Uma das influentes pinturas de Cleópatra - Getty Images
Egito Antigo

Cleópatra: a faraó que revolucionou a submissão do feminino ao masculino no Egito Antigo

Em uma época marcada pela hierarquias de gênero, a influente faraó do Egito desafiou a subjugação na antiga sociedade

Maria Thereza David João Publicado em 02/02/2020, às 09h00

Cleópatra VII serve até hoje de inspiração e modelo de mulher forte, determinada e que revolucionou uma época subvertendo o papel até então imposto às mulheres em uma sociedade na qual reinavam o silêncio e a submissão do feminino ao masculino.

Apesar de recorrente, a afirmação de que, no Egito antigo, homens e mulheres possuíam igualdade plena de direitos é falaciosa. Muito embora o espaço e a importância devotados a elas fossem muito maiores que os existentes em outras sociedades da Antiguidade, entre os egípcios existiam, sim, hierarquias de gênero.

Ao longo da história egípcia, a deusa Isis foi o modelo de mãe e esposa a ser seguido. A lenda conta que o marido de Isis, Osíris (então governante do Egito), foi assassinado por seu irmão Seth e seu corpo foi esquartejado e espalhado por diversos lugares. Determinada, a deusa percorreu o país em busca dos membros a fim de trazer Osíris de volta à vida e gerar um herdeiro, Hórus.

Reprodução da deusa Isis / Crédito: Divulgação

 

A deusa Hathor, por sua vez, simbolizava a natureza dual que os egípcios acreditavam existir nas mulheres: são benevolentes, símbolos de fertilidade e prosperidade, mas têm um lado perigoso e destrutivo, que deve ser apaziguado.

Os Ensinamentos de Ptah-Hotep, um conjunto de máximas do século 18 a.C. sobre as relações humanas, orienta os homens a amar as esposas e deixá-las afastadas de posições de poder: "Reprima-a, pois seu olho é um vento de tempestade quando ela encara".

O contexto em que governou Cleópatra, porém, não é o do esplendor faraônico. Trata-se de um Egito pós-dominação grega, bastante influenciado pela herança cultural da Grécia clássica e helênica. A tradição grega vê os espaços de destaque, especialmente na política, como masculinos por excelência.

Nesse sentido, Cleópatra comportaria, na visão dessa sociedade, um desvirtuamento, o qual deveria ser condenado. Os escritos sobre a rainha mostram o olhar masculino sobre os sujeitos femininos, no qual características como agressividade, iniciativa e poder de decisão são atributos reservados aos homens, nunca às mulheres, das quais esperava-se submissão.

A imagem de Cleópatra como uma mulher perigosa, cheia de ardis e pouco confiável, certamente foi construída por homens que julgavam o papel ativo de uma mulher na política algo intolerável. Mais interessante ainda é observar como sua imagem produzida pelo imperador romano Otávio Augusto destina-se, na realidade, não a disforizá-la, mas a diminuir seu então inimigo, Marco Antônio.

Elizabeth Taylor na pele de Cleópatra / Crédito: Divulgação

 

Ao destacar as habilidades sexuais de Cleópatra e como Antônio deixou-se cair a seus pés, Otávio deixa desacreditadas as virtudes políticas de seu oponente, que teria provado ser fraco e não ter capacidade de liderança.

Ao tratar do feminino na Antiguidade, há que se ter cuidado: "A maioria das fontes históricas (do período) foi produzida por homens", diz o historiador Gregory da Silva Balthazar.

O império de Alexandre, o Grande, favorece um novo modelo de mulher, que mistura as tradições macedônicas, gregas clássicas e locais, no caso, egípcias. O papel da mulher no período helenístico já não é mais o da passividade e da submissão. Muitas assumem diversos reinos criados especialmente após a morte de Alexandre.

As rainhas possuíam direitos e riquezas superiores aos comuns até então. Um caso interessante é de Arsínoe II, filha de Berenice I e Ptolomeu I, que se tornou rainha ao casar-se com seu irmão Ptolomeu II.

Após a morte dele, Arsínoe tornou-se dona de um Exército, o qual comandou em batalhas com o intuito de assegurar a continuidade do poder para seus filhos, tornando-se uma regente bastante poderosa.

Falar sobre as mulheres no Egito antigo não é tarefa fácil. Esbarramos no silêncio das fontes, na sua visão masculina e nos limitadíssimos materiais acerca da vida de mulheres comuns, restringindo a análise, quase sempre, às "grandes", como Cleópatra.

Mas o esforço é válido. Dando voz a essas mulheres, podemos inspirar diversas outras a lutar para diminuir, cada vez mais, a fenda que segrega o espaço feminino do masculino na sociedade atual.


Maria Thereza David João é doutoranda em História Antiga e autora de Tópicos da História Antiga Oriental, entre outros livros e artigos publicados.


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