No ano passado, quadro chamou atenção após restauração revelar que a pintura havia apagado uma criança escravizada
Thiago Lincolins Publicado em 18/08/2024, às 13h00 - Atualizado em 26/08/2024, às 07h21
Criado no século 19, o quadro "Bélizaire e as crianças Frey" nos mostra, em uma paisagem calma da Louisiana, três crianças brancas em diferentes posições. O que muitos não imaginavam é que a tela em questão guardava um "segredo": um espaço que muitos acreditaram ser o céu, na realidade, escondia um menino escravizado.
Na virada do século passado, explicou o The New York Times, o jovem foi apagado e o quadro acabou esquecido durante anos em sótãos e até mesmo no porão de um museu.
“Há dez anos venho querendo adicionar uma obra dessas à coleção do Met [Metropolitan Museum of Art]”, afirmou Betsy Kornhauser, curadora de pinturas e esculturas, responsável por adquirir o quadro, ao jornal “e esta é a obra extraordinária que apareceu”.
De acordo com Betsy, o museu comprou a obra, creditada a Jacques Amans, um antigo retratista francês. Na pintura, Bélizaiere, o garoto, está na parte mais alta da obra e encostado numa árvore. Ele se encontra atrás das crianças.
Durante anos, o quadro chamou a atenção de um colecionador de arte chamado Jeremy Simien, que encontrou a pintura numa imagem disponível na internet em 2013. Se tratava da versão original, que apresentava a criança negra.
Curioso com a tela, ele ficou intrigado ao encontrar uma foto tirada antes de 2005, quando o quadro foi retirado do Museu de Arte de Nova Orleans e disponibilizada num leilão. Na imagem, o rapaz não era exibido.
Com cada vez mais dúvidas sobre a pintura, ele pesquisou antigos registros de leilão, arquivos de fotografias e catálogos. Foi quando alguém o avisou que o quadro se encontrava numa loja de objetos antigos na Virgínia. Em seguida, ele chegou numa coleção privada em Washington e adquiriu o quadro.
O colecionador queria desvendar o mistério que envolvia o apagamento da criança. "Sabíamos que precisávamos descobrir quem ele era, como um filho da Louisiana", afirmou ele conforme repercutido pelo veículo, "e como alguém digno de ser lembrado ou conhecido".
A história ganhou desdobramentos através da historiadora Katy Morlas, contratada por Simien. Com registros de propriedades e censo, ela conseguiu descobrir o nome do rapaz.
Morlas descobriu que Bélizaire nasceu em 1822 em French Quarter, bairro localizado em Nova Orleans. Ele era filho de uma mulher chamada Sallie e tinha irmãos e irmãs. Em um contexto infeliz, a historiadora descobriu que, exceto um, todos foram vendidos.
Aos seis anos, Bélizaire e a mãe foram comprados por um banqueiro e comerciante chamado Frederick Frey. Casado com Coralie, residia numa casa localizada em French Quarter e contava com inúmeros escravizados.
O rapaz negro foi determinado como doméstico e a mãe trabalhava como cozinheira. A antiga documentação indica que a obra foi pintada aproximadamente em 1837, quando o jovem tinha 15 anos.
Além disso, ele foi o único presente na pintura que chegou a fase adulta. Elizabeth e Léontine Frey faleceram no mesmo ano. A provável causa foi apontada como febre-amarela. Já Frederick morreu anos depois.
Frederick Frey não viu mais os negócios prosperarem. Quando faleceu, sua esposa acabou por vender Bélizaire para a Evergreen Plantation. Seu nome aparece em inventários até a eclosão da Guerra Civil, em 1861.
A pintura em questão permaneceu na família do dono de escravos durante muito tempo, no entanto, ainda é um mistério o exato momento em que o rapaz foi apagado da tela.
Para Craig Crawford, que trabalha com conservação, é possível que o ato tenha ocorrido por volta de 1900. O especialista diz isso baseado no padrão das fissuras.
A segregação, que teve desdobramentos em Nova Orleans com a virada do século, pode ter contribuído para o apagamento. "Nenhuma pessoa branca de qualquer posição social em Nova Orleans naquela época gostaria que uma pessoa negra fosse retratada com sua família em sua parede", disse Crawford.
O tataraneto de Coralie Frey, Eugene Grasser, tirou a pintura do sótão de uma tia idosa e guardou na casa dos pais na década de 1950. Já em 1971, a mãe de Eugene ofereceu o quadro, ele, no entanto, recusou. Como resultado, a obra acabou no Museu de Arte de Nova Orleans, que não restaurou a obra.
Após um leilão, o quadro acabou vendido por US$ 6.000. Quem o comprou foi um homem que negocia antiguidades, que pediu que Katja Grauman, conservadora, fizesse um teste de limpeza na tela. Assim surgiu a verdade: Bélizaire fora apagado.
Depois, a pintura foi vendida para um colecionador particular de Washigton, que acabou abordado por Simien em 2021. Hoje, o retrato se encontra na ala americana do Met, que quer investigar o que aconteceu com o rapaz negro e por que ele foi retratado no quadro.
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