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Matérias / Carnaval

A história de Luiza Mahin, homenageada pela Portela

Com passado incerto e alvo de debate, mãe de Luiz Gama, Luiza Mahin, participou da articulação de todas as revoltas e levantes de escravos da Província da Bahia

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 06/02/2024, às 18h00

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Imagem geralmente utilizada ao representar a história de Luiza Mahin - Alberto Henschel
Imagem geralmente utilizada ao representar a história de Luiza Mahin - Alberto Henschel

Maior campeã do Carnaval do Rio de Janeiro, com 22 conquistas, a Portela busca novamente fazer história. Agora com o samba-enredo "Um Defeito de Cor", de André Rodrigues e Antônio Gonzaga

Baseado na obra homônima de Ana Maria Gonçalves, a escola centenária recriará a trajetória da mãe preta Luiza Mahin. O projeto, fundamentado no afeto, será dedicado a todas as mães, aponta Gonzaga

É um enredo que dedicamos às nossas mães, nossas avós e a cada mulher preta que carrega a força de sobreviver, ser e semear novas histórias", diz o carnavalesco à Globo. 

"'Um Defeito de Cor' é a história da luta preta no Brasil incorporada em uma mulher que enfrentou os maiores desafios imagináveis para continuar viva e preservar suas heranças e raízes. A história de uma mãe, heroína, filha de África, que pariu a liberdade dessa nação", completa. Mas quem foi Luiza Mahin?

Luiza Mahin

Segundo artigo publicado pela Fundação Cultural Palmares, acredita-se que Luiza Mahin tenha nascido no início do século 19. A data é incerta, mas possivelmente seja em meados de 1812. Oriunda de Costa Mina, na África, ela foi trazida ao Brasil como escravizada. 

Luiza teria pertencido à tribo Mahi — daí o seu sobrenome —, da nação africana Nagô, e comprado sua alforria em 1812. Livre, tornou-se quituteira em Salvador, descreve artigo do Projeto A Cor da Cultura. 

Em 21 de junho de 1830, deu à luz a um filho que mais tarde se tornaria poeta, advogado e abolicionista: Luiz Gama. Sua história, aliás, não possui nenhum registro anterior a carta autobiográfica escrita por Gama em 1880. 

Imagem de Luiz Gonzaga Pinto da Gama - Domínio Público

+ Defendeu escravizados: O inestimável legado do jornalista Luiz Gama

No documento, recorda o DW, o abolicionista se apresenta como "filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de Nação), de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã".

Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, geniosa, insofrida e vingativa", prossegue. 

Articuladora de revoltas

Nas primeiras décadas do século 19, Luiza participou da articulação de todas as revoltas e levantes de escravos da Província da Bahia. Para isso, ela usava seu tabuleiro de quitutes para distribuir mensagens cifras aos escravizados propensos a aderirem aos movimentos. 

"Dava-se ao comércio — era quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreição de escravos, que não tiveram efeito", escreve Luiz Gama

Assim, aponta a Fundação Cultural Palmares, Luiza Mahin esteve envolvida na Revolta dos Malês (1835) e na Sabinada (1837-1838). Em 'Luiz Gama: O libertador de escravos e sua mãe libertária, Luíza Mahin', Mouzar Benedito ainda aponta que a casa de Mahin serviu como quartel-general dessas revoltas

Caso o levante dos malês tivesse sido vitorioso, Luiza teria sido reconhecida como Rainha da Bahia", afirma a Fundação Palmares. 
Capa do livro 'Malês – A Revolta dos Escravizados na Bahia e Seu Legado' - Editora Planeta

Para escapar da violenta repressão do Governo da Província, Luiza evadiu-se para o Rio de Janeiro. Na então capital do país, ela ainda teria participado de outras rebeliões, mas acabou sendo presa e, possivelmente, deportada para a África. Mas não existe qualquer documento que comprove essa informação. 

Figura criada?

Por fim, vale ressaltar, embora a citação de Gama tenha sido fundamental para a figura de Luiza Mahin passar a constar em historiografias, não há consenso entre especialistas de que sequer ela realmente existiu. Muitos acreditam que Mahin possa ter sido uma criação literária do abolicionista. 

"As controvérsias são por conta da ausência de outros documentos que reafirmem sua existência. Para além da carta de Luiz Gama, seu filho, o que temos são menções em obras literárias ou historiográficas, que não deixam evidentes as fontes que sustentam algumas informações", disse ao DW a historiadora Aline Najara da Silva Gonçalves

"O que percebi, ao longo da pesquisa, é que muitos podem ter sido os motivos para a ausência de documentos escritos formais sobre sua trajetória, inclusive a queima sistemática de arquivos sobre a escravidão, esta é uma hipótese. Entretanto, características físicas, psicológicas e atitudinais da Luiza Mahin, apresentadas por Gama, nos permite conectá-la a um coletivo de mulheres negras ganhadeiras que, no contexto do século 19, reagiram ao escravismo e se articularam à frente de levantes", continua. 

Para Gilvan Ribeiro, autor de 'Malês: A Revolta dos Escravizados na Bahia e seu Legado', a explicação para a ausência de informações sobre Luiza Mahin segue a linha do apagamento sistemático feito pela sociedade patriarcal do passado. 

Como mulher negra e ex-escravizada, é natural que não haja registros formais dela em documentos elaborados pelas autoridades constituídas em uma sociedade fortemente patriarcal, na qual se procurava diminuir a influência feminina no curso dos acontecimentos", teorizou ele ao DW.