Em mais de 20 anos de carreira, Kaiser passou por diversos clubes do futebol brasileiro, mas jamais jogou uma partida oficial em algum deles
Fabio Previdelli Publicado em 31/05/2020, às 09h00 - Atualizado em 24/11/2022, às 13h00
Além de amplo celeiro de craques, o futebol brasileiro também é repleto de jogadores folclóricos. Afinal, como não se lembrar do volante Amaral, que deixou o emprego de coveiro, teve ótima passagem pelo Palmeiras e chegou até mesmo a vestir o manto canarinho.
Ou então Vampeta, que foi campeão da Copa do Mundo de 2002 e desfilou sua irreverencia quando deu inúmeras cambalhotas na rampa do planalto, quando a seleção foi recebida pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Isso sem contar os causos de Romário, Ronaldo, Garrincha ou até mesmo os diversos rolês aleatórios de Ronaldinho Gaúcho.
Mas de todos esses nomes, nenhum se destaca tanto quando Carlos Henrique Kaiser, que rodou por grandes clubes do futebol brasileiro — e até mesmo do exterior — sem ter disputado partidas oficiais. Tal feito lhe rendeu a alcunha mais do que justa de Forrest Gump do futebol brasileiro.
Segundo Ricardo Rocha, amigo de Kaiser e ex-jogador de futebol, numa disputa entre o colega e o Pinóquio, o personagem da Disney perdia de lavada. “Pior do que cara de pau, esse rapaz é o maio 171 do futebol brasileiro”, brinca ao falar para o Globo Esporte sobre o jogador que teve passagem pelo Vasco, Flamengo, Fluminense, América, Bangu, Palmeiras, Ajaccio...
Mas como o ele conseguia enganar treinadores e dirigentes por onde passava? A resposta é bem simples, além de ter um leque de estratégias bem elaboradas, Kaiser sempre foi muito bem relacionado com a boleiragem.
A lista de parceiros é enorme e digna de bola de ouro. Além de Ricardo Rocha, havia Carlos Alberto Torres, Renato Gaúcho, Romário, Edmundo, Branco, Maurício, isso pra citar alguns deles.
Além do mais, Kaiser também tinha uma ótima companhia atuando ao seu lado: a tecnologia — ou melhor falando, a falta dela. Numa época onde os meios de comunicação ainda não eram tão desenvolvidos com atualmente são e nem gozávamos do advento da internet ou da TV por assinatura, Kaiser se aproveitava da falta de informação. Assim, sempre que um amigo era contratado por uma grande equipe, ele era levado como contrapeso na negociação.
A estratégia do suposto atacante para enganar dirigentes e treinadores era elaborada. Desde cedo, Kaiser sempre foi muito bem relacionado. E fazia amizade com facilidade com jogadores importantes do futebol brasileiro. A lista de amigos era grande... Carlos Alberto Torres, Rocha, Moisés, Tato, Renato Gaúcho, Ricardo Rocha, Romário, Edmundo, Gaúcho, Branco, Maurício... Apenas para citar alguns nomes.
Em uma época em que os meios de comunicação ainda não eram tão desenvolvidos, em que não existia Internet, TV por assinatura transmitindo ao vivo jogos de todo o mundo ou empresários circulando pelos corredores dos clubes com DVDs editados de dezenas de jogadores, Kaiser se aproveitava da falta de informação. Sempre que algum de seus amigos famosos era contratado por um clube, ele era levado como contrapeso para fazer parte do elenco.
“Eu assinava o contrato de risco, mais curto, de normalmente três meses. Mas recebia as luvas do contrato e ficava lá este período”, revela. “É um amigo nosso, uma ótima pessoa, um ser humano extraordinário. Mas não jogava nem baralho. O problema dele era a bola. Nunca vi ele jogar em lugar nenhum. É um Forrest Gump do futebol brasileiro. Conta história, mas às 16h da tarde, num domingo, no Maracanã, nunca jogou. Tenho certeza”, explana Ricardo Rocha.
Além da fala mansa, Kaiser também tinha um ótimo atributo a seu favor: o físico de atleta. Grandalhão, sempre teve um porte físico avantajado e tinha a famosa pinta de jogador. Além do mais, sempre mostrava dedicação, puxando a fila nos treinos.
Como sempre se apresentava fora de forma, conseguia duas semanas de enrolação só para recuperar o tempo de jogo. Mas sua máscara quase caia quando que a bola rolava. Quase, senão fosse a segunda parte de seu plano.
“Eu mandava alguém levantar a bola pra mim e errava a bola. Aí sentia o posterior da coxa, ficava 20 dias no departamento médico. Não tinha ressonância [magnética] na época. E quando a coisa ficava pesada para o meu lado, tinha um dentista amigo meu que dava um atestado de que era foco dentário. E assim ia levando”, explica.
“Sei que ele era um inimigo da bola”, diz Renato Gaúcho. “A parte física era com ele. No coletivo ele combinava com um colega... na primeira jogada me acerta porque eu tenho que ir para o departamento médico”.
Além de toda tramoia, Kaiser também contava com a ingenuidade de alguns dirigentes e treinadores, que achavam que o atacante não passava de um jogador azarado. Assim, ele ganhava mais algum tempo de enrolação e quando a situação começava a apertar, se transferia de clube. “Não me arrependo de nada. Os clubes já enganaram tantos os jogadores, alguém tinha que ser o vingador dos caras”, diz brincando.
Ao longo da sua carreira de duas décadas, Carlos Kaiser entrou em campo poucas vezes, nenhuma delas em campos brasileiros. “Jogo completo se tiver uns 20, 30, tem muito. Todo jogo eu dava ‘migué’. Todo jogo eu saía machucado, até treino, se eu pudesse, eu saía machucado”.
O boleiro encerrou sua carreira aos 39 anos, quando atuava pelo Ajaccio, clube da segunda divisão francesa, no qual permaneceu por alguns anos. Nessa última passagem, confessar ter atuado de verdade, sem enrolação, mas se diverte ao dizer que nunca jogou mais do que 20 minutos em uma única partida.
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