Dirigido pelo lendário Francis Ford Coppola, 'Megalópolis' já pode ser considerado um dos filmes do ano, para o bem ou para o mal
Felipe Sales Gomes, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 06/11/2024, às 15h15 - Atualizado às 17h25
De imediato, o ambicioso Megalópolis (2024), de Francis Ford Coppola, já premedita o que o espectador pode esperar sobre o filme: uma fábula — sendo este o subtítulo da obra.
Antes de entrarmos em quaisquer méritos ou deméritos sobre o que o longa-metragem apresenta, é preciso destacar e congratular a singularidade do diretor veterano em custear integralmente a produção do filme (140 milhões de dólares). Com seu próprio dinheiro, sem patrocínios, público-teste ou qualquer outra regalia que o showbiz demanda.
O ato de Coppola mais do que prova que ainda é possível fazer cinema com paixão. Também é um respiro àqueles que enxergam a sétima arte como uma pintura saturada, preenchida por cores inexpressivas e técnicas previsíveis. Dominada por homens engravatados em salas de reunião de centros comerciais.
Mas será que a paixão basta para o que se entende hoje por cinema? A resposta, por mais decepcionante que seja, é: depende.
Se estamos considerando transferir ao público a responsabilidade de compreender as paixões do diretor, afirmo seguramente que Megalópolis não é o meio mais eficaz e direto para tanto. Lembre-se: a narrativa é fabulosa. O espectador precisa comprar a ideia já nos primeiros minutos para embarcar na jornada que Coppola propõe.
Na trama, acompanhamos o embate entre o arquiteto Cesar Catilina (Adam Driver) e o prefeito da cidade de Nova Roma — alusão americanizada ao Império Romano — Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito). Enquanto o urbanista propõe a criação de um modelo arquitetônico moderno e utópico para a cidade, o líder decadente se mostra resistente à ideia.
A narrativa se desenvolve em torno desta tensão, e aborda temas inerentes e fundamentais à existência humana: a ambição da jornalista Wow Platinum (Aubrey Plaza); o poder que se concentra nas mãos de Catilina; a inveja de Clodio Pulcher (Shia LaBeouf); a ganância de Hamilton Crassus (Jon Voight); o orgulho do prefeito Cicero e a luxúria, papel difundido entre modelos erotizadas, a cantora Vesta Sweetwater (Grace VanderWaal) e Julia Cicero (Nathalie Emmanuel), a filha do prefeito.
Você já deve imaginar aonde pretendo chegar. Em 'Megalópolis', Coppola parece criar sua própria versão do que seriam os sete pecados capitais, e como eles se conectam à contemporaneidade.
Como uma história fabulada, 'Megalópolis' se presta ao papel de recorrer a uma atmosfera lisérgica repleta de absurdos, devaneios e teatralidades. Os monólogos da obra invocam um ambiente lúdico e dramatúrgico que se autorreverencia a todo momento. O paralelo com Roma serve como porta de entrada para a problematização de idealizações do Ocidente e de fetiches sobre o urbano e seus mistérios.
Logo, é de se esperar que críticas sociais e políticas se façam presentes no decorrer do longa, que se aproveita da alegoria de seus personagens para retratar questões como direitos reprodutivos, polarização social, extremismo político e o constante embate entre conservadorismo e progressismo.
Embora a montagem seja realmente deslumbrante, são os diálogos de 'Megalópolis' e as propostas dos atores a seus personagens que podem bagunçar o meio de campo. Enquanto Driver e LaBeouf se adaptam brilhantemente à temática fantasiosa do longa, Emmanuel parece levar seu papel muito a sério, o que quebra a dinâmica de Julia nas interações com as outras personagens.
Está aí talvez a maior fragilidade de 'Megalópolis', que por vezes parece não saber optar entre ser levado a sério e se ocultar no tom alegórico e onírico. O primeiro ato do filme é tomado por uma atmosfera delirante. Entretanto, é no segundo ato que essa atmosfera subitamente se esvai, tornando o filme inesperadamente sóbrio.
Na minha percepção, talvez Coppola tenha tido algum receio em satirizar e fantasiar confrontos políticos radicalizados, então o filme bebe de uma fonte taciturna no momento em que as discussões sobre a cidade passam para o segundo plano.
O abstrato ainda está lá, Cesar ainda consegue controlar o tempo, mas seus planos não são mais temática central de 'Megalópolis', pelo menos não até o ato final.
'Megalópolis' flutua continuamente em suas ênfases, ora na forma, ora no conteúdo. Existe um grande desentendimento em relação a isso. A obra é provocativa, ela quer criticar, mas parece priorizar a forma da crítica em detrimento da coisa criticada. Isso resulta em soluções rápidas, sem profundidade ou explicação.
Por sorte ou ironia, 'Megalópolis' pode ser definido pela própria palavra a que o título do filme alude: Megalomania. Esse fenômeno pode ser entendido como um estado de devaneio ou exagerada ambição, no qual a pessoa afetada passa a ter delírios de grandeza e se colocar em um superlativo ilusório.
Geralmente, o megalomaníaco passa longe de ser tão grandioso quanto imagina. Se esse é o caso de 'Megalópolis'? Deixo para o leitor descobrir.
Nota: 3.5/5
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