Em 1962, uma mulher de Liverpool comprou uma curiosa pintura do século 19 para seu marido; mas sua história é bem mais intrigante do que se pensava
Éric Moreira Publicado em 17/07/2024, às 19h00 - Atualizado em 18/07/2024, às 18h18
Em 1962, uma mulher católica residente de Liverpool, na Inglaterra, foi até uma loja de antiguidades com o intuito de comprar um presente para o aniversário de 60 anos de seu marido. Inicialmente, ela decidiu comprar uma cigarreira de ouro, no entanto, quando levou o objeto para casa e presenteou o marido, ele disse que havia parado de fumar.
Assim, ela voltou à loja de antiguidades, e trocou a cigarreira — que custara cerca de 100 libras esterlinas — por outro item bastante curioso: uma pintura a óleo que representa um jovem judeu, rodeado por clérigos católicos, em uma cena ambientada na Itália.
O que ela não esperava é que a compra, na verdade, seria bem mais valiosa do que pensava. A obra, 'O Sequestro de Edgardo Mortara', criada pelo pintor judeu-alemão Moritz Daniel Oppenheim no século 19, acabou leiloada pela Sotheby's por mais de US$ 400 mil, informou o site Tablet em 2013.
Essa pintura, no caso, foi considerada perdida por mais de um século, e retrata o notório caso de Edgardo Mortara, um menino judeu italiano que foi sequestrado com apenas 6 anos por autoridades católicas em Bolonha, em 1858. Inclusive, o episódio inspirou o filme "O Sequestro do Papa", que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 18.
+ "O Sequestro do Papa": Filme baseado em fatos chega aos cinemas nesta quinta-feira (18)
Edgardo Mortara era um menino judeu italiano que, com apenas 6 anos, foi levado por autoridades da igreja católica da casa de sua família em Bolonha, em 1858.
Quando era bebê, foi batizado em segredo por uma empregada da família, o que faria com que ele tivesse de ser considerado católico aos olhos da igreja, portanto, não poderia ser criado por uma família que tivesse uma fé diferente.
Mesmo que a família do garoto tenha apelado e protestado para que ele não fosse tirado de seus braços, no fim, Edgardo Mortara foi levado a um mosteiro em Roma, onde foi acolhido pelo papa e criado como católico. Além disso, quando cresceu, tornou-se padre.
Inclusive, vale mencionar um episódio em 1870 — quando a família Mortara já tentava recuperar o jovem Edgardo, então com 19 anos — em que Momolo Mortara, pai de Edgardo, foi a Roma para tentar resgatar o filho.
Sem ver os pais há mais de uma década, e convertido ao catolicismo, ele preferiu não retornar para sua família, e viveu o restante de sua vida como padre.
Na época do sequestro, os esforços da família Mortara para conseguir que ele retornasse foram razão para grande indignação e controvérsia na Itália, resultando em críticas de uma série de líderes judeus e rabinos de toda a América e Europa, que pressionaram o papa pela devolução de Mortara.
"O caso Mortara teve um grande impacto no curso da história italiana e um grande impacto no curso da atividade organizacional de autodefesa judaica", disse David Kertzer, professor e autor do livro 'O Sequestro de Edgardo Mortara', de 1997, onde detalha o caso, em entrevista à Tablet.
Já sobre o quadro, é importante mencionar que, em 1858, quando o garoto foi sequestrado, o pintor alemão Moritz Daniel Oppenheim já era um artista estabelecido internacionalmente, que vivia em Frankfurt e era celebrado por retratos da emergente burguesia judaica alemã. Ele é considerado o primeiro pintor judeu da era moderna, e é certamente o primeiro artista judeu alemão a ser aclamado internacionalmente.
Com pouco mais de 20 anos, Oppenheim viveu na Itália durante quatro anos, onde presenciou fenômenos da época. Acontece que Edgardo Mortara não foi o único menino sequestrado pela Igreja Católica, havendo ainda outros casos semelhantes registrados, de crianças batizadas e que, por isso, foram levadas.
Tanto que o artista alemão já descreveu uma ocasião em que entrou em uma casa de uma judaica, e as mulheres rapidamente reuniram todas as crianças na sala, para as esconderem fora de vista. Foi só depois que garantiu que também era judeu, que a situação se resolveu.
Então, quarenta anos depois da visita, Oppenheim ouviu a respeito do caso Mortara. Logo, suas memórias e antigas experiências de Roma retornaram, e assim, em 1862, ele criou a obra 'O Sequestro de Edgardo Mortara'.
Em algum momento, porém, a pintura de Oppenheim desapareceu, e por mais de um século as únicas imagens representando Mortara conhecidas eram fotografias já como padre.
A então vice-presidente sênior da Sotheby's e chefe do Departamento de Belas Artes, Judaica e Arte Israelense, Jennifer Roth, acreditava que a obra foi levada para a Inglaterra por um imigrante judeu alemão no fim do século 19, e passada de geração em geração até que, eventualmente, foi vendida à loja de antiguidades de Liverpool.
Há 5 mil anos: Confira a última refeição feita por Ötzi
Irmãos Menendez: Veja o que aconteceu com as figuras mostradas na série
Irmãos Menendez: O que aconteceu com o psicólogo de Lyle e Erik?
Conheça Grande Adria, continente perdido há mais de 100 milhões de anos
Irmãos Menendez: Entenda como ex-Menudo pode reacender o caso criminal
Irmãos Menendez: Veja o que aconteceu com Lyle e Erik