Acervo do antigo palácio de verão de D. Pedro II tomou decisão devido às opiniões preconceituosas do escultor da obra; entenda!
Felipe Sales Gomes, sob supervisão de Fabio Previdelli Publicado em 10/12/2024, às 11h10 - Atualizado às 11h21
Ao visitar o Museu Imperial, localizado no antigo palácio de verão de d. Pedro II (1825-1891), em Petrópolis, os visitantes se depararam, desde a semana passada, com uma escultura coberta.
Trata-se de "Mima", uma peça de mármore de Carrara com quase 1,90 metro de altura, conhecida por suas curvas femininas. A cobertura, no entanto, não é por motivos de restauro, mas pelo papel central da escultura em um debate sobre o impacto do racismo no período imperial brasileiro.
A obra, que faz parte da coleção pessoal de d. Pedro II, foi esculpido pelo francês Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882), diplomata, escritor e filósofo. Gobineau, contudo, também é reconhecido como um dos fundadores da teoria pseudocientífica que sustentava a noção de supremacia racial branca.
Sua obra mais conhecida, Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas (1855), é considerada um marco na disseminação de ideias racialistas e precursoras do "racismo científico" e da eugenia.
“É importante destacar que Gobineau foi autor de um livro que fundamentou teorias racialistas e racistas, cuja tese do arianismo foi adotada pelo nazismo”, explica Maurício Vicente Ferreira Júnior, diretor do Museu Imperial, em entrevista à BBC News Brasil. Ele afirma que a decisão de cobrir a escultura é um "ponto de partida" para refletir sobre como o objeto deve ser especificado.
A peça integra a exposição permanente do museu desde sua inauguração, em 1943, tendo pertencido anteriormente ao acervo do Museu Nacional. A socióloga e historiadora Alessandra Bettencourt Figueiredo Fraguas, pesquisadora da instituição, afirmou à BBC que a presença de "Mima" é tradicionalmente justificada por simbolizar a amizade entre Gobineau e d. Pedro II, por ter sido propriedade do imperador e por sua adequação à chamada Sala dos Diplomatas, que simula o ambiente do Palácio de Petrópolis.
No entanto, Fraguas questiona a falta de problematização em torno da autoria da escultura. Em um documento técnico, ela sugere que a peça seja retirada da exposição ou exibida com exposição que contextualize seu impacto histórico. “Chegou o momento de rever conceitos e narrativas”, afirma. Ela destaca que objetos históricos também são documentos e, como tais, devem ser analisados criticamente.
O debate sobre “Mima” extrapolou os corredores do museu e chegou às redes sociais, onde internautas discutem as implicações de sua exibição. À BBC, o pesquisador Paulo Rezzutti disse que o museu agiu corretamente ao adotar uma intervenção temporária em vez de simplesmente retirar a peça de vista. “Um museu não pode ser apenas uma vitrine estática. Ele precisa levantar uma discussão como essa”, argumenta.
Rezzutti, porém, alerta para interpretações simplistas que podem surgir do debate, como associar d. Pedro II às ideias de Gobineau de forma direta. Ele também reflete sobre como outras peças do acervo poderiam ser alvo de questionamentos semelhantes, citando a coroa imperial, cujos diamantes foram extraídos por trabalho escravizado.
Maurício Ferreira Júnior reforça que o objetivo do museu é promover uma reflexão crítica e afirmar que novas iniciativas estão sendo planejadas, como a criação de um manual de práticas antirracistas e uma exposição sobre a memória negra no acervo, prevista para 2025.
Ele ressalta que a cobertura de "Mima" não busca esconder a história, mas sim iniciar um diálogo. “Cobrir a escultura é um ponto de partida. A ideia é removê-la com uma nova legenda que reflita as propostas divulgadas”.
Uma mesa-redonda sobre o tema está programada para o próximo dia 13, dando continuidade ao debate sobre como contextualizar obras como "Mima". A expectativa é que a peça seja desvelada no início de 2025, em um gesto simbólico que marca a introdução de uma abordagem renovada e crítica sobre seu significado histórico.