Em 2003, Kathleen Folbigg foi considerada culpada pela morte de seus quatro filhos; agora, porém, ela foi inocentada e deve receber indenização recorde
Em 2003, Kathleen Folbigg foi considerada culpada pelo assassinato de três de seus filhos e pelo homicídio culposo de outro. Por conta disso, a serial killer de bebês ficou conhecida como a "mulher mais odiada" da Austrália.
Entretanto, nesta quinta-feira, 14, Folbigg teve sua condenação anulada após passar mais de 20 anos na prisão. Segundo relata o The Guardian, o tribunal de apelações australiano inocentou Kathleen após um recente inquérito examinar novas evidências científicas sobre as mortes, o que levantou dúvidas razoáveis sobre a culpa da mulher — hoje com 56 anos.
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Por conta do processo, Kathleen Folbigg já havia sido perdoada e liberta da prisão em junho. Agora, seu caso pode resultar no maior pagamento de indenização por uma condenação injusta da história do país.
Durante quase um quarto de século, enfrentei descrença e hostilidade", disse Folbigg depois de ser absolvida. "Sofri abusos em todas as suas formas. Eu esperava e rezei para que um dia pudesse estar aqui com meu nome limpo. Espero que ninguém mais tenha que sofrer o que eu sofri".
Quando Folbigg foi considerada culpada, o tribunal não se baseou em provas médicas que explicassem como os quatro filhos pequenos da mulher — Caleb, Patrick, Sarah e Laura — vieram a falecer entre 1989 e 1999. As crianças tinham entre 19 dias de vida e 18 meses.
O The Guardian aponta que, ao invés disso, a acusação usou anotações feitas no diário de Kathleen como confissões de culpa. Além disso, o caso contra a mulher também se baseou na ultrapassada Lei de Meadow — que apontava que quando ocorressem três ou mais mortes súbitas de crianças numa família, os casos se tratavam de homicídios até que se provasse o contrário.
Em uma passagem escrita por Kathleen Folbigg, em 1998, sobre sua filha Laura (a última a morrer), ela diz: "Gritei com ela com tanta raiva que a assustou, ela não parava de chorar. Fiquei tão mal que quase a deixei cair propositalmente no chão e parti".
"Eu me contive o suficiente para colocá-la no chão e sair andando. Fui para o meu quarto e deixei ela chorando. Provavelmente cessou em 5 minutos, mas pareceu uma vida inteira. Eu me sinto a pior mãe deste mundo. Com medo de que ela me deixe agora. Como Sarah fez. Eu sabia que era mal-humorado e cruel às vezes com ela e ela se foi".
Nesta quinta-feira, Folbigg acusou a promotoria de interpretar suas palavras fora do contexto. "Eles escolheram palavras e frases dos meus diários. Esses livros continham meus sentimentos particulares, que escrevi para mim mesma".
Eles tiraram minhas palavras do contexto e as viraram contra mim. Eles me acusaram de algo sobre o qual nunca escrevi, nunca fiz e nunca poderia fazer", completou.
A luta pela comprovação da inocência de Kathleen Folbigg não partiu do sistema jurídico da Austrália, que não possui um órgão independente para investigar possíveis erros judiciais. Assim, o caso dependia de pessoas independentes que buscassem pela verdade.
Uma destas foi Emma Cunliffe, especialista em justiça da Universidade da Colúmbia Britânica, que há anos estudava o caso. A profissional apontou que a condenação havia sido baseada injustamente nas anotações do diário de uma mulher que não era culpada, mas que apenas estava enlutada, retratando seu sentimento de perda.
Cunliffe também apontou que o caso teve um olhar misógino, por julgar Kathleen por comportamentos normais, mas que para uma mãe foram vistos como desprezo pelos filhos.
Assim, nos últimos anos, uma análise genética constatou que duas das filhas de Folbigg, Laura e Sarah, tinham um variação genética rara conhecida como CALM2-G114R; o que sugeria que havia uma grande chance das mortes serem naturais.
Outras pesquisas mostraram que os dois meninos, Caleb e Patrick, carregavam variantes em um gene conhecido como BSN "que demonstrou causar epilepsia letal de início precoce em camundongos", segundo o estudo.
Assim, cientistas pediram a libertação de Folbigg com base em fortes evidências de que os seus filhos tinham morrido de causas naturais. O inquérito de 2023 concluiu que havia dúvidas razoáveis em torno das condenações de Folbigg e, em junho, ela foi perdoada e libertada da prisão.