Após uma votação realizada no último mês de julho, o Congresso Botânico Internacional mudou o nome científico de centenas de espécies de plantas
Publicado em 12/08/2024, às 14h54
No último mês de julho, durante o Congresso Botânico Internacional em Madrid, cientistas especializados em botânica decidiram alterar o nome científico utilizado por cerca de 200 espécies de plantas, trocando “caffra” por “affra”.
Apesar de justificarem a mudança como uma correção de um erro de grafia, quase todos os participantes do voto estavam cientes de que “caffra” não era, de fato, um erro de escrita.
Durante séculos, a palavra “caffra” foi utilizada nos nomes científicos de várias plantas para indicar que elas eram originárias da África. No entanto, o termo é uma versão latinizada de “Kaffir”, uma palavra que, no sul da África, é atualmente vista como um insulto racial ofensivo contra africanos negros.
Conforme repercutido pela Folha de S. Paulo, botânicos da região passaram a se opor ao uso desse termo para descrever plantas africanas. Na África do Sul, por exemplo, utilizar essa palavra pode levar a multas ou até mesmo prisão.
“Devemos a nós mesmos fazer as pazes reconhecendo os erros que nossas gerações anteriores cometeram”, afirmou Nigel Barker, um botânico que atua na Universidade de Pretória, mas cresceu na África do Sul durante o apartheid. Ele também apontou que os sul-africanos deixaram de utilizar muitos dos nomes oficiais daquela época.
É importante ressaltar que a mudança para “affra” é um caso único, pois implica a alteração dos nomes científicos oficiais de centenas de espécies, por cientistas que costumam ser resistentes a mudanças na nomenclatura científica, já que uma nomenclatura estável é crucial para a comunicação clara entre pesquisadores globalmente. Normalmente, eles só alteram um nome quando evidências genéticas demonstram que uma espécie foi erroneamente nomeada.
Assim, a decisão de renomear todas as espécies anteriormente chamadas “caffra” marca “a primeira vez que a comunidade botânica rejeitou um nome não por motivos científicos, mas por razões políticas”, afirmou Dirk Albach, editor-chefe da revista científica Taxon.
A proposta para a mudança foi aprovada com uma votação de 351 a 205. No entanto, críticos argumentam que essa decisão pode estabelecer um precedente desestabilizador. Sergei Mosyakin, presidente da Sociedade Botânica Ucraniana, observou que existem milhares de nomes de espécies de plantas que incluem termos que são ou podem ser considerados ofensivos por alguns grupos.
Já Fred Barrie, botânico do Museu Field em Chicago e membro do comitê editorial do Código Internacional de Nomenclatura para algas, fungos e plantas, concorda que a estabilidade é crucial na nomenclatura botânica e adverte que alterar os nomes de milhares de espécies seria “um pesadelo impraticável”. No entanto, ele acredita que o caso “caffra” foi provavelmente um evento isolado e que os botânicos não terão pressa para modificar outros nomes no curto prazo.