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Gregos X Persas: o Ocidente venceu

Se os persas tivessem derrotado os gregos, teríamos um outro cenário histórico.

Ricardo Bonalume Neto Publicado em 01/03/2007, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

Não resta dúvida de que a grande vencedora das guerras entre gregos e persas foi a civilização ocidental. A Grécia é o berço do mundo moderno, de conceitos filosóficos importantes, da democracia e também de um jeito de guerrear implacável. Se tivesse sido derrotada, a história dessa civilização que criou suas raízes na Europa seria outra – apesar de Roma, judaísmo e cristianismo também fazerem parte de seus alicerces.

A ligação entre guerra e civilização pode parecer estranha, mas está no título de um polêmico livro do historiador norte-americano Victor Davis Hanson: Por que o Ocidente Venceu – Massacre e Cultura – Da Grécia Antiga ao Vietnã (Ediouro). Hanson tem uma definição que merece ser sempre citada sobre o tema. Se os persas tivessem vencido a guerra, diz o autor, teríamos “crônicas do estado real em vez de história; panegíricos em vez de política ou oratória; puxa-sacos em cortes em vez da gritaria das assembléias; orgulho de raça em vez de orgulho na cultura; uma rígida casta sacerdotal em vez de intelectuais livre-pensantes”.

De fato, basta comparar os legados gregos de teatro, história, literatura, filosofia e escultura, para ficar claro o que poderia ter sido perdido. Hanson é um sujeito conservador, mas mesmo marxistas reconhecem o tal “despotismo asiático” que os gregos criticavam.

O mundo antigo voltou à moda na indústria cultural, com filmes e séries de televisão sobre Tróia, Alexandre, o Grande, a Roma de Júlio César e agora de novo sobre o episódio dos 300 de Esparta – os 300 guerreiros da guarda pessoal do rei espartano Leônidas que morreram defendendo o desfiladeiro das Termópilas contra as “hordas” persas.

Se existe dúvida sobre valores, se o momento é de crise ou de guerra, uma tendência tradicional é voltar-se ao passado. O Ocidente hoje estaria em guerra com um “Oriente” de terrorismos e fundamentalismos, por isso relembrar as origens heróicas volta à moda.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Não resta dúvida também de que a saga dos 300 espartanos provoca admiração e respeito. Foram heróis que morreram por uma causa nobre. Justamente por isso é bom dar uma olhada em contrapontos. Um dos valores do Ocidente mais importantes é a existência de intelectuais livre-pensantes, é a liberdade de expressão. O “Ocidente” venceu porque soube ser mais implacável em combate, soube aplicar melhor disciplina às tropas, usar a pesquisa científica e tecnológica para produzir armas mais eficientes. Mas seria uma vitória vazia se não houvesse liberdade de expressão, democracia e respeito aos direitos humanos – os principais valores ocidentais.

Uma sugestão é ler um romance histórico do americano Gore Vidal, Criação (Nova Fronteira). O livro é narrado por um persa que viveu durante os conflitos com os gregos e teria sido amigo do rei Xerxes. Vidal é um autor polêmico, assumidamente militante homossexual e de esquerda, crítico das intervenções militares americanas – bem ao contrário de Hanson. O romance narra as viagens do persa por várias partes do mundo e seu encontro com filósofos em um momento de glória para diversas civilizações – não só a grega (“proto-ocidental”), como também a persa, a indiana e a chinesa.

Pode-se dizer que o narrador é um mau perdedor: não foram os gregos que ganharam a crucial batalha naval da Ilha de Salamina, perto de Atenas, e sim os persas que a perderam, graças à traição e à incompetência de marinheiros fenícios, seus aliados. O narrador, Ciro, também ridiculariza o grego Heródoto de Halicarnasso, o “pai da história”, a mais importante fonte sobre as guerras greco-persas. Ciro diz que o livro do grego é mentiroso, mal escrito e chato. É óbvio exagero retórico, apesar de Heródoto ser algo liberal com os números, superdimensionando ao absurdo o tamanho do exército persa. Mas mesmo que não tenha havido os milhões que o grego citou, era uma força que incluía tropas do maior império do mundo à época. Havia persas, egípcios, fenícios, assírios e até etíopes e afegãos nas hostes do rei Xerxes.

Ele queria se vingar dos gregos por estes terem se metido em seus assuntos já na época do rei anterior, seu pai, Dario (gregos tinham apoiado a revolta de gregos vivendo em colônias no litoral da Ásia Menor, atual Turquia). E fez um discurso afirmando que um de seus objetivos era vingar a destruição de Tróia pelos gregos. Ou seja, ele também via um confronto em curso entre Oriente e Ocidente, entre Ásia e Europa.

A descrição do episódio dos 300 de Esparta feita pelo persa de Vidal é, no mínimo, curiosa. “A princípio, a guerra correu bem. Frota e Exército em perfeita coordenação desceram a costa da Tessália. No caminho, um rei de Esparta foi morto com todos os seus homens. Quatro meses depois de Xerxes ter feito seu discurso em Tróia, ele estava na Ática”, diz ele.

O livro de Vidal não deixa de ser divertido, e sua erudição é inquestionável. Mas se os persas tivessem vencido e o mundo fosse todo feito a sua imagem e semelhança, esse tipo de livro contestando visões tradicionalmente aceitas jamais teria sido publicado. A interpretação de Hanson ainda é mais razoável.

Ricardo Bonalume Neto, 45 anos, é repórter da Folha de S. Paulo especializado em ciência e assuntos militares. Cobriu conflitos em vários continentes e é autor de A Nossa Segunda Guerra – Os Brasileiros em Combate, 1942-1945.