Encontradas no templo Taposiris Magna, as relíquias do século 3 contam a história uma das mais ricas culturas da Antiguidade
Em novembro de 1923, a descoberta da luxuosa tumba de Tutancâmon revolucionou os estudos arqueológicos das areias do Egito. De repente, o mundo dedicou ainda mais atenção para os segredos escondidos no rico solo do país.
Vestígios de um passado rico, culturalmente estabelecido e fortemente poderoso nos fazem relembrar a história de um dos maiores impérios da Antiguidade, que contou com nomes como o de Cleópatra, Nefertiti e o próprio faraó-menino.
A imensa, e quase inacreditável, quantidade de ouro na tumba do Rei Tut revelou para os pesquisadores que o elemento dourado tinha uma grande importância para a sociedade egípcia. Fazendo parte de crenças religiosas e exercendo um forte papel na misteriosa vida após a morte.
Então, quando o Ministério do Turismo e Antiguidades anunciou, nas primeiras semanas de 2021, a impressionante descoberta de múmias com língua de ouro, os especialistas sabiam que ali existia algo especial. A informação também foi repercutida pelo renomado jornal The New York Times.
Enterradas em Alexandria, costa mediterrânea do Egito, os cadáveres não estavam em tão bom estado de preservação, ainda assim, o detalhe intrigante destacou a descoberta entre tantas outras feitas em regiões próximas.
Datadas em 2 mil anos, os estudiosos acreditam que o templo Taposiris Magna — onde as múmias foram desenterradas — tenha sido construído durante o século 3 a.C., no reinado de Ptolomeu IV.
Ainda que pareçam distintas de outros esqueletos encontrados em expedições arqueológicas, Lorelei H. Corcoran, diretora do Instituto de Arte e Arqueologia Egípcia da Universidade de Memphis, explica que não é tão incomum uma língua de ouro no sepultamento de uma pessoa com recursos financeiros; o que pode ser o caso dos indivíduos localizados.
No contexto funerário egípcio, sua referência é o Feitiço 158 do Livro dos Mortos, que garante que o falecido tenha a capacidade de respirar e falar, bem como comer e beber, na vida após a morte”, afirmou Corcoran.
A doutora ainda contou que a prática também estava presente na Grécia, onde a mitologia da passagem da vida para a morte fazia com que parentes do falecido colocassem uma moeda na boca do morto, como “pagamento pelo barqueiro, Caronte, que transportou o falecido através do Rio Styx para o Mundo Inferior”.
Entre as 16 múmias encontradas, apenas duas delas tinham o item dourado em sua boca. No entanto, máscaras funerárias com pequenos detalhes em ouro foram identificadas, assim como ilustrações do deus do julgamento e dos mortos, Osíris.
A representação da figura divina oferece suporte para a explicação de que as línguas eram uma forma de possibilitar que a pessoa pudesse se comunicar com o deus na ‘outra vida’.
Algo que era de extrema relevância no Egito Antigo, exemplos da crença são os artefatos e pertences encontrados em tumbas, como riquezas e objetos que facilitassem ou oferecem um status social até mesmo no além.
“Para os egípcios, o ouro era um material com qualidades de perenidade”, alegou Jennifer Houser Wegner, curadora de artefatos egípcios no Museu Penn, Filadélfia. Relembrando que outras línguas do mesmo material foram achadas no passado.
A descoberta se mostra ainda mais excepcional quando levado em conta o verdadeiro motivo da missão no templo de Taposiris Magna. O projeto, liderado por Kathleen Martinez, ex-advogada e agora arqueóloga da República Dominicana, busca encontrar o túmulo perdido de Cleópatra.
Ambiciosa missão da maioria dos profissionais da área, a tumba de uma das mais importantes rainhas do Egito Antigo é procurada há muitos anos, mas até hoje segue desaparecida. Para Martinez, a faraó está enterrada no cemitério dentro da estrutura milenar.
Lorelei H. Corcoran acrescenta que “muitos estudiosos acreditam, no entanto, que o cemitério de Cleópatra estava dentro de um complexo de sepultamento real, talvez associado ao distrito do palácio, agora perdido debaixo d'água no porto de Alexandria”.
Enquanto não nos deparamos com a tumba mais almejada da História, somos apresentados a descobertas instigantes que podem nos inserir um pouco mais na cultura que reinou durante séculos, deixando para nós evidências de um mundo completamente distinto — e não menos magnífico.