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Reforma ortográfica: Torre de Babel

Países não se entendem na hora de mexer com o português

Bruno Vieira Feijó Publicado em 01/01/2008, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

Era pra gente começar 2008 escrevendo diferente. Arquitetada pela CPLP (Comissão de Países de Língua Portuguesa), a Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa previa, entre outras alterações, o fim do trema e de alguns acentos e a incorporação das letras k, y e w ao alfabeto oficial. Mas as mudanças – criadas para padronizar o idioma e facilitar a comunicação entre os oito países que o adotam – correm o risco de não vingar. De novo. A história registra que nunca houve consenso quando uma reforma foi proposta. “Desta vez, é Portugal quem resiste a abandonar as consoantes mudas [como as de ‘contacto’ e ‘direcção’]”, diz o gramático Evanildo Bechara, presidente da Academia Brasileira de Letras.

Até o século 16 sequer existia um padrão na língua portuguesa. Cada escritor grafava as palavras da forma que lhe convinha. “É a fase fonética, em que se escrevia de acordo com o som. Uma mesma palavra era encontrada de modos diferentes: cinco e cinquo, algem e alguém, muyto e muito”, exemplifica a professora Nelly Carvalho, lingüista da Universidade Federal de Pernambuco. Do século 16 ao 20, influenciados pelo renascentismo e desejosos do status de “língua de cultura”, intelectuais lusitanos abusavam das clássicas consoantes duplas e do y (pharmacia, collega, lyrio), herdado do latim.

Quando os colonizadores aportaram por aqui, a salada continuou. Houve uma mistura das línguas nativas com o português, falado pelos padres e bandeirantes. Em 1549, foi adicionada a influência de línguas africanas trazidas com os escravos. “Os negros influíram muito no vocabulário geral, na pronúncia e na sintaxe”, diz Nelly. O multilingüismo perdurou no Brasil até meados do século 18, quando foi abortado por leis instituídas pelo marquês de Pombal, ministro do rei dom José I. Ele determinou que o ensino formal da colônia passasse a ser feito por leigos nas chamadas Aulas Régias, tomando a catequização das mãos dos jesuítas. Foi só a partir daí que o uso do português se tornou obrigatório, de fato, em terras tupiniquins. Antes, ficava limitado aos documentos oficiais e praticado apenas por aqueles ligados à administração do reino.

Aquela do português

Desde o século 20, vive-se o período simplificado. Conheça as outras fases históricas da nossa língua

Período Fonético

Até o Renascimento (metade do século16) a escrita era pautada pelos sons das palavras. Não havia padrão, embora fosse comum que a duplicação das vogais indicasse sílaba tônica, como em ceeo (céu), consoantes aparecessem juntas (fficar) e o h indicasse hiatos (cahir).

Eu era assim - Por Deus, mia senhor, anqanto eu ffór de vós tem alongado, nunc en mayor coyta d·amor (século 13)

Fiquei assim - Por Deus, minha senhora, enquanto eu for de vós tão afastado, maior é agora meu sofrimento de amor

Período Pseudo-etimológico

Do século 16 até os primeiros anos do século 20, predomina a influência do latim e da cultura grega. A grafia respeitava, na medida do possível, sua origem etimológica. É o auge dos grafemas ph, th, ch, rh e y (philosophia, theatro, sepulchro, cysne).

Eu era assim - Cellebramos a história com ella merecia, priocurando vestígios de seu enclyto alfageme (século 19)

Fiquei assim - Celebramos a história xomo ela mereceia, procurando vestígios de seu ilustre espadeiro.

O vira-não-vira

Reformas ortográficas são marcadas por reviravoltas

1904

O filólogo Gonçalves Viana propõe a simplificação para valorizar aspectos da fala e se distanciar do latim. A novidade é oficializada em 1911, em Portugal. Em 1915, o Brasil se ajusta aos padrões.

1919

Por influência do acadêmico Osório Duque Estrada, autor da letra do hino nacional, o Brasil cancela as mudanças. Voltamos a usar “ph” e “ch”.

1931

Volta a simplificação com o primeiro acordo ortográfico entre Brasil e Portugal, iniciativa da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa.

1934

Getúlio Vargas anula o acordo de 1931. O Brasil volta com todas as consoantes duplas. Por pressão dos professores, a imposição tem fim quatro anos depois.

1943

Lisboa realiza a convenção ortográfica com a intenção de unificar o idioma. Mas só o Brasil faz mudanças como, por exemplo, o “s” em “casa”, antes com “z”.

1945

Nova convenção luso-brasileira. Dessa vez é o Brasil quem não aceita as consoantes mudas (“óptimo” e “direcção”) e o fim do trema. Só Portugal faz as mudanças.

1971

Na era Médici, caem alguns acentos circunflexos diferenciais (almôço, enderêço) e graves (sòmente, ùltimamente), além de tremas em palavras como saüdade e vaïdade.

1986

O encontro dos países de língua portuguesa, no Rio, é o embrião das mudanças pleiteadas até hoje. Mas Portugal só aceita abrir mão das consoantes mudas a partir de 2017.

2007

Decide-se pressionar os outros países a realizar em 2008 o acordo ortográfico, já assinado pelo Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.