Em 1957, a caminhada da estudante negra para o colégio no sul dos Estados Unidos foi acompanhada de uma multidão racista enfurecida
A fotografia deixa marcado para gerações futuras os momentos importantes da história. Muitas vezes nem se percebe que o que está sendo capturado representa de maneira muito clara a mentalidade de certos períodos. Isso aconteceu com Will Counts, um jovem fotógrafo do jornal Arkansas Democrat, em 4 de setembro de 1957.
Naquele dia, a história estava sendo escrita por nove jovens negros selecionados pelas autoridades para cumprir uma nova ordem judicial de integração racial no país, a Brown v. Board of Education. Os “Nove de Little Rock”, como ficaram conhecidos, iriam estavam cotados para frequentar o Central High School, maior colégio da cidade estadunidense de Little Rock, no Arkansas.
A ideia era que os estudantes deveriam se encontrar com a ativista Daisy Bates para entrar no colégio pelos fundos. Os pais não deveriam acompanha-los. No entanto, essa estratégia não chegou aos ouvidos da jovem Elizabeth Eckford, na época com apenas 15 anos e sem telefone em sua casa. O fato é que a menina chegou completamente sozinha à entrada da escola.
Reações
Uma multidão enfurecida estava esperando Elizabeth na porta do colégio. Com um vestido branco feito em casa, óculos escuros e um caderno em seus braços, a menina passou a ser alvo de inúmeras ofensas, que diziam em uníssono que ela não pertencia àquele local. Até mesmo a Guarda Nacional de Arkansas, sob ordem do governador do estado, Orval Faubus, a impediu de adentrar o ambiente escolar.
Jovens e adultos brancos estavam cercando a entrada da escola, interferindo no caminho da jovem para suas aulas. Eles gritavam com uma raiva racista declarada: "dois, quatro, seis, oito, não vamos nos integrar”. Até então exclusivo para brancos, o Central High School tentava abrir portas à inclusão, mas parecia ser bloqueado.
O momento foi registrado por Will Counts e a principal foto tirada no dia revelou o primeiro “encontro” entre Elizabeth Eckford e uma das mulheres brancas que ficou em evidência no registro, Hazel Bryan. A jovem de apenas 15 anos e meio estava gritando enfurecida à tentativa da estudante negra de obter educação no colégio — ainda — branco.
Enquanto Elizabeth ficou conhecida por ter sido a primeira afro-americana a integrar uma escola branca no sul dos Estados Unidos, tornando-se ícone da luta por direitos dos negros, Hazel era o outro lado da moeda. Ela cristalizou todo o racismo e a intolerância praticada por brancos em todo o país, tanto na época, até os dias de hoje.
Depois da foto
Após o momento que demarcou a experiência negra nos Estados Unidos, os Nove de Little Rock foram admitidos na escola, mas longe de ficarem em paz. De fato, a lei não mudara o comportamento da multidão que os esperou do lado de fora do Central High School no dia 4 de setembro de 1957. Elizabeth foi, inclusive, a primeira do grupo a ser empurrada por outro estudante na escada do colégio.
Hazel estava recebendo também a atenção de ter sido a antagonista da fotografia mais cotada para o Prêmio Pulitzer de 1958. Os pais da garota decidiram muda-la de escola após o ocorrido, e ela e a protagonista da caminhada solitária nunca se esbarraram nos corredores. Elas se encontraram novamente apenas 40 anos depois.
Elizabeth serviu ao exército, formou-se em História pela Universidade do Estado de Ohio, e seguiu sua vida. Hazel largou a escola, passou dificuldades e voltou ao episódio quando se mudou para Little Rock novamente. Passou a fazer trabalho voluntário e participava de um ativismo comunitário.
O encontro tão polêmico deu-se no evento que lembrava o 40º aniversário do dia 4 de setembro de 1957, quando a jovem negra foi impedida de entrar na escola. As duas tiraram fotos, conversaram, e até mesmo chegaram a desenvolver uma frágil amizade. Mas isso não durou muito tempo.
Por mais que Hazel parecesse ter mudado, para Elizabeth, ela estava fingindo uma “amnésia” sobre o que havia feito naquele dia. Ela não teria entendido que aquilo tinha sido errado — e essencialmente racista. Tentando passar por tudo isso, deixando a fotografia para trás, ela, de fato, não estava se desculpando pelo grito intolerante.
A situação das duas mulheres continua, assim como o registro marcou a segregação racial dos anos 50, representando a relação dos Estados Unidos com o racismo nos dias de hoje. Os afro-americanos não esqueceram tudo o que tiveram que passar, por mais que o país tente colocar isso em baixo do tapete em nome da “reconciliação”.
+Saiba mais sobre o tema pelas obras disponíveis na Amazon:
Radical Chic and Mau-Mauing the Flak Catchers (Edição Inglês), de Tom Wolfe (2010) - https://amzn.to/2DMlCu1
A liberdade é uma luta constante, de Angela Davis (2018) - https://amzn.to/2DIgN4W
Uma autobiografia, de Angela Davis (2019) - https://amzn.to/2YeUBsL
Panther is the New Black: Representação e Cultura na Comunicação do Filme Pantera Negra, de Rodrigo Sérgio Ferreira de Paiva (2019) - https://amzn.to/2OPeu6n
Mulheres, cultura e política, de Angela Davis (2017) - https://amzn.to/2P9Ylrg
Vale lembrar que os preços e a quantidade disponível dos produtos condizem com os da data da publicação deste post. Além disso, a Aventuras na História pode ganhar uma parcela das vendas ou outro tipo de compensação pelos links nesta página.
Aproveite Frete GRÁTIS, rápido e ilimitado com Amazon Prime: https://amzn.to/2w5nJJp
Amazon Music Unlimited – Experimente 30 dias grátis: https://amzn.to/2yiDA7W