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Língua solta: a expansão dos idiomas

Como o surgimento de civilizações díspares, a expansão de impérios e a abertura de rotas de comércio influenciaram na evolução de idiomas pelo planeta

Daniel Azevedo Publicado em 01/07/2008, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

Com vocês, os Pierres Roulantes! Não fosse uma briga de cabeças coroadas no século 13, Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts poderiam ter o nome de sua banda Rolling Stones, que transformou a língua ao lado no maior ícone da música pop mundial, grafado em francês. Isso mesmo: no idioma de Baudelaire e não na língua de Oscar Wilde. Há 700 anos, a Inglaterra perdeu para a França extensas possessões no continente europeu. De birra, a corte fez do uso da língua inglesa uma reação patriótica contra a França. Até então, o inglês era coisa de camponeses , desdenhada pela literatura e imprestável para os registros do reino por ser considerada pouco elegante e carente de vocabulário para expressar idéias elevadas. Entre os nobres, o francês era o idioma oficial.

William Shakespeare seria um dos primeiros a redimir a língua materna ao escrever 37 peças teatrais com um vocabulário de mais de 30 mil palavras. Mas o triunfo do inglês se daria mesmo a partir do século 19, enquanto a Inglaterra se consolidava como império colonial. A supremacia da Inglaterra é coisa do passado, mas o idioma de Shakespeare se firma como língua ubíqua e já é falado por cerca de 1,5 bilhão de pessoas.

Quem se aventura por livros sobre a história dos idiomas dificilmente depara com relatos assim. Invariavelmente encontra obras áridas, de teor puramente técnico, destinadas a lingüistas, filólogos e especialistas do gênero. Lançado na Espanha, o livro Historia de las Lenguas del Mundo (“História das línguas do mundo”, sem versão em português) contraria essa tendência e cai no gosto dos leigos. Ao mesmo tempo que informa como se deu a evolução da linguagem entre a espécie humana e expõe as áreas de influência de 600 idiomas, o autor, o historiador e geógrafo Antonio Caridad Salvador, inclui no livro curiosidades como em que língua Cleópatra, fluente em vários idiomas, falava com o imperador Júlio César, ou, ainda, em que idioma se comunicava Jesus Cristo.

Uma das teses expostas na obra é a de que o surgimento da linguagem antecede o aparecimento do Homo sapiens (entre 160 mil e 200 mil anos). Antonio Caridad Salvador defende que, há 2 milhões de anos, já existiam idiomas rudimentares graças às semelhanças anatômicas entre os hominídeos bípedes e nós. Ter o corpo apoiado sobre duas pernas – e as conseqüências morfológicas decorrentes, como o descenso da laringe – foi fundamental para desenvolver as capacidades de emitir sons variados.

As palavras emitidas nos tempos pré-históricos se perderam no ar. A história mudou – ou melhor, começou – mais ou menos 5 mil anos antes de Cristo, com a invenção da escrita. Pelo estudo de registros que remontam àquela época, os filólogos puderam fazer uma espécie de “árvore genealógica das línguas”. Assim, dividiram-nas em 17 famílias. As mais faladas são as da família indo-européia (que inclui o português e o russo, passando pelo inglês e o alemão) e da sino-tibetana (com o chinês e o malaio, entre outras). As pesquisas também derrubaram o dogma segundo o qual todas as línguas eram derivadas do hebreu antigo. Uma tese que foi abraçada até pelo filósofo alemão Gottfried Leibniz (1646-1716), em escritos datados de 1710.

Apesar do esforço dos estudiosos, ainda há mistérios a desvendar. O japonês, o basco, o coreano e o tarasco (México central) são línguas isoladas, não têm parentesco com nenhuma outra. Ainda assim, sofrem influências. Há quem sustente que a palavra japonêsa “arigatô” vem do nosso “obrigado”, graças ao contato entre portugueses e japoneses ocorrido no século 16. O japonês atualmente falado nas quatro grandes ilhas e centenas de ilhotas do arquipélago tem cerca de 10% do vocabulário adaptado de palavras tomadas dos povos com os quais teve contato.

As idas e vindas dos homens tiveram mesmo importante papel na evolução das línguas. Invasões, guerras e abertura de rotas de comércio foram situações propícias ao aprendizado de uma segunda ou terceira língua. O grego, o persa, o chinês e o latim são exemplos de línguas que reinaram na Antiguidade. Bem como português, espanhol e francês, no tempo da expansão marítima. Detalhe: por essa época, o latim ainda corria solto. Em latim eram as cartas escritas pelos reis Fernando e Isabel, da Espanha, e entregues a Cristóvão Colombo para eventuais encontros com soberanos de terras desconhecidas. Também na língua do Lácio, o coração do Império Romano, eram os livros do cientista inglês Isaac Newton, em pleno século 17. A predileção era comum entre eruditos que versassem sobre temas como filosofia e química e que quisessem garantir a compreensão de suas idéias. Escrever na língua materna era condenar seu trabalho ao esquecimento. A primazia nas terras européias fez com que o latim figurasse entre os idiomas que mais deram frutos. Dele derivam as línguas ditas romances, ou seja, com raiz no latim. Português, italiano, romeno, espanhol, córsego e catalão são originárias do latim.

A preponderância de uma língua por longos séculos e em extensas áreas contrasta com uma imensa variedade de dialetos de grupos diminutos. Entre os países que têm maior número de idiomas vivos estão Papua Nova Guiné (817), Indonésia (717) e Nigéria (470). A África é o continente com maior diversidade: por lá há 2 035 línguas e dialetos. No Báltico, a pequena Lituânia abriga uma comunidade de 535 pessoas que falam o karaim. A tendência é a de que o dialeto desapareça. As línguas, lembra o autor de Historia de las Lenguas del Mundo, têm um ciclo de vida com começo e fim. Preservá-las, sugere, é respeitar a diversidade.

Em tempo: Cleópatra e Júlio César conversavam em grego e Jesus Cristo se comunicava em aramaico.

Mundo de vozes

Em respeito à diversidade cultural, a ONU adota seis idiomas como oficiais

A mais bela

Enquanto atuou no futebol, Zinédine Zidane foi um dos melhores jogadores do mundo. Nascido em Marselha, na França, ele se destacou pela bela visão de jogo e como driblador elegante (apesar da famosa cabeçada). Elegância no futebol, elegância no falar. A língua de Zidane é oficial em 31 países e é falada na Argélia, terra de seus pais. A fama do francês vem de longe. No século 18 virou língua da diplomacia. O prestígio avançou pelo século 20 e o idioma ainda é utilizado na administração da ONU.

Filha do deserto

Mais de 350 milhões de pessoas falam o árabe em países espalhados do oceano Atlântico até o Iraque. Fora dialetos locais, o idioma é mais ou menos o mesmo em todos os lugares. Assim, Yasser Arafat, ao defender a causa palestina, tornou-se liderança reconhecida nessa extensa faixa do planeta. Seu esforço lhe valeu o Nobel da Paz de 1994, que dividiu com Ytzak Rabin e Shimon Peres. Idioma de 22 países, o árabe também é oficial na ONU por causa da importância cultural dos povos do Islã.

Idioma feijão-com-arroz

A rainha Elizabeth II já não é tão poderosa como sua antepassada, Vitória, cujos domínios eram extensos a ponto de seus súditos cunharem a frase “no Império Inglês o sol jamais se põe”. Mas a soberana reinante tem a satisfação de ver sua língua no domínio do globo. O inglês é o idioma oficial em maior número de países: 51. Além disso, estão escritos em inglês mais de 70% do conteúdo gerado em internet, 50% das publicações científicas e 75% do correio mundial.

Poder oriental

Bao Xishum, 2,36 metros, é uma espécie de símbolo de um lugar onde tudo é macro. O homem mais alto do mundo mora na China, país com a economia que mais cresce no planeta, que é terceiro maior em extensão territorial, que tem a mais numerosa população do globo, 1,3 bilhão de pessoas. É por isso que o mandarim ou chinês é a língua que bate o inglês no quesito quantidade de bocas a emitir seus vocábulos. E aqui vai outro exagero: enquanto o alfabeto latino tem 26 letras, o mandarim conta com mais de 15 mil ideogramas.

A língua dos fortes

Vladimir Putin é popular na Rússia porque tirou o país do fundo do poço depois do colapso do regime comunista. Com mão de ferro, recolocou a economia nos trilhos. Foi também na marra que o idioma russo foi imposto por Josef Stálin a todos os Estados que formavam a extinta URSS. É de forma paulatina e pacífica, porém, que acontece algo de novo com a língua russa: a incorporação de influências do inglês, em termos relativos à economia, aos negócios e à tecnologia.

Nuestra lengua hermana

Uma das atrizes espanholas de maior projeção internacional na atualidade, Penélope Cruz tem como idioma nativo uma língua em plena expansão. O espanhol é uma das línguas da globalização. Da Espanha, ganhou boa parte das Américas. Nos Estados Unidos, já é o segundo idioma mais falado principalmente por causa de imigrantes do México. No censo, dois sobrenomes hispânicos – García e Rodríguez – apareceram pela primeira vez na lista dos dez mais comuns em solo americano.

A última flor do Lácio

No século 16, o português era língua franca entre ingleses, franceses e espanhóis em portos e regiões da África e da Índia. Era chamado “língua doce” por facilitar a expressão em prosa e verso de talentos como Luís de Camões. O português teve influências celtas, visigodas, suevas e, depois, francesas, árabes, africanas, indianas e indígenas. Uma reforma ortográfica, prevista para 2010, nos oito países que têm o português como idioma oficial, prevê a unificação da escrita.

Eu, tu, ele, nós

Os dez idiomas mais falados e influentes do planeta

1. Chinês

2. Inglês

3. Hindustânico

4. Espanhol

5. Russo

6. Árabe

7. Bengali

8. Português

9. Malaio/Polinésio

10. Francês

Saiba mais

OBRA

Historia de las Lenguas del Mundo, Antonio Caridad Salvador, Ronsel, 2006 R$ 32 329 págs.