O colunista Ricardo Lobato explica como através dos anos a arte e a guerra se tornaram itens essenciais uma da outra
Ricardo Lobato, com adaptação de Isabelly de Lima Publicado em 26/02/2023, às 22h00 - Atualizado em 09/03/2023, às 18h16
Querido(a) leitor(a), o ano começou movimentado no Brasil! Em meio a cerimônias oficiais, medidas econômicas e tantos outros eventos que se sucedem ao início de uma nova administração – parte do processo legítimo do resultado do sufrágio universal em uma democracia –, teve também a baderna perpetrada por grupos radicais no último dia 8 de janeiro em Brasília.
Em meio às cenas de violência generalizada, que alguns compararam ao saque de Roma pelos visigodos em 410 d.C., um elemento chamou a atenção: a destruição e pilhagem de obras de arte.
Fora as sedes dos Três Poderes da República, obras e parte do patrimônio arquitetônico nacional em si, todos(as) puderam presenciar os rasgos em telas de Di Cavalcanti, as pichações em vasos chineses, os riscos em vitrais de Marianne Peretti, sem contar as obras que ficaram “sumidas” por uns dias, em meio ao caos, assim como é o caso da escultura de bronze 'A Bailarina', produzida em 1920 por Victor Brecheret.
Trabalhando com análise de risco político, recebi centenas de mensagens de conhecidos e também de desconhecidos em busca de mais informações sobre os eventos. De todas, as quais agradeço a gentileza e o interesse pelo trabalho desenvolvido, destaco uma. Partiu de uma senhora que acompanha esta coluna e me perguntou: “O que vimos parecia cenas de guerra... nas guerras, como fica a arte?”.
Esta é uma questão deveras extensa para ser abordada em pouco mais de 5 mil caracteres. Entretanto, respondendo de forma objetiva e sintetizando, pode-se dizer que, na história dos conflitos armados, a arte é também uma vítima. Destruir ou roubar obras é parte do apagamento proposital de uma cultura.
Os romanos salgaram o solo de Cartago depois da Terceira Guerra Púnica (149-146 a.C.), de modo que esta não pudesse se reerguer e não houvesse a quarta. Da mesma maneira, nas Américas, os colonizadores aproveitaram as fundações de templos pré-Colombianos para fazer suas construções, em especial palácios e igrejas, de modo a mostrar que agora era sua cultura, sua arte, seus costumes, que prevaleciam.
Como tem sido noticiado com frequência em diversos veículos de comunicação, o fato de alguns países terem começado a devolver peças de arte expostas em seus museus – como é o caso das esculturas de bronze do antigo império do Benin, devolvidas agora pela Alemanha para a Nigéria – são um exemplo de reparação histórica por atos cometi-dos em guerras passadas.
Estes são apenas alguns exemplos, mas não é possível falar em arte e guerra sem citar o caso mais famoso: a destruição e pilhagem cometida pelos nazistas no período em que marcharam pela Europa durante a Segunda Guerra. Tudo começou com a queima de livros, logo após a ascensão de Hitler em 1933. Toda a literatura considerada como “não ariana” foi parar em enormes fogueiras.
Em seguida, vieram as exposições do que chamavam de “Arte Degenerada” – que, depois de expostas, seriam destruídas. O “degenerado” era para obras modernistas,cubistas, e outras mais, tudo o que fugia à estética do Reich ou feita por artistas chamados de“subversivos”, pessoas como Pablo Picasso e Lasar Segall, por exemplo.
Quando tomaram a Europa Ocidental e depois espalharam seus tentáculos pelo resto do continente, os dignitários nazi começaram a se apropriar de peças dos mais famosos museus, como o Louvre, em Paris, e o Museu de História da Arte em Viena.Hermann Göring, o comandante da Luftwaffe e número 2 do Führer, passava finais de semana na Cidade Luz e escolhia quadros como quem faz compras de mercado.
A partir de 1943, com o avanço Aliado, foi montado uma unidade especial anglo-americana, que contava também com peritos de arte de outras nações Aliadas, para recuperar as obras. Ficaram popularmente conhecidos como os Caçadores de “Obras-Primas”, nome de um filme homônimo de 2014 estrelado por George Clooney.
Depois da Segunda Guerra – e fique registrado que, passados mais de 75 anos de seu fim, ainda não foi recuperado tudo o que foi pilhado pelos nazistas – a Convenção para a Proteção dos Bens Culturais em Caso de Conflito Armado, de 1954, criou um instrumento legal específico para que o direito internacional pudesse proteger bens culturais em caso de conflito.
Os instrumentos dessa convenção foram usados nos casos de destruição de monumentos pelo Talibã no Afeganistão e pelo Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Portanto, “Arte e Guerra” tem uma trágica história em comum. Seja na paz, ou em meio a conflitos, proteger o patrimônio imaterial é dever de todos nós.