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Matérias / Padre

John Michell, o padre britânico que previu buracos negros em 1783

Quase dois séculos antes de os buracos negros se tornarem um conceito aceito pela comunidade científica, padre já havia proposto ideias sobre o tema

por Giovanna Gomes
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Publicado em 05/01/2025, às 16h00

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M87*, o primeiro buraco negro já fotografado - Divulgação/ EHT
M87*, o primeiro buraco negro já fotografado - Divulgação/ EHT

Em 1783, quase 200 anos antes de os buracos negros se tornarem um conceito amplamente aceito pela comunidade científica, um clérigo britânico chamado John Michell propôs ideias visionárias sobre esses misteriosos corpos celestes.

Durante grande parte do século 20, muitos físicos rejeitaram a possibilidade da existência de buracos negros, ignorando previsões matemáticas. Entre os céticos estava o próprio Albert Einstein, cuja teoria da relatividade geral tornou os buracos negros teoricamente viáveis, posteriormente.

No entanto, John Michell demonstrou uma visão antecipada sobre os buracos negros muito antes de Einstein nascer. Baseando-se apenas nas leis da física newtoniana, Michell previu várias características desses objetos, ainda no século 18. Mas quem foi John Michell?

Vida pessoal

John Michell nasceu em 1724 na vila de Eakring, na Inglaterra. Filho de Gilbert Michell, reitor da paróquia local, e de Obedience Gerrard, ele cresceu em um ambiente que estimulava o pensamento independente.

De acordo com a BBC, desde cedo, John demonstrou notável capacidade intelectual. Seu pai, admirador da razão sobre a doutrina, seguia o cristianismo latitudinário, influenciado por Cambridge e pelo trabalho de Isaac Newton. Naturalmente, quando chegou a hora, John ingressou em Cambridge.

Isaac Newton / Crédito: Wikimedia Commons

Cambridge era um terreno fértil para o pensamento intelectual. Michell permaneceu na universidade por mais de duas décadas, estudando e ensinando disciplinas como teologia, hebraico, grego e geologia. Ele era conhecido por construir seus próprios equipamentos experimentais, transformando seus quartos em uma verdadeira oficina.

Descobertas

Michell começou a mostrar seu potencial científico em 1750, ao publicar um artigo sobre magnetismo que introduziu a "lei do inverso do quadrado", contribuindo para o avanço da navegação. Em 1760, publicou um estudo sobre terremotos, descrevendo as camadas estratificadas da Terra.

Ele demonstrou como os terremotos se propagam em ondas e desenvolveu métodos para estimar o epicentro e o foco do devastador terremoto de Lisboa de 1755, sugerindo também que terremotos submarinos poderiam causar tsunamis.

Clérigo cientista

Em 1764, Michell deixou Cambridge e assumiu o cargo de reitor paroquial em Thornhill, Yorkshire. Casou-se duas vezes, mas sua primeira esposa faleceu após apenas um ano. Apesar de suas responsabilidades religiosas, Michell manteve correspondência com outros intelectuais, como Benjamin Franklin.

Para Michell, a ciência e a religião não eram antagônicas. Ele via as leis naturais como manifestações das leis divinas. Sua visão estava alinhada à tradição newtoniana, que considerava o estudo da natureza um caminho para compreender a obra de Deus.

Teorias

Michell voltou sua atenção para a cosmologia e, em 1783, publicou um artigo que antecipava conceitos de buracos negros. Usando princípios newtonianos, ele sugeriu que a gravidade de uma estrela massiva poderia ser tão forte que a luz emitida por ela não conseguiria escapar. Michell argumentou que essas "estrelas escuras" poderiam ser detectadas indiretamente, por meio de suas interações gravitacionais com outros corpos celestes.

Imagem ilustrativa / Crédito: Imagem de Adis Resic por Pixabay

Embora estivesse incorreto ao sugerir que a gravidade poderia desacelerar a luz (uma ideia descartada pela física moderna), seu raciocínio estava alinhado com os conhecimentos de sua época.

Michell também propôs que esses objetos invisíveis poderiam ser identificados por irregularidades nas órbitas de corpos próximos, uma abordagem ainda usada na astronomia moderna para detectar buracos negros.

Legado esquecido

Michell faleceu em 1793, antes de completar seu trabalho com uma balança de torção projetada para medir a densidade da Terra. O dispositivo foi utilizado posteriormente por Henry Cavendish, que obteve resultados impressionantemente precisos. Apesar disso, o trabalho astronômico de Michell foi amplamente ignorado por mais de um século.

A razão para sua obscuridade está parcialmente em seu estilo de vida. Diferente de muitos contemporâneos, Michell publicava com parcimônia e seguia seus interesses pessoais, sem se preocupar em ganhar reconhecimento. Isso, aliado à mudança de paradigmas na física — com a teoria ondulatória da luz substituindo a teoria corpuscular —, contribuiu para que suas ideias fossem esquecidas.

Redescoberta

Foi apenas no século 20, com o desenvolvimento da teoria da relatividade geral, que as ideias de Michell voltaram a ser valorizadas.

O físico Kip Thorne destacou o contraste entre a aceitação das "estrelas escuras" no século 18 e a resistência aos buracos negros no século 20. Ele argumenta que, para Michell, as estrelas escuras não desafiavam crenças fundamentais, enquanto os buracos negros modernos representavam um conceito muito mais perturbador: regiões do espaço-tempo onde nada escapa.

Leia também:Viagem no tempo e espaguetificação: 5 curiosidades sobre buracos negros.