Em novo documentário na Netflix, vítimas do Hospital Colônia de Barbacena contaram os horrores que viveram no que ficou conhecido como o ‘Holocausto Brasilerio’
Isabelly de Lima Publicado em 26/02/2024, às 13h56 - Atualizado às 14h30
No coração de Minas Gerais, a cidade de Barbacena guarda em sua memória um capítulo sombrio da história brasileira: o Hospital Colônia, uma instituição que funcionou entre 1903 e 1980 e se tornou um símbolo de horror e desumanização.
Dentre a situação precária até a exploração dos internos, o local virou cenário de um dos episódios mais obscuros da história do país.
Definido por muitos como um “depósito” de desajeitados, o hospital abrigou desde pacientes com quadros psiquiátricos até crianças com alguma deficiência motora.
+Hospital Colônia de Barbacena: Os horrores do holocausto brasileiro
No local, também havia aqueles que não tinham nenhum problema de saúde, mas que, graças a um acontecimento da vida, acabaram internados.
Um exemplo disso eram as mulheres que engravidavam antes do casamento. Por não seguirem as normas sociais, por que não mandá-las para o Colônia?
As atrocidades cometidas inspiraram o ilustre livro "Holocausto Brasileiro", da jornalista Daniela Arbex, um relato contundente das condições precárias, da violência e da negligência que marcaram a vida de inúmeros pacientes.
No último dia 25, foi lançado no streaming da Netflix o documentário de mesmo nome do livro, que explora detalhes do que realmente aconteceu no Hospital Colônia, reunindo antigos funcionários, jornalistas, fotógrafos, e, claro, ex-internos. No documentário, alguns dos ex-internos desabafaram sobre o que viveram.
No começo da década de 1970, dezenas de menores de idade foram transferidos do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil de Oliveira para o Hospital Colônia. Conhecidos como os meninos e meninas de Oliveira, essas crianças sofreram tudo aquilo que os outros internos viveram: o abandono e maus-tratos.
No documentário, alguns deles foram entrevistados, revelando ao público as 'motivações' das internações, que evidenciam o abandono dos pais ao terem filhos com problemas psicológicos.
Antônio da Silva, um ex-menino de Oliveira, contou que chegou ao local aos 12 anos. Filho de pai adotivo, ele foi enviado para o primeiro hospital por ele, já que a mãe morreu durante o parto.
A gente tomava injeção de impregnar, o corpo da gente ficava torto. A gente fazia força para descer o braço, assim, não conseguia, doía muito. Dava choque lá. A gente ficava no pátio, ficava pelado. Ficava na cela pelado também. Jogavam água na cela, eu ficava dentro d’água na cela. Ficava apanhando lá”.
Já Geraldo Antônio da Silva revela que chegou ao Colônia enviado por sua madrinha, que alegava que ele era muito travesso — além disso, tem uma deficiência no braço direito.
Geraldo ajudou os responsáveis pelo choque ao segurar os internos. “Às vezes, o choque passava pra gente, sabe? [...] Conforme a intensidade do choque, passava pra gente”.
Um dos casos mais comovente do documentário é o de Manuel Nascimento, que afirma ter tomado “injeção de entortar” e que quase “beirou” a morte. Ele conta que apanhou muito no Colônia, tudo isso à toa.
Fazia faxina e alega não ter sido um menino de muita bagunça, mas, ainda assim, apanhava. O pai de Manuel que o enviou para o Colônia e hoje, ainda internado em uma instituição psiquiátrica, ele desabafa:
Ninguém veio me visitar, nem aqui, nem lá. Ninguém. Eu tô com saudade do meu pai até hoje”.
Eliza Campos Silva, uma ex-menina de Oliveira, relatou ter sido internada e disse ter passado fome. Assim como outras crianças, ela também foi internada pelos pais.
Além do caso das crianças de Oliveira, o documentário exibe uma história tocante e emocionante — mas, com certeza, triste. João Bosco e a mãe foram separados graças a uma irmã da igreja católica.
Geralda Siqueira foi uma ex-interna que viveu no Colônia sem apresentar nenhum tipo de problema psiquiátrico ou físico. Quando muito jovem, ela foi abusada sexualmente pelo patrão, um advogado que a contratou para ser empregada doméstica.
Para se livrar de Geralda, o patrão a enviou para o Colônia. No local, ela teve o filho, João Bosco. A mulher trabalhava no berçário, até que, um dia, a freira responsável pela área enviou João e outras crianças para o Pinheiro Grosso, um abrigo, a FEBEM. Após questionar o envio do filho, a irmã a mandou para levar choque.
Me arrastaram para a sala de choque. Ela me deu um choque. A irmã Tereza. Aí, ela virou e falou comigo assim: ‘Aqui, você não volta mais, não, porque se você voltar aqui outra vez, vou te por no pátio’. Aí nunca mais tive contato com ele [João Bosco]”.
Mãe e filho ficaram separados por mais de 40 anos, no entanto, o corpo de bombeiros de Minas Gerais localizou Geralda em 2011 e promoveu o reencontro entre mãe e filho.
O documentário disponível na Netflix é produzido por Alessandro e Daniela Arbex, Roberto Rios e Maria Angela de Jesus. Focando em contar detalhes do horror que matou mais de 60 mil pessoas ao longo de diversas décadas, a produção reúne um grande grupo de especialistas e pessoas que viveram no Colônia para relatarem aquilo que viram durante o século 20 em Barbacena.
O documentário se encerra com a seguinte dedicatória:
“Este filme é dedicado a todas as vítimas do Colônia e aos sobreviventes dessa tragédia por sua coragem de romper o silêncio”. Confira o trailer:
Ainda Estou Aqui: Entenda por que o filme é tão importante para o Brasil
Dom Antônio de Orleans e Bragança recebia a "taxa do príncipe"?
Banco Central sob Ataque: Veja a história real por trás da série da Netflix
Outer Banks: Série de sucesso da Netflix é baseada em história real?
O Rei Leão: Existe plágio por trás da animação de sucesso?
Ainda Estou Aqui: O que aconteceu com Eunice Paiva?