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Matérias / Alemães

Há 200 anos: Como foi a chegada dos primeiros alemães em terras brasileiras

Os primeiros alemães no Brasil criaram um sistema econômico baseado no minifúndio, indústria e mão de obra livre, contribuindo para a diversidade cultural e religiosa

Rodrigo Trespach Publicado em 22/07/2024, às 18h00 - Atualizado em 26/07/2024, às 18h29

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Tempora mutantur, 1889, de Pedro Weingärtner, retrata a colonização rural no estado do Rio Grande do Sul - Wikimedia Commons/Pedro Weingärtner
Tempora mutantur, 1889, de Pedro Weingärtner, retrata a colonização rural no estado do Rio Grande do Sul - Wikimedia Commons/Pedro Weingärtner

Há duzentos anos, em 25 de julho de 1824, chegavam à Feitoria do Linho Cânhamo, junto ao Rio dos Sinos — a poucos quilômetros da capital gaúcha —, os primeiros 39 imigrantes alemães. O grupo fazia parte de um projeto do governo imperial: a primeira colônia não lusa no Sul do Brasil.

Dois meses mais tarde, o estabelecimento recebeu o nome de São Leopoldo, homenagem a d. Leopoldina (1797- 1826), arquiduquesa da Áustria – o mais poderoso país de língua alemã na Europa – e esposa do imperador d. Pedro I (1798-1834).

Até o fim do Primeiro Reinado (1824-31), aproximadamente 5 mil alemães chegariam à nova colônia.

Primeiras experiências

Desde o século 16, o Brasil sempre fora atrativo para aventureiros e comerciantes com origem nos diversos países de língua alemã da Europa – embora Portugal fizesse questão de manter sua colônia longe de olhos interesseiros. Seriam textos em alemão, inclusive, os primeiros a usar o termo “Brasil” para nomear as terras onde Cabral desembarcou.

Uma cópia manuscrita de Newen Zeytung auss Presillg Landt – Nova Gazeta da Terra Brasil –, onde o nome Brasil aparece grafado como Presillg, é datado por muitos como sendo de 1514 e, por alguns outros, como sendo logo após o desembarque, entre 1503 e 1508.

Mesmo que a data mais provável seja mesmo algum ano por volta de 1530, ainda assim o impresso é um dos mais antigos documentos a usar o nome que se popularizou e foi oficializado pelos portugueses somente na segunda metade do século 16.

Ainda que cientistas e artistas alemães circulassem ao redor do Brasil, especialmente no Rio de Janeiro – onde atuavam muitos comerciantes falantes do alemão –, até o começo do século 19 não havia colônias germânicas estabelecidas em qualquer parte do país. A própria Alemanha ainda não era um país como conhecido hoje. Não existia uma organização coesa e homogênea.

A Alemanha dos anos 1820 era composta por vários Estados semi-independentes, de diferentes tamanhos, unidos por uma língua comum. Eles compunham a Confederação Alemã, criada após a derrota de Napoleão e o Congresso de Viena, em 1815. Além da Áustria e da Prússia – as grandes potências da época –, havia 33 Estados e quatro cidades-livres.

Dentro desse contexto, os imigrantes estabelecidos no Brasil durante o Primeiro Reinado tinham nacionalidade hamburguesa, bávara e hessiana, entre outras.

Os portugueses planejavam a instalação de colonos de origem não lusa no Brasil desde o século 18, mas nenhuma iniciativa concreta foi tomada até a chegada do rei d. João VI (1767-1826) ao Rio de Janeiro, em 1808. A imigração de açorianos, no entanto, tivera início em 1748. Em 1810, o monarca assinou com a Inglaterra o tratado de Aliança e Amizade, comprometendo-se com a extinção gradual do tráfico de escravizados.

Com a exigência externa pelo fim da economia escravagista e a necessidade de criação do sistema de minifúndio e produção artesanal, nasceu a política de imigração com europeus.

Imagem antiga de São Leopoldo / Crédito: Wikimedia Commons/Museu Paulista

Em 1811, em carta régia ao governador da província do Rio Grande do Sul, d. João VI autorizou a criação de uma colônia de irlandeses “industriosos e agricultores”. O projeto era uma iniciativa particular, não um empreendimento do governo. O plano nunca saiu do papel, mas permaneceu na cabeça do rei.

Alguns anos mais tarde, na Bahia, surgem as primeiras experiências de colônias agrícolas com imigrantes germânicos. Apesar de assegurados por concessão pelo governo português, mais uma vez a iniciativa não partiu da administração pública. Eram projetos privados, idealizados por naturalistas, cientistas e idealistas alemães.

Em 1816, Peter Weyll e Adolf Saueracker estabeleceram uma colônia em São Jorge dos Ilhéus, na margem esquerda do Rio Cachoeira, nas proximidades de Ilhéus, no extremo sul da Bahia.

No ano seguinte, perto dali, o naturalista Georg Wilhelm Freyreiss fundou, junto com um pequeno grupo de cientistas, pesquisadores e empresários alemães, uma “colônia alemã e suíça” a qual batizou de Leopoldina, em homenagem à futura imperatriz brasileira.

Mesmo que tenham atingido algum sucesso inicial, os empreendimentos não conseguiram assegurar o apoio de investidores. Em um primeiro momento, nem do governo português e, mais tarde, nem do brasileiro. A situação mudaria quando em maio de 1818, d. João VI estabeleceu as condições para a vinda de famílias suíças para o Brasil.

Nos dois anos seguintes, por intermédio do agenciador franco-suíço Sébastien-Nicolas Gachet (1770-1846), o rei português promoveu a vinda de mais de 2 mil imigrantes de língua francesa e alemã do cantão de Fribourg para a região serrana do Rio de Janeiro, onde foi criada, em 1819, a colônia de Nova Friburgo. Era a primeira tentativa com patrocínio do governo lusitano de uma colônia agrícola com europeus não portugueses no Brasil.

Em carta ao imperador austríaco, sogro de seu filho e herdeiro, o rei português expôs seu objetivo quanto ao projeto para mudar a fonte da mão de obra da colônia: d. João VI decidira “substituir por colonos brancos os escravos negros”. Os camponeses e artífices europeus viriam, mas o rei de Portugal nunca conseguiu diminuir a vinda de escravizados para o Brasil. O compromisso assumido com os ingleses nunca foi cumprido integralmente.

Mais tarde, em 1826, já com d. Pedro I no trono brasileiro, o país precisou formalizar tratados abolicionistas com a Inglaterra para que os ingleses reconhecessem a independência brasileira.

Ratificado em 1827, o acordo nunca foi cumprido, assim como a lei de 1831, que declarava livre todos os africanos escravizados que entrassem no Brasil – em média, cerca de 30 mil novos cativos chegavam aos portos brasileiros anualmente. Com aproximadamente 5 milhões de habitantes, havia mais de 1,2 milhão de escravizados vivendo no país.

Julho de 1824

Com a independência do Brasil em 1822, a iniciativa da política imigratória foi então transferida para o império. O projeto agora estava a cargo de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), o principal conselheiro do imperador.

O idoso cientista, que ficaria conhecido como Patriarca da Independência, foi o responsável pela articulação que traria colonos para substituir a mão de obra escrava e soldados para garantir a soberania brasileira.

Gravura de José Bonifácio / Crédito: Wikimedia Commons/S. A. Sisson

É bem verdade que d. Pedro I estava mais interessado na vinda de soldados do que na de colonos e deixou isso registrado em inúmeras correspondências. Com tropas portuguesas estacionadas no Brasil, o país precisava criar um Exército leal e capaz de fazer frente a Portugal.

Em agosto de 1822, José Bonifácio entregou instruções secretas a Georg Anton von Schaeffer (1779-1836) e o despachou para a Europa. Schaeffer era médico, tinha experiência internacional, era amigo e secretário da imperatriz d. Leopoldina. Como agente brasileiro, sua missão era visitar as principais cortes alemãs e obter apoio à causa nacional, enviando para o Brasil, o mais breve possível, colonos e militares.

Schaeffer embarcou para a Europa em 1º de setembro de 1822, alguns dias antes do Grito do Ipiranga. A proposta levada aos alemães era atraente. Para deixarem o lar de seus ancestrais, Schaeffer apresentava como oferta aos interessados propriedades com 77 hectares de extensão, isenção de impostos durante os dez primeiros anos, animais de criação, ferramentas e sementes.

Era uma proposta tentadora, muito além da realidade alemã naquele momento da história. Menos de 20% da população possuía propriedades que excediam dez hectares. “Aqui se recebe um pedaço de terra cujo tamanho na Alemanha corresponderia a um condado”, escreveu à família, em 1827, um colono estabelecido no Sul do Brasil.

Além disso, a Europa estava exaurida pelas Guerras Napoleônicas (1803-15), sofria com o crescimento populacional e os avanços tecnológicos da Revolução Industrial, que causavam desemprego e miséria.

Entre as poucas exigências do governo brasileiro estava a de que os imigrantes professassem a “religião cristã”, o que era algo bastante vago já que a Alemanha era a terra da Reforma Luterana, com seu território dividido entre católicos e evangélicos protestantes.

No Brasil, o catolicismo era a religião oficial e a liberdade religiosa era concedida apenas ao culto doméstico. Aos templos protestantes era proibido o uso de campanários ou de qualquer identificação externa.

A passagem transatlântica seria paga pelo governo, desde que os imigrantes servissem durante quatro anos no Exército imperial. Para tal, foram criados quatro batalhões de estrangeiros. Eram compostos por alemães dois batalhões de granadeiros (o 2º BG e o 3º BG), que atuaram na guarda da Corte e da Família Imperial; e dois de caçadores (o 27º BC e o 28º BC), com participação na Guerra Cisplatina (o atual Uruguai) e de atuação no Nordeste brasileiro (Confederação do Equador).

Em janeiro de 1824, o Argus, o primeiro navio com alemães “a serviço do império”, ancorou no porto do Rio de Janeiro. Transportava pouco mais de 280 pessoas. Os solteiros aptos foram selecionados para o serviço militar e permaneceram na capital. As famílias dos colonos foram enviadas para Nova Friburgo, aonde chegaram no dia 3 de maio.

A colônia suíça foi o destino provisório dos colonos. As levas seguintes chegadas ao país foram enviadas para Porto Alegre, onde o então presidente da província José Feliciano Fernandes Pinheiro (1774-1847) lhes daria o destino final: a colônia alemã de São Leopoldo. A chegada do primeiro grupo aconteceu provavelmente em 23 de julho e não no dia 25, data consagrada em 1924, o ano das comemorações do Centenário da Imigração Alemã.

Estes pioneiros haviam desembarcado no Brasil no transatlântico Anna Louise, que havia chegado ao Rio em junho de 1824. No final daquele mês, foram embarcados no bergantim São Joaquim Protector e enviados para o Sul. Em 18 de julho, chegaram a Porto Alegre. Ali, foram recebidos por Fernandes Pinheiro, acomodados e assistidos com “carne, farinha, algum legume e tempero de toucinho e sal”. Após alguns dias, foram encaminhados para o local da futura colônia.

Antes de deixar o Rio Grande do Sul para servir como ministro de d. Pedro I na capital do império, Fernandes Pinheiro – mais tarde visconde de São Leopoldo – também idealizou uma colônia alemã no litoral norte gaúcho.

Três Forquilhas tinha como finalidade guarnecer um porto que substituiria o de Rio Grande. O porto nunca saiu do papel, mas a colônia foi instalada com 422 imigrantes, divididos em dois núcleos coloniais distintos: de um lado foram assentados os católicos, nos atuais municípios de Dom Pedro de Alcântara e Morrinhos do Sul; do outro os protestantes, entre Três Forquilhas e Itati, atendidos pelo pastor luterano Carl Leopold Voges (1801-93).

A ideia da imigração e povoamento com alemães no Brasil passava pela necessidade de criação de uma nova classe média, que desenvolvesse a policultura e o artesanato (que seria o embrião de uma indústria inexistente), povoasse áreas de fronteira e que fosse capaz de abastecer e defender cidades importantes.

São Leopoldo cumpriu muito bem esse papel, mais do que Nova Friburgo ou qualquer outra tentativa anterior. Dessa forma, mesmo não sendo o projeto pioneiro, a cidade é considerada o berço da imigração alemã no Brasil, justamente pelo sucesso no empreendimento, apesar de todos os custos e dificuldades iniciais.

Ou seja, criar uma cidade no meio da mata a partir do nada, produzir excedente e estabelecer comércio com diversas áreas, sem rotas de escoamento estabelecidas. Sem contar as dificuldades socioculturais, a língua estranha aos nacionais e, na maioria dos casos, professando uma fé distinta da Igreja oficial do país.

O trabalho de recrutamento de alemães perdurou mesmo depois da saída de José Bonifácio do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Com uma forte oposição política no país, contrária à política de imigração, principalmente a que envolvia a vinda de soldados, Schaeffer precisou retornar ao Brasil em 1828. Uma rebelião de militares alemães e irlandeses no Rio de Janeiro daquele ano pôs fim ao apoio do governo ao projeto.

No ano seguinte, deu-se início a desmobilização das tropas que haviam servido no Exército Imperial. A pressão aumentou até que d. Pedro I assinasse, em dezembro de 1830, a Lei do Orçamento, cortando os gastos tanto com a imigração de mercenários para o Exército quanto o de colonos e artesãos para os núcleos coloniais já existentes.

Após o Primeiro Reinado

Com base no projeto iniciado em 1822, após a criação de São Leopoldo, em 1824, e de Três Forquilhas, também no Rio Grande do Sul, em 1826, foram criadas ainda as colônias de Santo Amaro e Itapecerica, em São Paulo (1827 e 1828); São Pedro de Alcântara, em Santa Catarina (1829); e Rio Negro, no Paraná (1829).

Colonos da região de São Leopoldo no fim do século XIX / Crédito: Wikimedia Commons/Domínio público

Em menos de seis anos, aproximadamente 11 mil alemães haviam entrado no Brasil. Mais da metade deles professava um credo protestante – luterano, calvinista ou de outras denominações menores.

Em 1834, uma alteração na Constituição permitiu que a iniciativa e a organização de colônias ficassem a cargo da administração provincial e não mais do governo imperial.

Se durante o Primeiro Reinado a imigração estava associada a critérios geopolíticos e econômicos, após essa data o critério passou a ser quase que exclusivamente econômico, de interesse tanto das províncias quanto de particulares.

Com o fim do período regencial (1831-40) e o término da Revolução Farroupilha (1835-45), o país retomou a iniciativa de imigração e novos núcleos coloniais se multiplicaram pelo país.

Apenas para mencionar os mais significativos: Petrópolis, no Rio de Janeiro (1845); Santa Isabel (1847) e Leopoldina (1857), no Espírito Santo; Blumenau (1850) e Dona Francisca (1851), em Santa Catarina; e Santa Cruz do Sul (1849), Santo Ângelo (1857) e São Lourenço do Sul (1858), no Rio Grande do Sul.

Até a segunda década do século 20, somente no Rio Grande do Sul haviam sido criadas 140 colônias. Em 1847, o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (1778-1859) conseguiu um empréstimo do governo para financiar a vinda de algumas famílias alemãs para trabalhar em suas lavouras de café, na fazenda Ibicaba, em Limeira, São Paulo. Os imigrantes plantavam, cultivavam e colhiam em um sistema de “parceria”.

O modelo tinha por base um contrato que destinava à família do colono certo número de pés de café para o cultivo e uma determinada área de exploração para subsistência. A remuneração era proporcional ao montante de gêneros produzido pela família imigrante, descontadas as despesas de transporte, adiantamentos e recursos para a instalação inicial.

O método usado por Vergueiro alcançou muito sucesso entre os fazendeiros, mas não era bem-visto pelos colonos, que o consideravam uma espécie de escravidão, já que os imigrantes não tinham liberdade de ação. Em 1858, uma revolta liderada pelo colono Thomas Davatz desacreditou o Brasil no cenário internacional.

O cônsul-geral da Prússia no Brasil passou a promover maciça campanha antibrasileira na Alemanha e o governo prussiano aprovou um regulamento que proibiu a propaganda e o aliciamento de agricultores para o Brasil. Mais tarde, com criação do Império Alemão, em 1871, além da Prússia, o chamado Regulamento Von der Heydt foi estendido a todos os estados alemães, sendo revogado somente duas décadas depois

A campanha promovida contra o Brasil, no entanto, não impediu a chegada de novas levas. Na segunda metade do século 19, o número de imigrantes alemães aumentou consideravelmente. Cem anos depois da fundação de São Leopoldo, aproximadamente 400 mil pessoas falavam alemão no Rio Grande do Sul.

“Não se houve em volta outra língua a não ser o alemão. A atmosfera é germânica e é difícil lembrar-se de que se está a centenas de milhas da Alemanha, no coração das florestas brasileiras”, escreveu um viajante britânico em visita a São Leopoldo, no início dos anos de 1870. Na última década do século 19, aproximadamente 20 mil alemães chegaram ao Brasil.

No período de vinte anos, entre o final da Primeira Guerra e o início da Segunda Guerra Mundial (1919-39), a imigração germânica atingiu seu pico. Aproximadamente 75 mil alemães desembarcaram em terras brasileiras em busca de uma nova vida.

Estima-se que entre a criação de São Leopoldo e o final da Segunda Guerra teriam chegado ao país algo em torno de 255 mil imigrantes provenientes de territórios que formam a Alemanha moderna. Segundo a Embaixada da Alemanha em Brasília, pelo menos um em cada dez brasileiros tem um ancestral germânico.

Os números são modestos se comparados aos mais de 5 milhões de alemães que se dirigiram para os Estados Unidos. De todo o modo, a comunidade germânica no Brasil contribuiu com a criação do minifúndio, com o desenvolvimento da policultura e da indústria do país, com as ciências e a educação, com as artes e com a diversidade cultural (linguística, gastronômica e arquitetônica) e religiosa do povo brasileiro.


*Rodrigo Trespach é gaúcho, historiador e escritor, autor de 1824 (Citadel Grupo Editorial). Na obra, ele narra a construção da comunidade teuto-brasileira originada do surgimento da Colônia em São Leopoldo, No Rio Grande do Sul.