Por mais de uma década a casa atrapalhou o trânsito em Shangai — o problema só foi solucionado após arrastada negociação com o governo
"No meio do caminho tinha uma ‘casa’, tinha uma ‘casa’ no meio do caminho”, o poema escrito por Carlos Drummond de Andrade usa a pedra — no lugar da ‘casa’ — como uma figura de linguagem para abordar os obstáculos que as pessoas encontram em suas vidas.
Porém essa ‘adaptação’ ao texto de Drummond pode ser usada para representar um problema em que muitos moradores de Shangai enfrentavam todos os dias. Por mais estranho que isso possa parecer, por lá, realmente, havia uma casa no meio do caminho. Mas para entender melhor essa história, precisamos voltar alguns anos no tempo.
Em 2003, foram iniciadas as obras para a construção da estrada North Hunting Road, em Shangai. A região abrigava algumas casas e diversas famílias fizeram um acordo com o governo para que suas propriedades fossem demolidas. Como troca, elas recebiam uma indenização financeira ou apartamentos em outras regiões que tinha seu valor condizente com o preço de seus imóveis.
A maioria delas aceitou o acordo, porém, uma família bateu o pé e decidiu que o oferecido pelo governo não era o suficiente para cobrir seus custos. Como resultado, o prédio atrapalhou o desenvolvimento de uma parte da estrada, fazendo com que o tráfego de quatro pistas fosse reduzido para duas vias que contornavam a casa. Desde então se iniciou uma negociação que perdurou por 14 anos.
A Nail House (casa de unhas, em tradução livre) no meio North Hunting Road já havia se tornado uma “casa de pregos”, como diz uma gíria local. E como todo prego, esse problema tinha que ser martelado para sair do meio do caminho.
Afinal, o lugar já havia até mesmo ganhado um ar místico em sua volta: era propriedade de um político proeminente ou os proprietários estavam exigindo pilhas exageradas de dinheiro em compensação?
Porém, a realidade é bem diferente. Em entrevista à Sixth Tone, à época em que fizeram o acordo com o governo, uma mulher, pertencente à família de sete pessoas que viviam na casa, comentou sobre o assunto.
“Houve muitos rumores nos últimos anos, dizendo que queremos um preço mais alto e nos criticando por sermos pessoas egoístas”, explicou ela. “Muitas pessoas disseram que recebemos bilhões de yuans. Se realmente tivéssemos isso, já teríamos nos mudado há muito tempo”, disse a senhora de 65 anos que não quis ter sua identidade revelada.
“Se pudéssemos chegar a um acordo com o governo, teríamos mudado; se não, por que sairíamos da casa em que vivemos por décadas?”, questionou sem dizer o motivo pelo qual, depois de todos esses anos, a família finalmente resolveu aceitar o acordo.
Desde 2015, foram realizadas oito reuniões presenciais e mais de 10 ligações telefônicas entre os moradores e as autoridades. Mas um acordo só foi selado em agosto de 2017, quando funcionários do governo convidaram quatro membros da família para conversar e, depois de algumas horas, a família concordou em assinar o documento de demolição.
Como troca, a família recebeu três apartamentos como indenização que totalizaram um valor de 2,7 milhões de yuans, algo em torno dos 240 mil reais, e também a garantia de que teriam dias menos conturbados, já que o tráfego 24 horas por dia era uma fonte constante de ruído e vibração, especialmente quando os carros cruzam uma ponte próxima.
Aventurar-se ao ar livre também era traiçoeiro: a porta da frente fica a um metro da estrada. No final disso tudo, a mulher parecia resignada com a decisão de sua família de se mudar. “Que o passado seja passado”, declarou.
Com isso, no dia 18 de novembro de 2017 a Nail House, ou “a casa de unhas mais durona de Shangai”, como diziam muitos moradores locais, foi finalmente demolida. Todo o processo demorou cerca de 90 minutos para ser finalizado.
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