No sul da Finlândia, o misterioso enterro com elementos ambíguos de gênero intrigou curiosos no último ano
Um sepultamento misterioso foi descoberto por pesquisadores em Suontaka, no sul da Finlândia, há 54 anos. Desde então, equipes vêm tentado decifrar a identidade do indivíduo enterrado, que gerou hipóteses diferentes sobre seu sexo e até mesmo gênero.
Quando o enterro foi avistado pela primeira vez, em 1968, não foi identificado nenhum caixão no local — havia apenas um esqueleto com ossos bastante degradados e alguns artefatos que ajudaram a entender mais sobre aquela pessoa, morta há mil anos.
Somente com os fêmures, como são chamados os ossos das coxas, não era possível identificar características importantes do indivíduo, como sexo e idade, a partir das feições ósseas. Os arqueólogos decidiram avaliar os objetos enterrados junto ao esqueleto.
Como oferendas fúnebres, lá estavam duas espadas, decoradas em bronze e prata, geralmente associadas a pessoas do sexo masculino — ainda que existam exceções na Escandinávia medieval — e vestes com broches típicos de roupas femininas.
Segundo relatou o jornal Folha de S. Paulo em novembro de 2021, isso fez com que o indivíduo fosse inicialmente considerado uma mulher guerreira. Ainda foi proposto que o enterro teria contado com dois esqueletos, mas a hipótese já foi contestada.
O que se sabe, a partir de uma datação feita a partir dos ossos, é que a pessoa teria morrido entre os anos de 1050 e 1150. Além disso, segundo a líder da pesquisa, Ulla Moilanen, da Universidade de Turku, na Finlândia, ela era nativa.
"Ao que parece, o indivíduo era nativo do local e pertencia a uma população falante do finlandês, a julgar pelo tipo de sepultamento e pelos broches", explicou ela em entrevista ao veículo. "As espadas são de um tipo normalmente produzido na Europa Central, o que indica que a pessoa pertencia a uma família relativamente rica e com boas conexões comerciais”.
Ela também aponta que o indivíduo parece ter sido um importante membro da comunidade.
"O indivíduo enterrado parece ter sido um membro altamente respeitado de sua comunidade. Ele foi colocado na sepultura em um cobertor macio de penas com peles e objetos valiosos”, acrescentou a pesquisadora.
No entanto, só isso não era o suficiente para explicar os artefatos encontrados no enterro, que misturavam elementos geralmente atribuídos tanto a mulheres quanto a homens. No ano passado, uma equipe de pesquisadores decidiu investigar isso.
O time formado por cientistas da Finlândia e da Alemanha, encabeçado por Ulla Moilanen, realizou uma análise de DNA usando amostras dos fêmures, ainda que seu material genético já estivesse bastante degradado.
Ainda assim, a partir de um método inovador, eles “pescaram” informações sobre os cromossomos sexuais do indivíduo, os famosos X e Y, que são essenciais para a determinação do sexo biológico de uma pessoa.
Em nota divulgada com a pesquisa, a especialista destacou que “os resultados do DNA [foram] baseados em um conjunto muito pequeno de dados”, mas já puderam sugerir resultados importantes.
Foi assim que a equipe concluiu o ocupador do túmulo provavelmente possuía uma anomalia em seu genoma, contando com dois cromossomos X e um Y, em vez de XX para o sexo feminino e XY para o masculino. Assim, é mais de 99,5% possível de que ele teria uma condição conhecida como síndrome de Klinefelter.
Quem tem essa síndrome pode possuir órgãos sexuais masculinos pouco desenvolvidos e menos pelos no rosto e corpo, assim como quadris mais largos e aumento das mamas, chamado de ginecomastia. Mas existem pessoas que não notam que têm a condição.
No estudo, publicado no periódico científico European Journal of Archaeology, os autores explicam como a síndrome não é a única explicação para o possível papel ambíguo do indivíduo na sociedade em que vivia, onde pode ter tido uma identidade não binária, misturando papéis de gênero tradicionalmente atribuídos a homens ou mulheres.
É importantes destacar que a hipótese de não-binariedade se sustenta na somatória do fator sexual da anomalia cromossômica e dos artefatos que mesclam as possibilidades associadas aos gêneros.
“Se as características da síndrome de Klinefelter eram evidentes na pessoa, ela pode não ter sido considerada estritamente uma mulher ou um homem na comunidade da Idade Média. A coleção abundante de objetos enterrados no túmulo é uma prova de que a pessoa era não apenas aceita, mas também valorizada e respeitada. No entanto, a biologia não dita diretamente a auto identidade de uma pessoa”, explicou Moilanen.
Essa é a primeira vez que a presença da síndrome em um esqueleto pode estar sendo refletida na ambiguidade das oferendas fúnebres identificadas no sepultamento, ainda que outros indivíduos com a condição já tenham sido encontrados em sítios arqueológicos no mundo, visto que a condição não é tão rara.