Em apenas 60 anos, os israelenses transformaram um pedaço de deserto em uma das economias mais modernas e dinâmicas
Eduardo Szklarz, de Buenos Aires Publicado em 01/05/2007, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36
Israel é tão pequeno que caberia dentro de Sergipe, o menor estado brasileiro. Mais da metade de seu território é pura areia. E seus 7 milhões de habitantes vivem atormentados pela es- cassez de água e de recursos naturais. Já não bastasse tudo isso, o país enfrentou sete guerras e duas intifadas. Qualquer economista diria: são problemas de sobra, o bastante para emperrar o crescimento de uma nação. Mas Israel desafia essa lógica.
A moderna economia israelense não pára de crescer. Em 2006, o Produto Interno Bruto (PIB) alcançou os US$ 148 bilhões, alavancado pela enorme concentração de indústrias de alta tecnologia. As exportações somam US$ 42 bilhões, mais do que o total de seus vizinhos, excluindo o petróleo. E o PIB per capita é de US$ 21 mil, quatro vezes o do Brasil e cinco vezes a média do Oriente Médio. Em apenas 60 anos, Israel conseguiu a façanha de ingressar no seletíssimo grupo dos países mais competitivos do mundo. Como explicar esse fenômeno?
Abençoada imigração
Saia andando por Israel e você vai escutar sotaques de vários cantos do mundo. Por trás dessa diversidade está o primeiro fator de crescimento do país: os imigrantes. As primeiras grandes levas chegaram em 1880, quando o Império Otomano ainda dominava a Palestina. Vindos principalmente da Rússia e da Europa Oriental, eles desenvolveram as primeiras técnicas de cultivo e irrigação do yishuv (comunidade), transformando aquele pedaço de deserto em uma espécie de comuna socialista. A imigração intensificou-se com a ascensão do nazismo. Resultado: em 1948, ao declarar sua independência, Israel já contava com cerca de 650 mil judeus – um contingente populacional que simplesmente dobraria nos cinco anos seguintes.
“Os recém-chegados da Europa tinham excelente formação acadêmica. Muitos eram médicos, advogados, técnicos e professores. Isso contribuiu para o boom econômico dos anos 40 e 50”, diz a cientista israelense Zahava Scherz, do Instituto Weizmann. “Os imigrantes eram idealistas e altamente motivados. Perceberam que não tinham escolha a não ser a construção de seu próprio país. E estavam determinados a fazer isso rápido e bem-feito.”
Entre 1949 e 1950, Israel realizou 380 viagens de avião para resgatar cerca de 50 mil judeus que viviam no Iêmen. Foi a operação Tapete Mágico. Em 1984 e 1990, outros 30 mil judeus etíopes aterrissaram na Terra Santa, graças às operações Moisés e Salomão. Embora tenha custado muito dinheiro, a absorção de tanta gente foi fundamental para injetar mão-de-obra, aumentar a demanda, incentivar a produtividade e ampliar o mercado interno.
Com o colapso da URSS, Israel recebeu outra impressionante dose de capital humano. Nada menos que 1 milhão de pessoas chegaram entre 1990 e 1999, inflando a população em 20%. “Entre esses imigrantes havia mais de 100 mil cientistas e engenheiros”, diz Augusto Lopez-Claros, economista-chefe do programa de competitividade global do Fórum Econômico Mundial. “Hoje, Israel tem o maior número de engenheiros per capita do mundo, 140 por 10 mil habitantes. É mais que o dobro de EUA e Japão, segundo e terceiro colocados.”
A economia de Israel cresceu rapidamente em seus primeiros anos graças, também, a doações de judeus da Diáspora. Em uma missão ao país em 1968, o Banco Mundial classificou seu desempenho de “milagre econômico”, levando-se em conta os recursos naturais escassos, a hostilidade dos vizinhos e o esforço para a absorção de tantos imigrantes. Para o banco, esse milagre tinha duas explicações: mão-de-obra qualificada e capital externo.
Por “capital externo”, a missão referia -se não apenas às doações da Diáspora, mas também às reparações feitas pela Alemanha após o Holocausto. Elas foram usadas para financiar importações e obras de infra-estrutura. As reparações ao Estado terminaram há anos, mas as indenizações a vítimas do nazismo continuam. Juntas, estimam os analistas, elas somariam alguns bilhões de dólares. “O país continua recebendo ajuda externa, mas sua importância é cada vez menor”, diz o economista americano Stanley Fischer, ex-diretor do Fundo Monetário Internacional e atual chefe do Banco de Israel.
Indústria da guerra
Seis décadas de guerras e a constante ameaça terrorista acabaram gerando um diferencial para Israel. “A necessidade de defesa deu origem a um complexo industrial-militar que se tornou um motor para o crescimento econômico”, diz a analista americana Linda Sharaby em um artigo do Middle East Review of International Affairs (Meria). A urgência por uma indústria militar forte ficou clara no dia seguinte à independência, quando Israel foi invadido por exércitos vizinhos e sofreu um embargo de armas por parte de EUA e URSS. A solução foi unificar os grupos de defesa e desenvolver um dos exércitos mais eficientes do mundo. Naquele mesmo ano, era criado o braço científico das Forças Armadas. Esse organismo está na origem da indústria de alta tecnologia, que hoje responde por 45% das exportações.
Israel também instituiu serviço militar de três anos para homens e dois anos para mulheres. Por um lado, isso desfalca o mercado de trabalho, já que os jovens israelenses entram na universidade quando os de outros países estão quase se formando. Por outro lado, o Exército tornou-se uma instituição-chave, que promove a coesão social e seleciona “mentes brilhantes” para cargos em unidades computacionais de elite.
Imigração, ajuda externa e indústria bélica são fatores decisivos na história econômica de Israel. Mas não teriam levado a resultados tão positivos sem um regime democrático. A opção israelense pela democracia garantiu uma base institucional para o desenvolvimento do país. Com pouca corrupção, poder judiciário independente, proteção à propriedade intelectual e total incentivo aos investimentos externos, foram criadas as condições necessárias para o pleno crescimento da economia.
No início, o governo adotou programas austeros. Aos poucos, foi passando a bola para o mercado. “Desde muito cedo, os líderes entenderam que era preciso liberar o comércio”, diz o economista Stanley Fischer. De fato, Israel começou a baixar suas barreiras tarifárias ainda nos anos 60, quase 30 anos antes do Brasil. As reformas pavimentaram o caminho para a rápida expansão econômica. O PIB cresceu, em média, 9% ao ano até 1965. E voltou a crescer após a guerra de 1967, quando o turismo ganhou impulso e o país passou a contar com a mão-de-obra residente na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Entre 1950 e 1968, a economia israelense só não cresceu tanto quanto a japonesa, com expansão média do PIB de 9,7% ao ano.
Depois de uma forte crise econômica entre 1973 e 1985, o governo conseguiu domar a hiperinflação e aprofundou as reformas pró-mercado. Nos anos 90, ele abriu completamente a conta de capitais (ou seja, liberou a entrada e a saída de divisas). “Foi uma iniciativa fundamental para mudar toda a concepção do setor de negócios e possibilitar que Israel aproveitasse as oportunidades do mundo globalizado”, diz Fischer. A receita deu certo. Hoje, o país tem inflação próxima de zero, a moeda é forte e os índices de pobreza e desemprego não param de cair, ano após ano.
Alta tecnologia
Um dos passos mais importantes de Israel rumo à prosperidade econômica foi dado ainda em 1959, quando o país não passava de um pré-adolescente. Naquele ano, o governo promulgou a Lei de Estímulo aos Investimentos de Capital (LECI), que garantia vantagens fiscais aos investidores externos. “A idéia era que as multinacionais não apenas criassem empregos em Israel, mas também trouxessem tecnologia, know-how e canais de exportação”, diz Lopez-Claros. Não deu outra: nos anos seguintes, Motorola, IBM, HP, Oracle e Intel, entre outros gigantes da alta tecnologia, instalaram fábricas no país. A entrada de capital externo saltou de US$ 600 milhões em 1993 para 6 bilhões em 2005.
Investidores bilionários também descobriram Israel. Bill Gates, o homem mais rico do mundo, construiu ali um enorme centro de pesquisa da Microsoft. E Warren Buffett, o segundo da lista, acaba de comprar, por US$ 4 bilhões, um peso pesado israelense – a Iscar Metalworking, do setor de ferramentas industriais. “Uma nação pode se transformar em 60 anos”, diz Eli Opper, cientista-chefe do Ministério da Indústria, responsável pelo incentivo à criação de empresas. “Nesse tempo, Israel deixou de ser a terra do leite e do mel para se transformar na terra da alta tecnologia.”
ANTIVÍRUS
O primeiro software desse tipo para PCs foi desenvolvido em Israel
CORREIO DE VOZ
É uma invenção da empresa Comverse, também de Israel
ICQ
A tecnologia do AOL Instant Messenger foi desenvolvida por quatro jovens israelenses
ZIP
A ferramenta de compressão foi desenvolvida no Instituto Technion, de Israel
TELEFONE CELULAR
Foi desenvolvido em Israel pela Motorola
TELEFONIA IP
Foi inventada por dois israelenses, fundadores da empresa VocalTec
PROCESSADORES
Os modelos Centrino e Pentium-4 Dotan foram criados pela Intel israelense1º Lugar
ENGENHEIROS
Em Israel, são 140 para 10 mil habitantes. EUA e Japão têm a metade desse número.
CIENTISTAS
Há 135 deles para cada grupos de 10 mil israelenses. Nos EUA, são apenas 85.
TELEFONES CELULARES
O país é recordista mundial em número de assinantes de telefonia móvel por mil habitantes.
2º Lugar
INDÚSTRIAS DE ALTA TECNOLOGIA
Só o Vale do Silício, na Califórnia, supera Israel na concentração desse tipo de indústria.
FUNDOS DE CAPITAL DE RISCO
Oitenta fundos de capital de risco operam hoje no país. Em 1991, havia apenas um.
3º Lugar
EMPREENDEDORISMO
Israel só tem menos empreendedores que EUA e Hong Kong.
22º Lugar
ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO
O vizinho mais próximo é a Arábia Saudita, no 78º lugar. O Brasil está na 69ª posição.Na falta de território e recursos naturais, Israel fez do aprendizado sua vantagem comparativa. Investir em educação foi um dos caminhos escolhidos pelos israelenses para chegar ao desenvolvimento. A estratégia deu certo. Tão certo que Israel, hoje, é mais que um país com mão-de-obra altamente qualificada. Transformou-se em uma verdadeira fábrica de gênios (veja quadro na página ao lado).
Uma das explicações para esse fenômeno é o Centro de Educação Científica, criado pelo Ministério da Educação e pelas sete maiores universidades israelenses para estimular o pensamento criativo dos jovens. “Ciência e tecnologia são os recursos econômicos mais importantes de um país”, diz a cientista Zahava Scherz, do Instituto Weizmann. Há poucos anos, esse instituto foi apontado como o melhor lugar do mundo para conduzir pesquisas. É também o terceiro colocado no ranking mundial de geração de renda proveniente da transferência tecnológica. Em novembro de 2006, Zahava participou de um seminário sobre educação em Belo Horizonte (MG) e descobriu que o Brasil está pensando em adotar livros e currículos escolares israelenses, adaptados à realidade brasileira. “Isso já está sendo feito na Grã-Bretanha.”
A educação em Israel é obrigatória até os 16 anos e gratuita até os 18. A única fase paga é a universidade, com custos mais acessíveis que na Europa e nos EUA. Quem não pode pagar recorre às bolsas de estudo. “Creio que o sucesso do sistema educacional israelense tem sua origem na tradição judaica de estudos, cultivada por centenas de anos”, diz o Prêmio Nobel Aaron Ciechanover, do Centro de Pesquisas em Biologia Vascular do Instituto de Tecnologia Technion, em Haifa. “A explicação talvez esteja na longa história de perseguições. Os judeus não podiam ter propriedades nem trabalhar na terra. Sempre expulsos de um país para o outro, eles perceberam que a única coisa em que podiam confiar e ter consigo, onde quer que fossem, era o conhecimento.”1º Lugar
GASTOS COM PESQUISA E DESENVOLVIMENTO
Israel destina 4,8% do PIB para esse fim, enquanto a União Européia ainda se esforça para chegar a 3%. Logo atrás dos israelenses neste ranking aparecem os suécos, os finlandeses e os franceses.
ARTIGOS CIENTÍFICOS
Nenhum outro país no mundo publica mais artigos científicos que Israel: em média, são 109 publicações para cada grupo de 10 mil habitantes.
2º Lugar
GASTOS PÚBLICOS COM EDUCAÇÃO
Neste quesito, Israel perde apenas para a Dinamarca. O Estado subvenciona 72% do total de gastos com a eduçacão.
3º Lugar
NÍVEL UNIVERSITÁRIO
Mais de 20% da população freqüenta a universidade. Só EUA e os Países Baixos têm média superior.Yisrael Robert John Aumann - Nobel de Economia 2005
Formado pela Escola Rabínica de Nova York e membro da Academia Americana de Ciências, o matemático Yisrael Aumann ajudou a entender os princípios do conflito e a da cooperação por meio da chamada Teoria dos Jogos. Graças a modelos que ele desenvolveu nos anos 60 e 70, tornou-se possível delinear as opções disponíveis para um adversário em determinada circunstância e prever qual será seu próximo passo. Aumann nasceu na Alemanha e emigrou para os EUA fugindo do nazismo. É pesquisador do Centro de Estudos da Racionalidade na Universidade de Jerusalém.
Avram hershko e Aaron ciechanover - Nobel de Química 2004
Os biólogos Hershko e Ciechanover dividiram o prêmio com o americano Irwin Rose ao resolver o enigma de um processo de degradação de proteínas ligado à progressão do câncer. Nascido em Haifa, Ciechanover vem de uma família de imigrantes poloneses da cidade de Ciechanów (daí seu sobrenome). Ele estudou medicina na Universidade Hebraica de Jerusalém. É professor de bioquímica e diretor do Instituto Rappaport de Pesquisas Médicas no Instituto Technion. Avram Hershko, nascido na Hungria, também estudou na Universidade Hebraica de Jerusalém. Dá aulas no Instituto Technion e na Universidade de Nova York.
Daniel Kahneman - Nobel de Economia 2002
O psicólogo Daniel Kahneman nunca esteve em uma aula de economia. Mas seus trabalhos foram fundamentais para decifrar o comportamento de investidores no mercado financeiro. Ele mostrou como fatores psicológicos podem influir no dia-a-dia dos negócios por meio da heurística – um conjunto de “regras” simples que as pessoas usam intuitivamente para tomar decisões. Filho de judeus lituanos, Kahneman formou-se em Matemática e Filosofia na Universidade Hebraica de Jerusalém. Leciona em Princeton (EUA).A idéia partiu do violinista polonês Bronislaw Huberman. Em 1936, recém-chegado à Palestina depois de fugir do nazismo, ele convenceu outros 75 músicos judeus da Europa a emigrar. Formou-se, assim, a então chamada Orquestra da Palestina. Quem primeiro ergueu a batuta foi o maestro italiano Arturo Toscanini, que também escapava do fascismo em seu país. Com a criação do Estado judeu, em 1948, o grupo trocou de nome, transformando-se na Filarmônica de Israel – considerada a melhor do mundo na atualidade. A orquestra coleciona histórias memoráveis. Nas guerras travadas por Israel, ela foi ao front para levantar o moral dos combatentes. Em 1971, sob o comando de Zubin Mehta, tocou uma sinfonia de Mahler em Berlim, a poucos metros de onde funcionou o centro do poder nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Vinte anos mais tarde, ela dividiu o palco com Plácido Domingo em Toledo, na Espanha, para lembrar os 500 anos da expulsão dos judeus daquele país. Nos anos 90, seus músicos juntaram-se a 500 crianças palestinas e judias em um concerto pela paz em Jerusalém. O dilema da OFI, quando toca em Israel, sempre foi executar as peças do alemão Richard Wagner – notório anti-semita e compositor favorito de Hitler. Zubin Mehta tentou várias vezes, sem sucesso. Em 1981, estava prestes a conduzir uma parte de Tristão e Isolda quando um sobrevivente do Holocausto levantou-se e expôs o número do campo de concentração tatuado no braço. O maestro argentino-israelense Daniel Barenboim acabou com esse tabu em 2001, ao executar a mesma peça em um festival em Jerusalém. A orquestra que ele conduzia, porém, era outra: a Staatsoper de Berlim.