A vida de Elisabeth da Áustria, conhecida como Sissi, foi marcada por conflitos pessoais e desafios ao longo de sua jornada como imperatriz
A vida de Elisabeth da Áustria, conhecida hoje como Sissi, foi marcada por conflitos pessoais e desafios ao longo de sua jornada como imperatriz. Casada com Franz Josef, ela logo se viu confrontada com as rígidas regras da corte vienense e a figura dominante de sua sogra, a arquiduquesa Sophie.
Isolada emocionalmente e distante de seu marido, Sissi buscou refúgio em seus interesses pessoais, como literatura, poesia e viagens. Fascinando até hoje diferentes gerações, sua história inspirou a série 'A Imperatriz', da Netflix, que recentemente retornou para a segunda temporada.
Embora retrate a imperatriz, a produção não compreende um material documental sobre sua trajetória. Com isso em mente, conheça a verdadeira imperatriz.
Em um cenário de turbulências políticas na Europa do século XIX, com o fortalecimento da Prússia e as tensões com a Hungria, Sissi se envolveu ativamente em questões políticas e sociais, especialmente em relação à cultura húngara.
No entanto, sua busca por liberdade e identidade pessoal a levou a uma vida de intensas viagens e constantes confrontos com as expectativas de sua posição.
Elisabethnasceu em 1837 na Baviera, um rico reino católico que hoje é o maior estado da Alemanha. Ela era a quarta de dez filhos do duque Maximiliano José da Baviera e da princesa Ludovika, filha do rei Maximiliano I da Baviera.
María Pilar Queralt del Hierro, historiadora e autora do livro "A sombra de Sissi: a trágica história de uma família amaldiçoada", explicou em reportagem à National Geographic em 2019 que na época, o reino passava por mudanças, à medida que Áustria e Prússia se tornavam mais poderosas.
Segundo Hierro, quando Elisabeth e suas irmãs chegaram à idade de casar, a mãe, Ludovika, começou a planejar seus casamentos. A tia de Sissi, Sophie, era casada com o arquiduque da Áustria, Franz Karl, e seu filho Franz Josef, que se tornaria imperador austríaco em 1848, aos 18 anos. Considerado um bom partido, Josef foi visto como uma possível escolha para uma das filhas de Ludovika.
Embora Sissi tivesse apenas 15 anos e fosse considerada muito jovem, a atenção se voltou para sua irmã mais velha, Helene, cujas qualidades eram mais adequadas para ser a consorte imperial. Em 1853, após negociações, Helene foi convidada para Bad Ischl, onde a família imperial passava o verão, com a intenção de garantir o noivado.
Inicialmente, apenas Helene e Ludovika viajariam para Bad Ischl naquele verão, mas Sissi acabou se juntando a elas. Tímida e introvertida, Elisabeth não parecia interessada em romance, afirmou a historiadora.
No entanto, logo após a chegada, cortesãos atentos notaram que o imperador não estava interessado em Helene, mas em sua irmã mais nova.
Apesar das tentativas de direcionar a atenção de Franz Josef para Helene, ficou claro que ele preferia Elisabeth. Diante disso, sua mãe e tia decidiram apoiar o casamento dela com o imperador.
O obstáculo de serem primos de primeiro grau foi rapidamente superado com uma dispensa papal. Em 24 de abril de 1854, Sissi casou-se com Franz Josef em uma cerimônia em Viena, tornando-se imperatriz da Áustria.
De acordo com Hierro, o jovem casal teve pouco tempo para desfrutar da união. Embora Franz Josef estivesse profundamente apaixonado por sua nova esposa, suas responsabilidades imperiais o deixavam com pouco tempo para a vida íntima.
A Áustria, após as revoluções de 1848, ainda lidava com desafios internos. A vitória sobre a Hungria não havia resolvido completamente os problemas, e as tensões com a Rússia e os Bálcãs estavam em ascensão.
A vida de Sissi foi rigorosamente controlada, com pouca privacidade. No dia seguinte ao casamento, toda a corte foi informada sobre a consumação da união. Ao se estabelecer no palácio imperial de Viena, ela logo sentiu falta de sua vida anterior na Baviera, especialmente por causa de sua educação não convencional, que contrastava com a rigidez da corte vienense.
A etiqueta da corte a deixava sobrecarregada, e suas damas de companhia, muito mais velhas, não ofereciam a companhia que ela desejava. Com o marido imerso nos assuntos do Estado, ela se sentia solitária.
Sissi entrou em conflito com sua sogra, a arquiduquesa Sophie, uma mulher formidável que, embora também tivesse crescido na Baviera, impunha suas normas de forma rigorosa à nova imperatriz, explicou Hierro.
Menos de um ano após o casamento da imperatriz, quando ela deu à luz sua primeira filha, a arquiduquesa insistiu que a criança levasse seu nome e assumiu o cuidado dela, alegando que a mãe era jovem demais para tal responsabilidade.
Quando Sissi teve sua segunda filha, Gisela, Sophie novamente tentou controlar a situação, mas desta vez ela se opôs, transferindo a criança para seus próprios aposentos.
Entretanto, a vitória de Elisabeth foi breve. Na primavera de 1857, sua filha, Sophie, morreu de disenteria durante uma viagem à Hungria. Sissi, devastada pela perda da filha de dois anos, entrou em uma profunda depressão.
A partir desse momento, ela renunciou à responsabilidade de cuidar de Gisela, deixando sua sogra assumir novamente esse papel. O sofrimento de Elisabeth continuou, e mesmo o nascimento de um filho, Rudolf, no ano seguinte, não aliviou a tristeza que a consumia, afirmou a historiadora.
Apesar de suas aflições internas, Sissi mantinha uma aparência exterior impecável, algo que ela cultivava com obsessão. Famosa por sua beleza, ela dedicava longas horas para cuidar de si mesma, passando três horas diárias com seus cabelos e uma hora para apertar sua cintura.
"Sua cintura tinha apenas cinquenta centímetros, que os espartilhos reduziam ainda mais para quarenta. Para manter essa circunferência tão estreita, ela usava um espartilho especial apertado em três lugares diferente, num processo que chegava a demorar uma hora", detalha o livro 'Sissi e o Último Brilho de Uma Dinastia', escrito por Paulo Rezzutti e Cláudia Thomé Witte.
À medida que envelhecia, sua preocupação com as rugas se intensificava, chegando ao ponto de dormir com fatias de vitela crua em seu rosto para tentar retardar o envelhecimento, repercute Hierro.
Além disso, Sissiseguia uma dieta restrita e praticava exercícios rigorosos todos os dias, incluindo caminhadas, passeios a cavalo e levantamento de peso. Sua obsessão por fitness, no entanto, tomou proporções doentias, assemelhando-se aos sintomas de transtornos alimentares modernos.
Com à ausência de proteínas essenciais em sua alimentação, a imperatriz lidou com uma anemia aguda, assim retomando o consumo de carne vermelha.
Para fazer isso sem abandonar seu regime, Sissi mandava espremerem carne de vaca num equipamento e em seguia bebia o suco resultante", continua o livro de Rezzutti.
A imperatriz também tinha uma mente ativa e uma grande paixão pela literatura e poesia, especialmente pelas obras de Heinrich Heine. Buscando uma fuga da sufocante atmosfera de Viena, ela seguiu o conselho de seus médicos e se retirou para a ilha da Madeira, em Portugal, onde vivia em uma vila com vista para o Atlântico.
Segundo Hierro, nessa vila ela se entregava à leitura, caminhadas e ao contato com a natureza. Sua estadia na Madeira foi a primeira de uma série de viagens pela Europa, onde procurava aliviar sua infelicidade, absorvendo culturas e paisagens diferentes.
Em 1861, ansiosa para se reunir com seus filhos, Sissi retornou a Viena, mas logo os conflitos com sua sogra reemergiram. Elisabeth se recusava a comparecer a compromissos públicos e alegava doenças físicas e nervosas.
Novamente, foi aconselhada pelos médicos a buscar um clima mais quente e optou pela ilha de Corfu, no Mediterrâneo. Um ano depois, em 1862, após uma visita à Baviera, ela retornou a Viena.
Após a revolta de 1848, a Áustria havia suprimido os direitos constitucionais da Hungria. Como imperatriz, Sissi se encantou pela cultura e política húngaras e aprendeu a língua húngara.
Ela estreitou laços com Gyula Andrássy, um patriota húngaro. Seu apoio a ele, que era visto como traidor pela corte vienense, gerou animosidade, mas foi fundamental para manter a Hungria dentro do império.
Após a derrota da Áustria pelos prussianos na Batalha de Königgrätz, em 1866, Elisabeth se refugiou com seus filhos em Budapeste, um gesto que foi interpretado pelos húngaros como um sinal de boa vontade.
Graças ao lobby da imperatriz, Andrássy negociou com Franz Josef os termos que garantiram à Hungria sua própria constituição. Em 1867, o império foi reconfigurado como uma união de dois estados soberanos, Áustria e Hungria, com governos separados, mas unidos sob uma única coroa, conforme conta a reportagem.
Em 8 de junho de 1867, Franz Josef e Elisabeth foram coroados monarcas constitucionais da Hungria, e o povo húngaro presenteou o casal com o castelo de Godollo, nos arredores de Budapeste. No ano seguinte, Sissi deu à luz sua última filha, Maria Valerie, no castelo.
A imperatriz passou longos períodos em Godollo com seus filhos. Quando Gisela se casou e Rudolf iniciou seu treinamento militar, ela começou novas viagens, agora acompanhada por Maria Valerie. Em 1874, usando o pseudônimo de Condessa de Hohenembs para manter o anonimato, Sissi fez uma excursão pela Europa com sua filha mais nova.
Enquanto isso, as tensões com Franz Josef cresciam, à medida que o casal se distanciava. Em 1885, Katharina Schratt, uma atriz de Viena, se tornou uma figura na vida do imperador. Sissi, poém, não se opôs ao relacionamento, reconhecendo a solidão e a incompatibilidade de seu casamento.
Uma tragédia devastadora abalou a família imperial no início de 1889: o príncipe herdeiro Rudolf, filho de Sissi e herdeiro do trono, e sua amante de 17 anos, Marie Vetsera, foram encontrados mortos em um aparente suicídio duplo no pavilhão de caça de Mayerling.
O "Incidente de Mayerling" rapidamente se transformou em um escândalo que repercutiu por toda a Europa, e a morte de Rudolf mergulhou o império em uma crise de sucessão.
Para Sissi, a perda de seu filho a mergulhou em uma depressão profunda. Após a tragédia, a imperatriz passou a viajar incessantemente, buscando refúgio em Corfu, onde mandou construir seu palácio de verão, o Achilleion.
Em setembro de 1898, Sissi visitou Genebra. No dia 10, ao caminhar até a beira do lago para pegar uma balsa para Montreux, ela foi esbarrada por um pedestre. Sentiu uma dor aguda no peito, mas seguiu em frente. Ela havia sido esfaqueada. A imperatriz de 60 anos desmaiou devido à perda de sangue e morreu ainda naquela noite, contou Hierro.
Seu assassino, o anarquista italiano Luigi Luccheni, declarou em sua confissão que não tinha motivo pessoal contra a imperatriz, mas que seu único objetivo era matar um membro da realeza.
Sissi, que havia expressado o desejo de ser enterrada nas margens do Mediterrâneo, teve sua vontade ignorada por Franz Josef, que a sepultou na Cripta dos Capuchinhos, em Viena, onde permanece até hoje.