Em 27 de janeiro de 1945, o Exército Vermelho libertou Auschwitz, revelando histórias de pessoas que sobreviveram aos nazistas
Já na parte final da Segunda Guerra Mundial, os soldados soviéticos foram os primeiros a libertarem prisioneiros dos campos de concentração. Em 23 de julho de 1944, eles entraram no campo de Majdanek, na Polônia — mais tarde, invadiram outros centros de prisão.
A libertação mais emblemática ocorreu em 27 de janeiro de 1945, quando o Exército Vermelho chegou em Auschwitz (desde 2005 a ONU estabeleceu a data como Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto).
Por lá, estima-se que entre 1,3 milhão a 3 milhões de pessoas foram assassinadas. Quando os soviéticos chegaram no campo, avistaram centenas de prisioneiros exaustos e doentes. Assim, as tropas aliadas, médicos e equipes de resgate tentaram alimentar os sobreviventes, mas muitos deles estavam muito fracos para digerir alimentos e não puderam ser salvos.
Mesmo com os esforços, muitos sobreviventes acabaram padecendo no local. Segundo a Enciclopédia do Holocausto, do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, metade dos sobreviventes de Auschwitz morreram poucos dias depois da libertação.
Um ponto que chama à atenção é que diversos deles também reagiram de formas distintas à liberdade: com muitos ansiosos para se reencontrarem com familiares e outros carregando a culpa por sobreviverem diante da imensidão de perdas.
Um retrato do que os soldados soviéticos viram naquele dia foi feito pelo fotógrafo Alexander Vorontsov, que registrou treze crianças com trajes de prisioneiros olhando para a câmera atrás de uma barreira de arame farpado. Mas o que aconteceu com cada uma delas?
Tomi Shaham tinha apenas 11 anos quando chegou em Auschwitz. Mas apesar da pouca idade, ficou sob responsabilidade de cuidar das crianças mais novas. Ele passou três meses no campo de concentração até sua libertação.
Quando Auschwitz foi liberto, ele fez amizade com os soldados soviéticos e os conduziu para um 'tour' por cada instalação do campo, aponta artigo do Shoah Foundantion, da University of Southern California.
Após três meses se recuperando, ele foi até Budapeste se encontrar com o tio, momento em que descobriu que sua mãe havia sobrevivido. No entanto, ele perdeu seu pai e dois irmãos no Holocausto.
Tomi se tornou professor e usa sua experiência de vida para inspirar as pessoas. Ele se casou e teve três filhos e quatro netos, e ainda fala com os jovens sobre o Holocausto. Atualmente tem 92 anos.
Miriam tinha apenas nove anos quando foi colocada em um vagão para gado e enviada a Auschwitz, em meados de 1944. Quando o campo foi liberto, ela estava doente, com tuberculose e uma infecção ocular — o que a fez ser enviada para diversos lares para crianças na Polônia.
Recuperada e sem ideia do que aconteceu com sua família, deixou um bilhete na estação de trem em Cracóvia com seu nome e os nomes de seus pais e avós. Esperando alguma resposta. Quis o destino que um velho amigo de sua família encontrasse a mensagem e juntasse a jovem novamente com sua mãe — outra sobrevivente do Holocausto.
Miriam se formou e trabalhou como contadora. Amigos a marcaram para um encontro às cegas com um colega sobrevivente do Holocausto, Roman Ziegler, com quem ela se casou em 1958. Eles tiveram três filhos, Stuart, Adrienne e Debbie. Miriam ainda mantém contato com Paula Lebovics e Ruth Muschkies Webber, que estão na foto. Ela tem 89 anos.
Paula Lebovics passou por um gueto, um campo de concentração, um campo de extermínio e a separação permanente de sua família até o fim do Holocausto quando tinha apenas 12 anos. Ela foi enviada para Auschwitz-Birkenau em 1º de agosto de 1944 (aos 10).
No campo, se tornou a favorita dos guardas por sempre cantar belas canções, o que às vezes lhe rendia comida extra. Antes da libertação, Josef Mengele chegou a se oferecer para levar ela e outras crianças de volta às suas famílias. Paula recusou, mas todas as que aceitaram morreram.
Paula sobreviveu a Auschwitz assim como sua mãe. Quando tinha 18 anos, ela se mudou para Detroit, onde conheceu seu marido, Michael, também sobrevivente do Holocausto, com quem teve dois filhos. Aposentada, ela continua compartilhando sua história de vida em palestras. Paula tem 92 anos.
Marta Wise diz que não foi nada além de "pura e pura sorte" que lhe permitiu sobreviver ao Holocausto. Quando os alemães invadiram seu país natal, a Tchecoslováquia, em 1939, Martatinha apenas cinco anos. Assim, seu pai pegou documentos falsos e enviou todos seus filhos para fora. Ela acabou indo para a Hungria, onde viveu por dois anos.
Quando a Alemanha invadiu a Hungria, a situação ficou perigosa e ela teve que escolher entre retornar à sua casa ou partir com outras crianças de navio para a Palestina. Com apenas nove anos, optou pela primeira opção. O barco afundou, matando todas as crianças a bordo.
Após dois dias caminhando pelos campos de trigo na fronteira, Marta se juntou à sua irmã mais nova Eva na Tchecoslováquia por dois meses fingindo ser católica. Mas elas acabaram sendo presas, interrogadas e espancadas. Apesar de se recusarem admitir serem judias.
Elas só foram enviadas a Auschwitz após uma antiga babá dedurar as duas. Durante a seleção, na chegada ao campo, Marta foi enviada para a fila da esquerda (onde todos seriam prontamente exterminados nas câmaras de gás), mas uma confusão fez com que fosse para a fila da direita, onde estava sua irmã.
Ainda assim, as duas foram enviadas para a seção "campo familiar" de Auschwitz, onde Mengele lhes deu injeções misteriosas (Marta nunca soube para que serviam) e elas passaram os dias tentando simplesmente sobreviver, reporta o Shoah Foundantion.
Conforme os soviéticos se aproximavam do campo, os alemães organizaram a Marcha da Morte, mas Marta e Eva ficaram para trás. Meses depois, elas se reencontraram com seus pais e quase todos seus irmãos — apenas Judith havia morrido em Auschwitz.
Marta terminou a escola, estudou fisioterapia e em 1967 casou-se com o inglês Harold Wise. Em 1998, eles se mudaram para Israel. Eles têm três filhas, Judy, Michelle e Miriam, e 14 netos. Marta tem 90 anos.
Separado de seus pais após intimação da Gestapo, em 5 de setembro de 1944, Shmuel Schelach (nascido Robert Schlesinger) e seu irmão Palo, quatro anos mais novo, foram capturados com outros três judeus e enviados para o campo de concentração de Sered, e de lá para Auschwitz-Birkenau em vagões de gado, em outubro. Na época, ele tinha apenas 10 anos.
Em Birkenau, Shmuel trabalhou com outras crianças coletando lixo. Já Palo ganhou a afeição de um guarda, que sempre levava comida extra para os meninos ou casacos quentes. Aquela altura, sem saber, a mãe dos meninos trabalhava na cozinha do campo feminino em Auschwitz.
A mulher foi avisada por outra prisioneira sobre a presença dos garotos por lá e na véspera de Natal, ela pegou alguns cubos de açúcar na cozinha e encontrou os meninos em uma cerca. Ela jogou os cubos de açúcar para eles, mas eles caíram na neve profunda e os meninos não conseguiram encontrá-los.
Perto da libertação do campo, Shmuel parecia forte o suficiente e foi selecionado para passar pela Marcha da Morte, mas imediatamente pediu para ficar com Palo, pois sabia que eles tinham que ficar juntos. Em 27 de janeiro, o Exército Soviético chegou e libertou Auschwitz.
Curiosamente, todos os quatro membros da família Schlesinger que foram enviados para Auschwitz, sobreviveram. Após a libertação, eles imigraram para Israel, onde Shmuel se casou com Eva Mayer (hoje Chava Schelach) e teve duas filhas, Tali e Limor.
Considerado uma pessoa otimista e jamais vingativa, Shmuel sempre esteve disposto a compartilhar suas histórias com as pessoas pelo resto de sua vida. Ele faleceu em 29 de agosto de 2006, vítima de doença cardíaca, provavelmente causada por complicações de artrite grave que ele desenvolveu em Auschwitz.