Conheça o passado dos principais pratos da nossa gastronomia regional
Pegue a flora, junte à fauna e acrescente os temperos de imigrantes e nativos. Não tinha como dar errado a rica culinária brasileira. Basta viajar pelo país para descobrir que cada recanto tem seu prato preferido, aquele apreciado no dia-a-dia, ou ainda o especial servido só em ocasião de festa. Alguns não respeitaram o traçado geográfico e se impuseram pela proximidade da vizinhança. "A cozinha brasileira é sem fronteiras. Muitas receitas tornaram-se típicas de regiões inteiras, não só de um ou outro estado", diz Graziela Milanese, professora de História da Gastronomia da Universidade Anhembi-Morumbi. Confira, a seguir, a origem das delícias mais representativas do Oiapoque ao Chuí.
Comida é pasto
A necessidade de cada lugar formou nosso cardápio
Pampas
O charque, carne ultrassalgada e curada ao ar livre segundo técnica importada dos países andinos, era importante artigo de comércio entre o Sul e o Norte do país no século 17. Para alimentar quem as transportava, era misturada com arroz, temperos, tomate e pimentão, transformando-se no arroz de carreteiro.
Pantanal
O Pantanal só foi parcialmente desbravado pelos europeus a partir do século 17. Na bagagem, os bandeirantes levavam a mandioca e uma fome de leão, que os fazia comer o que vissem pela frente. No caso, o caldo de piranha: peixe bem cozido, com temperos e mandioca ralada.
Pará
O pato com tucupi é o prato principal do Círio de Nazaré, a festa católica considerada o Natal paraense. O ingrediente mais importante é o tucupi, líquido extraído da mandioca brava, que aparece em várias receitas da região. Era vendido, originalmente, nas barracas beneficentes das feiras.
Goiás
O primeiro índio que comeu pequi deve ter se arrependido: o fruto, natural do cerrado, é cheio de espinhos minúsculos. Não por acaso, por séculos ele só servia para fazer sabão. Até que se descobriu um jeitinho de morder a iguaria. Hoje, o arroz de pequi é o prato mais famoso da culinária goiana.
São Paulo
Os mouros faziam o cuscuz com arroz ou trigo. No Brasil, a massa passou a ser de milho e ganhou o país. Em São Paulo, ganhou roupa de festa. Provavelmente graças aos portugueses, foi incrementado com palmito, azeitona, sardinha e camarão.
Interior do Sudeste
Comerciantes que cruzavam o país, os tropeiros criaram seu próprio feijão: sem caldo (portanto mais fácil de transportar), misturado à farinha de mandioca. Originalmente paulista, o feijão tropeiro é destaque da culinária mineira, região onde a receita foi sabiamente aprimorada.
Sertão nordestino
Versão menos salgada da carne-seca, a carne de charque é curada por menos tempo. Virou símbolo de Nordeste porque o Rio Grande do Norte e o Ceará deram início a sua industrialização. No fim do século 17, era distribuída pelos rios. Originalmente feita de sobras, hoje existe até em versão nobre.
Pernambuco
Patrimônio de Pernambuco, o bolo Souza Leão é à base de mandioca, coco e açúcar, muito açúcar. Segundo registros, foi servido pela primeira vez a dom Pedro II (1825-1891). Os pesquisadores acreditam que todas as receitas que aparecem são variações do bolo criado por Rita de Cássia Souza Leão Bezerra Cavalcanti.
Bahia
Em iorubá, acarajé quer dizer "comer fogo". Bolinho de feijão-fradinho frito em dendê de origem africana, surgiu no Brasil colonial, quando as escravas vendiam o quitute em tabuleiros. A renda ia para "fazer o santo", a iniciação no candomblé. É considerada até hoje comida sagrada, ofertada aos orixás.
Rio de Janeiro
A feijoada não surgiu na senzala. O prato foi obra dos portugueses, que colocaram feijão no cozido de carnes, legumes e verduras que comiam. A versão feita com feijão-preto é carioca. No restante do país, também são usados grãos mais claros (e leves).
Paraná
A receita de barreado, original dos caboclos, ganhou fama há cerca de 200 anos, durante o entrudo, a versão portuguesa do carnaval. Os foliões saíam às ruas e deixavam a carne cozinhando em panela de barro lacrada. Na volta, estava pronto. Come-se com banana e farinha.