Durante muito tempo, o cadáver do ex-presidente levantou diversas dúvidas. Afinal, ele poderia ter sido envenenado?
Em 1964, o presidente João Goulart fora deposto após um golpe militar, entregando o cargo para Ranieri Mazzilli, então presidente da Câmara dos Deputados e, alguns dias depois, tendo os direitos políticos cassados por dez anos com a publicação do Ato Institucional 1 (AI-1).
Com isso, o ex-líder político migrou para diversos países da América do Sul, passando pelo Chile, Uruguai e, a convite do então presidente Juan Domingo Perón, residiu em seus últimos anos de vida em Buenos Aires, na Argentina. Pouco depois, adquiriu uma fazenda em Mercedes, uma província localizada a 100 quilômetros da capital, onde faleceu, em 6 de dezembro de 1976.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, a repercussão do óbito chegou a chamar a atenção dos órgãos de imprensa latino-americanos pela censura imposta aos noticiários relativos ao fato, sendo pouco comentado no Brasil.
O cortejo em sua cidade natal, no entanto, recebeu mais de 30 mil pessoas, incluindo antigos parceiros de governo e alguns governistas opositores.
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De acordo com o laudo oficial, João Goulart teria falecido após um ataque cardíaco, aos 57 anos de idade. No entanto, a dúvida em meio ao conturbado governo militar, levantava suspeitas de familiares, colegas e personalidades públicas em relação a possíveis interferências políticas — contudo, sem a disponibilidade de obter transparência com a realização de um exame, a família optou pela não-realização da autópsia após o óbito.
A teoria mais comum relacionava um assassinato causado por agentes da Operação Condor, fruto de uma aliança sul-americana com a CIA estadunidense. Em 2008, uma nova hipótese foi levantada após a entrevista de Mario Neira Barreiro, ex-agente do serviço de inteligência uruguaio, à Folha de S. Paulo, alegando que houve um envenenamento solicitado pelo delegado do DOPS Sérgio Fleury, com a autorização do então presidente do Brasil, Ernesto Geisel.
Em 2013, entretanto, um pedido de exumação partindo da família do ex-presidente foi aceito pela Comissão Nacional da Verdade para analisar, com as tecnologias e liberdade disponíveis na época, qual teria sido a causa da morte do líder político.
Além disso, os parentes solicitavam o direito de propor um enterro digno, com honrarias de chefe de estado e sem pressão governamental.
Na ocasião, o Congresso Nacional ainda realizou uma votação simbólica durante a madrugada proposta pelo senador Randolfe Rodrigues, anulando a sessão que destituiu João Goulart do cargo de presidente da República em 2 de abril de 1964, buscando o "resgate da história".
A solicitação da Comissão foi aceita em dezembro de 2014, retirando o caixão do cemitério Jardim da Paz, em São Borja, no Rio Grande do Sul, para uma análise pericial com o máximo de equipamentos disponíveis na unidade da PF de Brasília.
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Com 18 horas de duração, nenhum dos exames dos restos mortais apontou medicamento tóxico ou algum tipo de veneno nas amostras obtidas pelos legistas, conforme divulgado pela então ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Em entrevista ao G1, o perito criminal da Polícia Federal na época, Jeferson Evangelista, explicou a constatação compatível com os relatos da ex-primeira dama: "Um infarto agudo do miocárdio pode ter sido a causa de morte do presidente, assim como foi registrado no certificado de óbito? Sim. Como poderia ter sido causada por outras patologias cardíacas ou até mesmo por patologias cerebrovasculares".
No entanto, a descoberta não se mostrou completamente segura de acordo com o próprio laudo, que compreende que a negativa pode ter sido ocasionada após as mudanças químicas e físicas que o cadáver sofreu durante anos enterrado.