela, que era em vez disso administrada pela família para quem trabalhava, segundo os auditores do caso, que foram ouvidos pelo UOL.
Até eventos simples, que para outros são parte do cotidiano, como uma caminhada no parque, por exemplo, para ela eram uma novidade, segundo divulgado pelo Fantástico, da Rede Globo, que fez uma reportagem sobre a situação da mineira.
O roubo da pensão
Desdobramentos mais recentes do caso de Madalena revelaram que além das violações dos direitos humanos que já eram evidentes, como a existência do cárcere privado, da vigilância constante e da ausência de salário, havia a questão de sua pensão.
A doméstica supostamente recebia 8,4 mil reais, resultado de seu casamento com um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial chamado Marino Lopes da Costa. Todavia, esse dinheiro nunca teria passado pelas mãos da mulher, de acordo com as conclusões da investigação, que foram divulgadas pelo UOL.
Ele foi em vez disso investido, por exemplo, na educação de uma das filhas de Maria das Graças, Vanessa, que se formou em medicina pela Faculdade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, no ano de 2007. Durante cerca de 17 anos, a pensão da empregada doméstica dos Milagres Rigueira ajudou a financiar o estilo de vida deles.
O planejamento que levou ao roubo da pensão
A quantia não teria caído nas mãos deles por acaso, porém, sendo em vez disso fruto de um esquema muito bem planejado.
Nesse ponto é importante perceber, por exemplo, que o matrimônio que gerou essa pensão ocorreu em 2001, com a morte do ex-soldado em 2003. Marino Lopes tinha 80 anos quando faleceu, e sua saúde já não era como antes fazia muito mais tempo.
Tampouco era um desconhecido: era o tio da esposa de Dalton César Milagres Rigueira, outro filho de Maria das Graças. O casório foi principalmente organizado pela patroa da doméstica, também.
Segundo concluído pelos auditores do caso de Madalena, ela foi colocada em um matrimônio com o objetivo de dar um golpe do baú: com o resultado da morte do marido, eram 8,4 mil reais na conta, mas não na conta da doméstica, e sim dos patrões que controlavam a vida dela.
Desfecho
Graças ao trabalho do Ministério do Trabalho em parceria com a Polícia Federal, todavia, Madalena Gordiano afinal foi retirada dos esquemas da família que a controlava, tendo sua liberdade devolvida para controlar o próprio dinheiro, e, claro, começar a dar passeios no parque.
Apesar de todas as violações dos direitos humanos pelo qual passou, a doméstica contou para o Fantástico que ainda tem carinho dentro de si para dar ao mundo: “Muito, aqui dentro [põe a mão no coração] eu sou demais”, disse ela.
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