Anne Frank e sua família viveram escondidos no anexo de Prinsengracht, em Amsterdã
Victor Locateli sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 03/09/2023, às 13h00 - Atualizado em 04/09/2023, às 19h35
Durante a Segunda Guerra Mundial, minorias foram brutalmente perseguidas. Uma delas era Anne Frank, conhecida, atualmente, por seus registros realizados neste período triste da história mundial.
Foi no dia 4 de agosto de 1944, que Anne, sua família e outros quatro colegas refugiados, Hermann, Auguste e Peter Van Pels, e Fritz Pfeffer, que viviam escondidos no anexo de Prinsengracht, em Amsterdã, foram presos após serem alvos de uma denúncia anônima. Naquele dia, o Sicherheitsdienst e a SS-Oberscharfuhrer Karl Silbernba chegaram ao espaço com o auxílio da polícia holandesa.
A menina, que registrava a sua rotina no esconderijo em seu diário, saiu da Alemanha com sua família em 1933, e para escaparem da crescente onda antissemita vivida pela comunidade judaica após Hitler ser eleito, foram para a Holanda.
Em 1942, a irmã de Anne, MargotFrank, recebeu uma carta de convocação, como consequência, toda a família teve que se mudar para o anexo secreto, que ficava localizado na parte de trás do escritório do pai de Anne e Margot, OttoFrank. A gerente de escritório de Otto, MiepGies, os ajudou se esconderem no espaço.
Segundo o Independent, um documento da Casa de Anne Frank mostra um registro feito por Miep Gies. É o momento que o escritório é invadido pela polícia.
A porta se abriu e um homem pequeno entrou. Ele apontou para mim o revólver que tinha na mão e disse: ‘Fique sentada! Não se mova!’”, diz Gies.
Neste instante, Victor Kugler, que ajudou Gies a esconder a família no anexo secreto acessado através da estante móvel no fundo da sala, teve que orientar o caminho para o lugar em que estavam os Franks e demais colegas.
O fim dessa história se deu com a prisão de todos eles, forçados a entrarem em campos de concentração. O único a sobreviver foi Otto Frank.
O atual diário de Anne Frank foi publicado em 1947 com o título “O Diário de uma Jovem”, por Otto Frank. No livro, a jovem tinha os registros endereçados a “Kitty”, uma amiga imaginária, e relata o período correspondente de junho de 1942 até os dias que antecederam a captura da família. Nos relatos, ela fala sobre o momento antes de sua família passar a viver no anexo e como sua vida se transformou no local.
O último relato de Anne Frank em seu diário se deu no dia 1º de agosto de 1944, em uma terça-feira, e diz:
"Terça-feira, 1º de agosto de 1944
Querida Kitty
Pequeno feixe de contradições." Foi assim que terminei minha última carta e é assim que desejo principiar esta. "Um pequeno feixe de contradições." Pode me dizer exatamente o que é isto? Que quer dizer contradição? Como acontece com tantas outras palavras, pode significar duas coisas: contradição de fora e contradição de dentro.
A primeira é a costumeira "não cede facilmente, sempre sabe mais, tem sempre a última palavra", enfim, todas as qualidades desagradáveis de que me acusam. Da segunda, ninguém sabe, o segredo é meu.
Já disse a você, certa vez, que possuo dupla personalidade. Em uma delas encontra-se minha alegria exuberante, que faz graça de tudo, meu entusiasmo e principalmente a maneira como levo tudo na brincadeira. Talvez por isso não me ofenda um flerte, um beijo, um abraço, uma anedota suja. Esta está quase sempre à espreita e empurra o outro, que é muito melhor, mais profundo e mais puro. Você precisa compreender que ninguém conhece o lado melhor de Anne, e é por isso que a maioria das pessoas me acha insuportável. Se durante uma tarde faço uma porção de palhaçadas, todos se fartam de mim por um mês. Realmente, é como filme de amor para pessoas de mentalidade séria: simples distração que diverte, sem chegar a ser boa. Envergonho-me de contar isso a você, mas como é verdade, vou falar. Meu lado superficial e frívolo está sempre mais alerta que o lado profundo, e por isso há de sair sempre vencedor. Você nem imagina quantas vezes tentei empurrar para longe essa Anne. Tentei mutilá-la, escondê-la, porque, afinal de contas, ela é apenas metade do total que se chama Anne; mas não adianta, e eu sei, também, por que não adianta.
Tenho muito medo de que as pessoas que me conhecem superficialmente venham a descobrir que possuo um outro lado, melhor, mais bem-cuidado. Receio que riam de mim, que me achem ridícula e sentimental, que não me levem a sério. Estou acostumada a não ser levada a sério, mas é só a Anne despreocupada que se acostumou a isso e o suporta. A Anne mais profunda é sensível demais para tal. Se realmente obrigo a Anne boa a ir para o centro do palco, nem que seja por quinze minutos, ela se encolhe toda e acaba cedendo o lugar à Anne número 1, e antes que perceba o que se passa, vejo que desapareceu.
A boa Anne, portanto, não aparece quando tem gente, até hoje nunca se mostrou, nem uma só vez, mas é a que predomina quase sempre quando estamos a sós. Sei exatamente como desejaria ser, como sou, aliás... lá no íntimo. Infelizmente sou assim só para mim mesma. E estou certa de que é por isso mesmo que eu digo que intimamente tenho um gênio bom e que os outros pensam que exteriormente é que tenho gênio bom. No íntimo sou guiada pela Anne pura, mas exteriormente não passo de uma cabritinha travessa, à solta.
Como já disse, nunca expresso meus sentimentos verdadeiros sobre coisa alguma, e foi assim que adquiri a fama de namoradeira, sabe-tudo e leitora de histórias de amor. A Anne jovial dá risada, uma resposta atrevida, sacode os ombros com indiferença, comporta-se como se não ligasse, mas as reações da Anne silenciosa são exatamente o oposto. Para ser sincera, devo admitir que isso me magoa, que tento mudar por todos os meios, mas que estou sempre em luta contra um inimigo muito mais poderoso. Dentro de mim soluça sempre a mesma voz: "Pronto, nisto é que você se tornou! Sem caridade, ares superiores, atrevida. Ninguém gosta de você, e isso por você não atender aos conselhos da sua metade melhor".
Bem queria atender, mas não adianta; se fico sossegada e séria, todos pensam que estou tramando alguma e, então, tenho que sair da situação inventando nova brincadeira; isso sem falar na minha própria família, que certamente pensaria que estou doente e me faria engolir comprimidos para dor de cabeça, para os nervos, me apalparia o pescoço e a cabeça para ver se tenho febre, me perguntaria se ando com prisão de ventre e, não achando nada, acabaria me criticando por meu mau humor. Não aguento esses cuidados: se me fiscalizam fico malcriada, depois infeliz e, finalmente, viro meu coração do avesso para que o lado mau fique de fora e o bom para dentro, e continuo tentando encontrar a maneira de ser como desejo ser, como poderia ser, se... se não houvesse mais ninguém vivo neste mundo...
Sua Anne”.