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Matérias / Nazismo

Olympiastadion: Estádio que será palco da final da Eurocopa foi criado pelos nazistas

Construído para ser palco dos Jogos Olímpicos de 1936, Olympiastadion serviu como propaganda nazista, mas é parte importante da história do esporte

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 14/07/2024, às 14h00

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O Olympiastadion de Berlim - Rebecca Leisten via Wikimedia Commons
O Olympiastadion de Berlim - Rebecca Leisten via Wikimedia Commons

Neste domingo, 14, a partir das 16 horas (de Brasília), Espanha e Inglaterra se enfrentam na decisão do Campeonato Europeu de Futebol de 2024, a Eurocopa. O jogo será realizado no Estádio Olímpico de Berlim, o Olympiastadion, que tem capacidade atual para receber mais de 74 mil pessoas. 

Enquanto os espanhóis buscam o quarto título, o que os garantiria como maiores vencedores da competição — atualmente empatados com os alemães —, os ingleses lutam pela conquista inédita. 

Mas muito mais do que sediar a decisão do torneio de seleções mais importante do continente, o Olympiastadion chama a atenção por sua história. Afinal, inaugurado em 1936, o Estádio Olímpico de Berlim foi construído e financiado sob as ordens de Adolf Hitler

Símbolo nazista

Construído entre 1934 e 1936 ao custo de 43 milhões de Reichsmark, ou 247 milhões de euros em conversões para os tempos atuais, há 88 anos o Estádio Olímpico de Berlim recebeu os Jogos Olímpicos de 1936 — apenas três anos depois de Hitler se tornar chanceler e governante do país

+ Leni Riefenstahl: Cineasta favorita de Hitler registrou as Olimpíadas de Berlim

Hoje um espaço moderno e elegante, o Olympiastadion é um gigante vivo que exemplifica muito bem a ligação entre História e esporte. Desde o fim da Segunda Guerra, em meados de 1945, a Alemanha luta para que seu passado não seja esquecido e repetido.

Enquanto o bunker de Hitler em Berlim foi concretado e a prisão de Spandau, onde seu vice Rudolf Hess morreu, foi destruída, o Estádio Olímpico teve seu edifício tombado um patrimônio histórico. 

Localizado na periferia oeste da capital da Alemanha, na ponta da floresta Grunewald, o Estádio Olímpico é magistral e intimidador. O espaço ainda mantêm seus cinco anéis do emblema olímpico que está amarrado entre torres gêmeas de pedra — que são duas das seis pilastras que haviam sido erguidas ao redor do estádio. 

Segundo o The New York Times, cada uma delas simbolizava que os nazistas consideravam ser "grandes tribos alemãs" que se uniriam sob o nacional-socialismo: os bávaros, francônios, suábios, frísios, saxões e prussianos.

O Estádio Olímpico em 1936 - Deutsches Bundesarchiv

Do lado de fora, uma placa lembrava que eles deveriam incorporar "as virtudes de um passado glorioso, que havia sido perdido na era moderna" e preservar a "'blutserbe' (herança de sangue) de uma raça superior nórdica".

Projetado para ser uma declaração de poder da Alemanha nazista, o Estádio Olímpico de Berlim foi projetado para ser comparado com o Coliseu de Roma. Até hoje sinais da arquitetura do Terceiro Reich podem ser vistas por lá. 

As suásticas nazistas que adornavam o estádio, porém, foram derrubadas há tempos. Mas o espaço ainda possui uma sacada onde, antigamente, Hitler ocupava seu lugar de destaque e era saudado como um 'Heil'. 

Palco do esporte 

Naqueles Jogos Olímpicos de 1936, porém, toda tentativa de intimidação nazista foi derrubada por Jesse Owens, o atleta afro-americano que ganhou quatro medalhas de ouro na frente do Führer — um dos desempenhos olímpicos mais icônicos de todos os tempos. 

+ Como a Olimpíada de Berlim, em 1936, fez Hitler quebrar a cara

Com o fim da Segunda Guerra, a Alemanha foi dividida em Leste e Oeste e grande parte do Parque Olímpico foi ocupada pelas forças britânicas 1945 e 1994, aponta o The Athletic. Mas as Olimpíadas não foram o único grande evento ocorrido por lá. 

Durante a Copa do Mundo de 1974, o Olympiastadion sediou cinco partidas. Já na Copa do Mundo de 2006 foram seus, incluindo a final, que ficou marcada pela famosa cabeçada do astro francês Zinedine Zidane no adversário italiano Marco Materazzi.

Em 2015, o estádio serviu para Lioinel Messi desfilar seu talento na final Champions League, quando o Barcelona venceu a Juventus por 3x1. Atualmente, Olympiastadion é casa do Herta Berlin, tradicional time da segunda divisão alemã. 

Jesse Owens no pódio olímpico - Deutsches Bundesarchiv

Se Owens fez história por lá, 73 anos depois, Usain Bolt realizou o feito mais extraordinário da história do atletismo, ao registrar dois recordes mundiais no Campeonato Mundial em 2009 — 9,58 segundos nos 100m e 19,19 nos 200m. Ambos os recordes perduram até hoje.

O Estádio Olímpico de Berlim também serviu de palco para shows históricos, como as apresentações de Michael Jackson, The Rolling Stones, Bruce Springsteen, Tina Turner e Madonna.

Símbolo de poder

"O estádio está profundamente enraizado na consciência comum e na biografia da maioria dos berlinenses", aponta Martin Glass, diretor do GMP Berlin e um dos arquitetos responsáveis ​​pelas reformas do estádio na virada do século 20.

"A história começou lá em 1912. Havia outro estádio lá antes do Olympiastadion, construído com a ideia de sediar os Jogos Olímpicos de 1916, que não aconteceram devido à Primeira Guerra Mundial", diz ao The Athletic.

Quando os nacional-socialistas tomaram o poder, eles pensaram que não era apropriado apenas renovar um estádio da época do Imperador, eles queriam representar o chamado Terceiro Reich no que eles achavam que seria uma maneira apropriada. Então eles decidiram fazer um novo estádio e as Olimpíadas de 1936 foram muito mais um evento de propaganda para vender o regime nacional-socialista com uma face amigável para o público global".

Apesar de ser apresentado como palco das Olimpíadas de 1936, inicialmente Adolf Hitler se mostrava cético quanto a necessidade dos jogos; principalmente por sua aversão aos princípios fundadores da competição — que apresentava ideais de internacionalismo e inclusão.

Naquela época, o jornal nazista Volkischer Beobachter estampou em suas páginas que permitir que atletas negros competissem "é uma desgraça e uma degradação da ideia olímpica sem paralelo".

O NYT ainda recorda que Hitler, a princípio, descreveu o movimento olímpico como uma conspiração de judeus e maçons. Mas acabou sendo convencido de sua importância por Joseph Goebbels; que sabia que aquela seria a primeira Olimpíada televisionada. 

Albert Speer, arquiteto e confidente de Hitler, ainda deu a ideia de revestir o estádio com calcário — simbolizando a permanência de um Reich de Mil Anos. Estava lançada a campanha nazista que apontava a raça ariana como os herdeiros naturais dos gregos antigos.

A bandeira olímpica tremulando sobre o Estádio Olímpico - Deutsches Bundesarchiv

Autor de seis livros sobre os Jogos, Jules Boykoff, professor de ciência política na Pacific University, no estado americano de Oregon, recorda a importância do Estádio Olímpico para a propaganda hitlerista. 

Quando penso em 1936, o estádio era absolutamente crucial para a mensagem", diz ao The Athletic. "No começo, Hitler não estava muito interessado na perspectiva de sediar uma Olimpíada… Ele realmente não gostava das Olimpíadas, mas foi convencido por seu ministro da propaganda, Joseph Goebbels, de que era uma oportunidade imperdível".

Quando o Estádio Olímpico foi inaugurado, embora a Segunda Guerra ainda não estivesse começado, a difamação nazista da população judaica da Alemanha já estava em andamento há muito tempo. 

Através das Leis de Nuremberg, estabelecidas no ano anterior, os judeus foram privados da cidadania plena e de seus direitos políticos; assim como dos ataques a empresas judaicas, sua exclusão de empregos públicos e a negação de acesso a hospitais.

Apesar do termo ser mais recente, podemos dizer que os Jogos Olímpicos daquele ano serviram para os nazistas como uma espécie de 'sportswashing' — quando o esporte é usado como um meio de desviar os abusos significativos de direitos humanos.

A competição foi coberta por diversos profissionais, incluindo Arthur J. Daley, do The New York Times, que, apesar de repercutir o possível boicote aos Jogos devido ao antissemitismo, descreveu as Olimpíadas, em seu fim, como "perfeitas em cenário, brilhantes em apresentação e inigualáveis ​​em desempenho", dizendo que elas se destacaram na história como "o maior evento esportivo de todos os tempos". 

"A mera presença de Hitler foi o suficiente para dar a qualquer atleta do Reich asas inspiradoras para fazer coisas que ele nunca havia sonhado em fazer antes", completou.

Não à toa, os atletas representando a Alemanha ganharam mais medalhas naquela edição dos Jogos Olímpicos do que qualquer outra nação: com 33 ouros, 26 pratas e 30 bronzes. Mas sem ofuscar o brilho de Owens

Pós-Hitler

Depois dos Jogos Olímpicos de 1936, o estádio, até então chamado de 'Reichssportfeld' (Campo de Esportes do Reich) pelos nazistas, serviu como um campo de treinamento esportivo para os paramilitares e um local para atividades esportivas da Juventude Hitlerista. 

No túnel do estádio foi construído um teto de concreto espesso para servir de bunker antes da Segunda Guerra Mundial. Um prédio administrativo do seu complexo também serviu como depósito de munição. E, recorda o NYT, o estádio até mesmo se tornou uma sede para a rede nacional de rádio da Alemanha nazista nos meses finais da guerra.

Após o conflito, mesmo com sua simbologia, sua infraestrutura colossal e versátil permaneceu intacta, mesmo mediante ao debate de uma possível destruição por motivos éticos. 

Por lá, o Exército Vermelho chegou a formar uma guarnição antes da retirada das tropas soviéticas. Já os britânicos se mudaram para lá por décadas, sendo responsáveis pela abertura da piscina do Parque Olímpico ao público; além do estádio em si. Em 1949, o local também mudou de nome para o já convencional Olympiastadion.

A rainha Elizabeth II em visita ao Olympiastadion em 1987 - Getty Images

O próprio site do Olympiastadion explica que os britânicos começaram a desnazificar vários de seus elementos; como a redução da altura da arquibancada honorária de Hitler, a remoção de suásticas e o estreitamento do tamanho da sacada que antes era seu ponto de observação. 

Em 1966, ele foi designado como um edifício tombado, o que significa que seu status é preservado. Com o passar do tempo, o estádio começou a ganhar novos significados e representa muito bem a palavra alemã 'vergangenheitsaufarbeitung', que significa algo como "lidar com o passado".